O Que Fazemos

Podcasts

(In)visibilizadas
Eduquê
  • Texto
  • Transcrição
  • English

Quando professores e gestores veem o aviso de ‘grátis’ em pacotes de tecnologia da educação que se espalham pelas redes de ensino, a desconfiança nem sempre aparece.

Priscila Gonsales, professora e pesquisadora de educação aberta, novas tecnologias e direitos digitais há décadas, afirma que o ‘grátis’ não existe no mundo digital. Se não pagamos com dinheiro, pagamos com nossos dados.

E o uso indiscriminado e sem transparência dos dados de nossos estudantes e trabalhadores da educação restringe pelo menos três direitos humanos ligados ao direito à educação: acesso à informação, liberdade de expressão e privacidade e proteção de dados.

Acompanhe a nossa conversa com a fundadora e diretora-executiva do Instituto EducaDigital e saiba como o desconhecimento de nossos gestores públicos sobre direitos digitais abre espaço para a privatização da educação por meio da oferta do ensino híbrido, que inviabiliza uma educação de fato aberta.

Gostou do Eduquê? Conte para a gente!
Site: campanha.org.br
Twitter: @camp_educacao
Facebook: Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Email: comunicacao@campanhaeducacao.org.br

Eduquê in English:
freshedpodcast.com/eduque

RUI DA SILVA: Esse é o Eduquê, podcast em português que promove a partilha de conhecimento qualificado por ativistas e acadêmicos sobre questões atuais da educação. Eu sou Rui da Silva, pesquisador e presidente da direção do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto.

ANDRESSA PELLANDA: E eu sou Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, do Brasil. Hoje, vamos discutir como o universo da tecnologia digital e a educação se combinam, gerando novas oportunidades e também problemas para a garantia do direito à educação. Vamos conhecer o que são direitos digitais e saber por que o ensino remoto se mostrou tão problemático durante a pandemia. 

RUI DA SILVA: Priscila Gonsales é fundadora e diretora-executiva do Instituto EducaDigital. Também professora e pesquisadora, ela estuda os seguintes temas: educação aberta, tecnologias e direitos digitais.

ANDRESSA PELLANDA: Priscila Gonsales, seja bem-vinda ao Eduquê. 

PRISCILA GONSALES: Andressa, muito obrigada pelo convite. 

ANDRESSA PELLANDA: A organização que faz parte, Educadigital, promove a educação e direitos digitais, pode nos explicar o que isso significa? 

PRISCILA GONSALES: O EducaDigital está fazendo 10 anos agora, na verdade 11, desde que a gente nasceu, em 2010. Desde que foi fundada a organização, o enfoque sim foi a cultura digital, educação aberta na cultura digital. Entendendo a educação aberta como não só recursos educacionais abertos, mas essencialmente práticas educacionais abertas, flexíveis, conforme os contextos diferentes que a gente tem no Brasil que é um imenso, por exemplo, e a gente sempre trabalhou com a questão do letramento digital. Alguns chamam de alfabetização digital, mas eu gosto de chamar de letramento porque eu acho que a gente tem que pensar em vários letramentos, porque a gente está numa sociedade em constante transformação, especialmente quando a gente considera a tecnologia. A tecnologia que a gente tem hoje, né, o cenário da sociedade digital que a gente tem hoje é muito diferente de dez anos atrás, de 20 anos atrás, então o momento a gente fez um reposicionamento em 2018 para falar de educação, entendendo que para nós a educação já é a educação aberta, então quando falamos de educação, a educação para o desenvolvimento humano... E a gente acredita que isso só acontece dentro de uma perspectiva aberta a tecnologias, porque a nossa sociedade é cada vez mais cheia e permeada de tecnologias. E os direitos digitais porque nós estamos vendo uma série de problemas, violações acontecendo agora no mundo atual da sociedade digital. Então a gente precisa unir todo esse trabalho do direito ao acesso à informação, que sempre o nosso foco, por conta da abertura dos recursos educacionais abertos com a liberdade de expressão e também a privacidade e proteção de dados - que são essencialmente os três direitos humanos que acontecem no mundo digital, não só eles, mas a gente enfatiza esses três direitos especialmente: o acesso à informação, a liberdade de expressão e privacidade e proteção de dados.

RUI DA SILVA: Pode nos falar um pouco da diferença entre materiais de acesso aberto e materiais de acesso gratuito.

PRISCILA GONSALES: Claro, essa é uma pergunta bastante recorrente. É importante diferenciar que nem tudo que está gratuito na internet, ao alcance de um clique, é de fato aberto. Para ser aberto, aquele material - seja qual for o tipo de material: áudio, texto, vídeo, multimídia... - precisa ter uma licença de uso aberta. Claro que é a licença de direito autoral aberta. A gente tem hoje o Creative Commons, que também está aí ha mais de quase 20 anos, que é uma organização internacional em que quase todos os países, mais de 120 países, utilizam hoje porque a questão da reforma do direito autoral está muito estagnada em vários lugares. Aqui no Brasil, demais, porque as práticas sociais já mudaram. A gente já tem uma outra interface de acesso, de busca, de locomoção, de estudos. E a Lei de Direito Autoral é de 1998. É muito diferente de 2021. O contexto de prática social que a gente tem hoje infelizmente... A questão da reforma da Lei de Direito Autoral, ela estagnou, ela não está andando. Aqui no Brasil teve um movimento grande no começo dos anos 2000, mas isso não foi pra frente, é uma pena. Outra coisa importante: por que é que a gente fala bastante da educação e de direitos digitais? Porque a educação, de uma certa forma, ela fica fora desses debates que são pauta na sociedade. É como se não tivesse a ver. E tem tudo a ver falar em direito autoral no contexto digital se a gente quer levar o letramento digital aos nossos educadores, aos nossos estudantes. Se a gente for pensar, por exemplo, o Marco Civil da Internet: a área da educação não participou em nada do processo, das discussões. Hoje eu faço formação de professores e eu trago o Marco Civil, eu falo desde como funciona a internet; quando a gente manda um e-mail, qual é o processo; para onde vai esse dado que a gente está enviando? Os educadores ainda não sabem que a internet tem uma estrutura física. Quando a gente fala na 'nuvem', onde estão nossos dados? São invisíveis? Não, a nuvem é física, são cabos submarinos. Isso, em 2021, ainda era uma descoberta para nossos educadores e gestores públicos.

PRISCILA GONSALES: E outro aspecto da diferença entre gratuito e aberto, que é mais difícil de as entenderem, é que quando a gente acessa a plataforma gratuita, por exemplo, e a gente não paga com dinheiro, a gente está pagando com os nossos dados. Os nossos dados alimentam aquela plataforma que está sendo desenvolvida com algoritimos de inteligência artificial e vai melhorando o produto. Os nossos dados vão tornando aquela plataforma cada vez melhor. Nós estamos pagando, sim, com o ativo mais valioso da nossa sociedade hoje. Por isso que é fundamental a gente entender: que sociedade é essa que a gente tem hoje, que cultura digital nós temos hoje.

RUI DA SILVA: Então, é por isso que vocês tentam focar se no letramento e nos direitos digitais. Não é isso?

PRISCILA GONSALES: Exatamente.

ANDRESSA PELLANDA: E aí eu queria pegar um gancho do que você está falando, Priscila, pois você mencionou como é que a gente paga essas coisas com dados e não necessariamente com o nosso dinheiro. Aqui no Brasil, mas também no mundo, com as políticas emergenciais vieram à tona uma série de parcerias com grandes empresas de tecnologia para essas plataformas de educação remota, gerando uma série de questões polêmicas, discussões e efeitos disso. Você pode comentar para gente um pouquinho sobre essa questão, essas problemáticas, e também aproveitar para contar um pouco sobre esse projeto 'Educação Vigiada' que vocês fizeram.

PRISCILA GONSALES: Claro. Isso que a gente está vendo até hoje, vimos no começo da pandemia e agora se perpetuam essas parcerias grátis - grátis de novo, está pagando com os dados. E o que acontece, acho que tem vários fatores para a gente analisar. O primeiro deles é que a tecnologia sempre foi considerada uma mera ferramenta, o meio de ensino. A visão que os educadores e gestores educacionais têm da tecnologia é utilitária, é para ensino, é só para poder ser uma forma de ensinar. Então, não temos mais a possibilidade do presencial, que outras formas a gente pode usar para continuar ensinando, do mesmo jeito que a gente usava? Não teve uma visão crítica na mudança, na emergência, naquele desespero de continuar atendendo os alunos, óbvio. Mas isso remete ao passado em que também nunca se refletiu e se discutiu o que significa esse híbrido que agora está todo mundo falando. A gente fazia antes, ou experimentava antes possibilidades diferentes daquele que formato nada flexível - que não é educação aberta - de ter o professor ali transmitindo o conteúdo para uma classe e todo mundo olhando para a nunca, aquela imagem clássica que a gente tem. Isso é uma reflexão que não houve. Obviamente, pensar a tecnologia como um mero instrumento: esse é um primeiro ponto. O segundo ponto é o desconhecimento dos nossos gestores públicos, aqueles que estão diretamente envolvidos com o serviço de educação como um direito de conhecerem esse cenário que a gente está vivenciando, o cenário que nós temos hoje em que o grátis envolve um pagamento oculto. O grátis envolve dados dos nossos estudantes, dos nossos professores. O que é que essas empresas vão fazer com esses dados?

PRISCILA GONSALES: E o que a gente mapeou, tanto na Educação Vigiada, como via mapeamento de como estamos nos organizando para o atendimento remoto, foi que elas aceitaram os termos das empresas. Então, não é minha preocupação em termos de gestão pública aceitar os termos. Só que a gente não está pagando com dinheiro. Quer dizer, todo mundo é obrigado a aceitar o termo da empresa? E nós fizermos também uma análise, uma análise descritiva, do que está escrito nos termos de uso dos grandes pacotes de educação, que têm sido os mais usados: Google e Microsoft, os tais bons pacotes Education. E o que a gente constatou lá? Primeiro, que eles são uma tradução pura, não é nem uma versão ou uma adaptação da nossa legislação. Eles citam legislação da Califórnia... Isso já fere a própria atuação deles no país. Outra coisa que tinha lá: a responsabilidade é toda da instituição que assina o termo. Então a instituição é responsável para pegar todos os aceites e consentimentos dos pais. Qualquer problema de uso indevido a culpa é da instituição, a empresa se exime de tudo. E o terceiro ponto é que todos os aplicaivos que não estão no pacote Education, se o aluno usa por exemplo YouTube, Google Maps... Os dados vão ser usados comercialmente, sim. É isso. As gestões não sabem disso. E tem também uma subserviência - eu gosto de falar essa palavra, parece forte mas não vejo outra melhor - de achar que a Big Tech ou a Ed Tech ou a empresa externa sabe muito mais do que nós. Então vamos aceitar os termos dela. Ela ainda está dando de graça para nós. Eu acho que esse desconhecimento é muito sério, e nem acho que é má fé.

PRISCILA GONSALES: Eu acho que é um desconhecimento que acaba gerando um dano que pode levar a milhares de outras consequências. Com a LGPD agora, chegou um terceiro problema que eu vejo em todos esses anos acompanhando as gestões de educação, é que tem muita falta de diálogo entre as partes pedagógicas, técnicas e jurídicas, tanto que a gente criou um jogo, que chama Jogo da Política de Educação Aberta, que a gente usa nas formações para fazer um diagnóstico do grau de abertura de uma política ou de um programa. Para participar desse jogo, você precisa que essas três áreas juntas porque o jogo trabalha com esses três aspectos. Se eu tomo uma decisão pedagógica: o que isso impacta no técnico? A decisão pedagógica agora é o remoto, por exemplo. Para eu fazer o remoto eu vou precisar de uma plataforma de tecnologia. Bom, eu não tenho, onde eu vou achar? Quais são as opções? E não é isso que acontece. Acaba que o pedagógico decide tudo. A gente tem essa cultura de parceria empresarial, fundações, na educação com um todo e a gestão pedagógica decide sozinha, e diz para a técnica o que é que eles têm que fazer para poder acontecer naquele programa, naquele projeto. E o jurídico tem que balizar o que a parte pedagógica decidiu. Não existe uma harmonia de entendimento dos impactos de cada ação. A gente tem uma política muito top-down ainda, que é o gestor da pasta que decide tudo o que vai fazer de acordo com o repertório que ele tem, o grupo com o qual ele está acostumado a trabalhar, e todo mundo na gestão tem que fazer acontecer, tem que colocar aquilo em prática.

RUI DA SILVA: E agora, diante dessa perspectiva de como o mundo digital está entrando na educação brasileira, o que é que esta pandemia de Covid-19 e o encerramento das escolas... Como pode influenciar este fenômeno que nos descreve.

PRISCILA GONSALES: A pandemia exacerbou uma série de desigualdades que a gente já tinha. As me perguntam, essa semana mesmo teve um workshop internacional na Unicamp e os colegas britânicos acham que a questão da falta de acesso é na favela, é só na zona rural. E quando eu falo que não, nas cidades grandes também tem, nas capitais também tem, nós temos o problema de acesso. O problema de banda, porque o acesso, comprovadamente pelas pesquisas no Brasil, é pelo celular, as pessoas acessam a internet pelo celular e por pacote de dados. Se um pacote de dados acaba, a gente ainda tem uma coisa bem perversa que é o zero rating: são os acordos que as teles que a gente paga para ter o pacote de dados fazem com as empresas nas mídias sociais, por exemplo de Facebook e WhatsApp, e as pessoas continuam usando esses aplicativos mesmo se o pacote de dados acabou. Isso gera uma conveniência para a pessoa - inclusive isso não é permitido pelo Marco Civil. Acabou sendo o acordo que a gente não sabe direito como isso aconteceu, mas é fato que isso é uma prática. Isso acaba não só restringindo o direito de acesso à informação das pessoas como pode potencialmente proliferar por exemplo a desinformação.

PRISCILA GONSALES: Se a pessoa não consegue clicar no link que ela recebe na mensagem, ela acredita ou confia ou concorda com o título e ela começa a disseminar aquilo sem ter lido - e às vezes a notícia é antiga, para dizer a coisa mais básica que pode acontecer. Essa é uma questão: o acesso, a forma como a política está sendo organizada, apesar de a gente ter o Marco Civil, e o Marco Civil está vivendo o ataques o tempo todo por meio de decretos, o que é pior ainda. A gente tem um governo de decretos, uma coisa indescritível que a gente está vivendo hoje. E a gente tem no Brasil 4,8 milhões de crianças sem acesso à internet, sem acesso à Internet nos lares. As crianças que têm internet muitas vezes têm que compartilhar o celular, o computador. Essas questões vieram totalmente à tona agora com a pandemia, isso ficou ainda mais acirrado, esses contrastes, essas exclusões, algo que vem da década de 90 quando se privatizou as telecomunicações e o FUST não foi devidamente usado como deveria ter sido. A gente está vendo as consequências de uma gestão não só educacional, mas uma gestão de política nacional que a gente não teve.

ANDRESSA PELLANDA: É interessante ver como o impactos da pandemia já vinham de antes, mas se aprofundaram. Eu tenho falado que se subiu à superfície, agora mais pessoas conseguem ver o que a gente já avisava antes. Mas tem outra questão que a gente queria que você discutisse um pouco com a gente sobre a educação à distância e  esse modelo e o que a pandemia pode trazer em relação a isso também. A gente tem um caso que, recentemente, o candidato a prefeito de Nova Iorque Eric Adams referiu que: “Ao utilizar as novas tecnologias de aprendizagem à distância, não precisa que as crianças da escola estejam num edifício escolar com vários professores - é exatamente o oposto. (…) Poderia ter um professor muito bom para ensinar 300-400 alunos que têm dificuldades.” O que acha desta perspectiva do uso de ensino a distância?

PRISCILA GONSALES: Eu acho que essa é uma visão obtusa. A educação não é o ensino, é muito mais que o ensinar conteúdos curriculares. Se a pessoa acredita que o avanço na educação, seja no ambiente escolar, seja nos países que têm o homeschooling, é simplesmente passar conteúdo... É uma visão obtusa da educação porque tem a experiência. Imagine o Metropolitan Museum resolver tirar todas as obras de dentro do espaço e pôr na rua. Não vai ser a mesma coisa. A experiência de entrar no museu é única. A experiencia de você ter as relações ou aprender a conviver na escola não dá para simplesmente substituir. É como se a escola fosse reduzida só a transmissão de conteúdo. É uma coisa tão chocante - declarações como essa - porque a gente discute isso há 30 anos, que a escola não é só transmissão. Como se um professor incrível viesse, fizesse uma aula online, e todo aprendesse porque é só para isso que a escola serve. Eu acho muito ruim esse tipo de visão porque desvaloriza o processo educativo e o processo de ecossistema da escola, que é muito difícil, do dia a dia, os educadores dão um duro danado, os gestores, a parte administrativa. Todos nós que tivemos experiências, por mais que a gente tenha críticas, e é bom que a gente tenha, faz parte, nós temos uma visão de tudo o que foi bacana de ter vivenciado na escola. E, num país como o Brasil, o espaço da escola é fundamental para a gente pensar... "Agora tudo é online", essa é uma visão quem não conhece a nossa realidade. E me admira também que mesmo fora, nos Estados Unidos, a gente tenha esse tipo de coisa, com essa declaração.

RUI DA SILVA: E por que que acha que esta perspectiva, e esse tipo de visão muito simplista, [se liga sobre com a ideia de] como as tecnologias podem resolver os nossos problemas.

PRISCILA GONSALES: É isso mesmo, Rui, é uma visão sobre o solucionismo tecnológico, como diz o Morozov, que é o pesquisador da atualidade que vem fazendo muitas críticas em relação ao Vale do Silício. O jeito de pensar do empreendedorismo digital que vai resolver tudo. Então o que nós precisamos mesmo é ter toda a tecnologia à mão. Nós precisamos formar esses jovens para serem trabalhadores dessas empresas de tecnologia e para isso é essa educação que a gente quer, a gente não tem que pensar naquilo que a gente precisa produzir no país, como pesquisa, como tecnologia mesmo, nas escolas - e não só escolas, viu gente. É bom frisar que o Educação Vigiada mostrou que as universidades públicas também elas estão deixando de investir internamente em toda parte de TI, por exemplo, porque: para que elas vão investir se elas estão usando tudo externo? Então a gente vai virando a colônia digital, [termo] que outros pesquisadores que usam, o Nick Couldry, o Ulises Mejias, eles estão trabalhando nessa perspectiva. É um novo colonialismo digital que está surgindo. E a gente está participando disso achando que é assim mesmo, porque é bacana só servir às empresas Big Techs e quem produz tecnologia. Tem uma outra coisa. Além do ensino híbrido, que virou modinha agora, é a tal da educação 4.0, 5.0... Já vi até 7.0, gente. Aí eu falo assim, toda vez eu falo isso: a gente está transformando a educação num carro, é isso?

PRISCILA GONSALES: Cada ano a gente lança um modelo e a gente quer vender esse modelo, todo mundo tem que fazer igual, para ter concorrência. É nisso que a gente está transformando a nossa educação, vai virando um produto obsoleto. Mas o que me deixa... Vou dizer, assim, até otimista é que quando eu trago essas abordagens sobre ações as pessoas de repente falam: "Nossa, eu não tinha pensado nisso".  Por quê?. Porque está todo mundo naquele fazer, fazer, fazer, cumprir, cumprir, cumprir, cumprir, e não pensa nessas possibilidades, nessas questões todas aí que a gente tem e que tem a ver com educação política. Outro dia a gente estava conversando também, anteontem: a história de mais um agressor de mulheres que foi denunciado e que teve seguidores e curtidas aumentadas e aí uma determinada organização que trabalha com educação midiática postou que era um absurdo, que as pessoas não podem curtir, que não é possível fazer isso. Mas, de alguma forma, isso despolitiza porque você não pode atribuir o problema unicamente a uma escolha individual. Cadê a responsabilidade da imprensa, cadê a responsabilidade das plataformas? Porque é isso está acontecendo. O contexto é um pouco mais complexo do que a gente achar que é só uma decisão [individual]. Ah, vai ser legal. Use a internet que tudo está bem.

ANDRESSA PELLANDA: É muito interessante perceber, eu estava aqui pensando... Em 2017, fiz um trabalho lá em Nova York e eu estive lá quando apresentaram a robô Sofia pela primeira vez para o mundo. Vários países assistindo e eu fui lá olhar de cantinho como é que era. E, claro, é outra discussão sobre inteligência artificial, etc. Mas eu lembro que na mesa tinha uma pessoa que discutia a questão crítica de ter um robô de inteligência artificial, enfim, e o resto eram todas representações de empresas que ajudaram a promover e desenvolver, financiar, a robô Sofia. As perguntas que foram feitas por diversos países, especialmente os países que a gente chama de Sul-Global eram quando que eles poderiam ter acesso àquele robô ou a mais crítica que eu ouvi era como as empresas do Vale do Silício iam contratar pessoas de seus países para trabalhar lá no Vale do Silício. Então eu com o olho cada vez mais arregalado, eu que adoro filmes distópicos, pensando como ia ser o futuro com isso funcionando daquele jeito. E ao mesmo tempo, nessa conversa, eu tive esses dias discutindo educação indígena e quilombola. Para quem não é do Brasil, quilombola é um termo utilizado para os povos que são descendentes de escravos, e que se aquilombam, ficam nas suas comunidades mantendo a cultura e a tradição do seu povo. E a gente estava discutindo a educação quilombola indígena e nas resoluções do Conselho Nacional de Educação no Brasil que datam de 2002, 2006 e 2008 - que foi uma época de muito avanço nas nossas políticas educacionais aqui -, um dos termos que eles utilizam para o objetivo da educação indígena quilombola nas resoluções respectivas é o bem viver. Estava aqui raciocinando, pensando sobre toda essa questão da tecnologia, para que ela serve... E tem muita relação com essa questão do direito do bem viver. Estou falando disso para te perguntar: qual conselho você daria a quem está na linha de frente da educação, que quer aprender a usar essas tecnologias digitais de forma aberta e respeitando, claro, a garantia do direito à educação? E, por que não, desse bem viver...

PRISCILA GONSALES: Inclusive, esse bem viver, tem um teórico incrível que acabou de fazer 100 anos, que é Edgar Morin, ele traduzia como que o pensamento complexo em que nós humanos somos parte da natureza - não tem uma divisão do homem sempre explorar a natureza. Temos que perceber esse ecossistema que a gente faz parte, e ele fala do bem viver. Como que a gente educa para o bem viver? O que seria esse bem viver? O quanto a gente está semeando? Isso tem a ver com a convivência, tem a ver com o próprio autoconhecimento, coisas que de uma certa forma se traduziram nas competências socioemocionais - mas por que, gente, porque a OCDE resolveu falar disso, porque muito antes a gente já falava, mas só quando a OCDE fala é que a educação resolve olhar para isso porque: "Nossa, o mercado de trabalho!" São coisas que a gente precisa sempre lembrar. Por que esse tema vem agora? Veio de agora, não veio. Inclusive as comunidades, elas são uma grande fonte inspiradora. No começo dos anos 2010, tinha um projeto muito legal, o Índio Educa, que era aberto, em licença aberta. Eles fizeram uma plataforma em que os estudantes criavam diversos materiais para poder compartilhar sua própria cultura. Isso durou até que eles não tiveram mais financiamento e não conseguiram dar andamento. Uma outra coisa muito triste que a gente tem no Brasil é essa descontinuidade dos apoios dos projetos que são comunitários, que têm a ver com o contexto... E isso está muito forte hoje, a gente quase não vê ações vindo. As comunidades são verdadeiras resistências que estão aí hoje, tentando fazer ao mesmo tempo diferente mas também se aproximar, não é dizer que agora agora vamos voltar ao que éramos.

PRISCILA GONSALES: Não. Eu acho que a gente não pode nem renegar o que a gente tem do passado, de coisas boas, e também não posso deixar de olhar para o que está por vir. O que é essa IA, esse algoritmo da IA? A gente tem que olhar para isso. Mas como que a gente faz essa combinação e esse equilíbrio? Eu acho que eu posso resumir o meu conselho numa frase: não seja dependente. E isso vale para todos. Professores: "Ah, porque a rede, a secretaria, está obrigando a usar o Google Education". Você pode buscar com seus colegas conhecer outras possibilidades. Quem sabe, na sua diretoria de ensino, levar esse questionamento, falar sobre isso. A gente também se acostuma com a política top-down, porque ela facilita as coisas, alguém tomando a decisão pela gente. Então tem um fazer aí que é procurar saber mais, procurar informações. São materiais abertos, de fato, que são gratuitos. "Onde que eu acho alternativas às grandes ferramentas das Big Techs?" Pensando nisso, a gente sabe que um dos dramas é encontrar esses materiais, a gente vem desenvolvendo desde 2017 uma série de ações e projetos. Por quê? A gente faz isso em conjunto com ações de advocacy e formação de gestores para que eles conheçam o que existe. Então, a gente tem, por exemplo, o relia.org.br, um referatório de REA, e a gente usa esse referatório nos cursos que a gente faz, os professores vão lá e pesquisam os REA, deixam um comentário para saber o que eles acharam. É para fomentar essa ideia de que não tá pronta, a plataforma não é perfeita, tudo o que está lá dentro não é incrível. A gente está colocando, na medida do possível o que está sendo compartilhado na rede de uma maneira aberta, com a licença aberta. Mas a gente quer que isso seja de fato colaborativo. E a gente vê que isso é um desafio. As pessoas querem as coisas prontas e perfeitas, arrumadinhas. A prática de abertura... Se tem uma licença aberta, significa justamente que você pode melhorar. Porque a gente tem a cultura da editora, do livro didático pronto... "Como pode ter erro no livro didático?" Vamos consertar o erro, conversar com a classe, ver o erro? A gente atribui sempre algo que está fora da gente. Isso é muito, muito comum na educação. Outra coisa que a gente fez foi o Escolha Livre, escolhalivre.org.br, que a gente lançou no ano passado. Tem ferramentas abertas e livres para videoconferência, para escrita colaborativa, para gravação de vídeos... Uma série de ferramentas abertas. E não é para escolha livre individual, é bom frisar, é mais uma chamada para ação. Porque se a gente não tiver um lugar onde mostrar que existe fica muito difícil também a gente convencer e explicar para o gestor público que é possível, sim, criar uma rede própria, por exemplo. Como que eu tenho uma rede independente para mandar todos os meus servidores para fora do Brasil se o meu servidor de e-mails, de documentos, está fora do Brasil? Como eu sei que aquilo está sobre qual legislação? Eu tenho certeza que eu protegido aqui por conta da legislação deles? Está de fato combinada o que a gente precisa ter aqui, enfim.

PRISCILA GONSALES: A não gente sabe. E essa infraestrutura tecnológica, essa infraestrutura de rede é importante também quando a gente vai pensar uma política pública. Não dá mais para dissociar: tudo o que a gente vai fazer hoje, tem a ver com o digital. Vai ter uma plataforma, vai ter um livro digital, e isso vai ficar em algum lugar. Ele vai para algum um servidor, aonde está esse servidor, quem fornece isso? Quanto isso vai custar? É de graça? Mas como assim é de graça? Não é possível que serviços tão robustos estejam sendo dados de graça. A gente fez também um mapa de serviços, tentando mapear comunidades, associações e empresas que ofertam serviços. Também era uma outra demanda que faziam para a gente. "Ah, a gente não sabe onde encontrar, para quem a gente vai recorrer?". Já tem empresas e associações de vários lugares do Brasil. A gente está fazendo uma nova divulgação. Agora, tem um lado que eu ando pensando muito nisso. Todo esse movimento do software livre que a gente teve no final dos anos 90, começo dos anos 2000, foi muito legal e ainda reverbera até hoje... De alguma forma, a gente não conseguiu fazer isso se disseminar. Tornar isso mais conhecido pela educação, pelos gestores educacionais, pelos legisladores. Hoje a gente mexeu no próprio projeto REA, que era de 2011. A gente mexeu, conseguiu mexer, ele foi aprovado em duas comissões, mas a gente queria mexer mais ainda para poder entrar mais nos aspectos de direitos digitais, que a gente sabe que é o grande drama, hoje, das gestões públicas.

RUI DA SILVA: Priscila Gonsales, muito obrigado por ter vindo ao Eduquê.

PRISCILA GONSALES: Obrigada você, Andressa e Rui pelo convite. Vida longa ao Eduquê!

ANDRESSA PELLANDA: Vida longa a REA!

RUI DA SILVA: A transcrição desse episódio está disponível no site campanha.org.br e, traduzida para o inglês, no site freshedpodcast.com. Algumas das referências citadas pela Priscila podem ser encontradas no site do Instituto Educadigital (educadigital.org.br)

ANDRESSA PELLANDA: As opiniões expressas pelo programa correspondem apenas às dos apresentadores e entrevistados – e não necessariamente representam posições institucionais de FreshEd e Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

RUI DA SILVA: Se você gostou do Eduquê, por favor faça a sua avaliação! Marque as 5 estrelinhas para o Eduquê no Apple Podcasts ou na sua plataforma de podcast favorita. Isso nos ajuda muito, mesmo.

ANDRESSA PELLANDA: O Eduquê tem produção executiva de Renan Simão e Will Brehm. Mariana Casellato, José Leite Neto e Rui da Silva são produtores. A música original do Eduquê é de Joseph Minadeo, do Pattern Based Music.

RUI DA SILVA: O Eduquê é financiado pelo Instituto de Educação da University College London, pela Norrag - que é a Rede de Políticas Internacionais e Cooperação em Educação e Treinamento, e por ouvintes como você. 

ANDRESSA PELLANDA: Faça a sua colaboração em freshedpodcast.com/donate ou em direitoaeducacao.colabore.org. Obrigada pela atenção. Aqui quem fala é Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, do Brasil.

RUI DA SILVA: Rui da Silva, pesquisador do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, de Portugal. Estaremos de volta no mês que vem. Até lá!

RUI DA SILVA: This is Eduquê, a podcast in Portuguese that promotes the sharing of qualified knowledge by activists and academics on present-day issues in Education. I am Rui Silva, researcher and president of the board of the Center for African Studies at the University of Porto.

ANDRESSA PELLANDA: And I am Andressa Pellanda, general coordinator of the National Campaign for the Right to Education, of Brazil.

Today, we are going to discuss how the universe of digital technology and education are intertwined, creating new opportunities and also problems to ensure the right to education. Let's get to know what are digital rights and why distance learning proved to be so problematic during the pandemic.

RUI DA SILVA: Priscila Gonsales is founder and executive director of EducaDigital Institute. Teacher and researcher, she investigates the following topics: open education, technologies and digital rights.

ANDRESSA PELLANDA: Priscila Gonsales, welcome to Eduquê.

PRISCILA GONSALES: Andressa, thank you very much for the invitation.

ANDRESSA PELLANDA: The organization that you are part of, EducaDigital, promotes educational and digital rights, can you explain to us what these mean?

PRISCILA GONSALES: EducaDigital is now 10 years old, actually 11 since we were born in 2010. Since the organization was founded, the focus has been on digital culture, open education in digital culture. Understanding open education as not only open educational resources, but essentially open, flexible educational practices, according to the different contexts that we have in Brazil - which is immense. We have always worked with the issue of digital literacy. Some call it digital ‘alfabetização’, but I like to call it literacy because I think we have to think about various literacies, because we live in a society that is constantly changing, especially when we consider technology. The technology we have today, right, the digital society scenario we have today is very different from the one of ten years ago, 20 years ago. So the moment we repositioned ourselves in 2018 to talk about education, understanding that for us education is already open education, so when we talk about education, education for human development... We believe that this only happens within an open perspective to technologies because our society is increasingly permeated with technologies. And also digital rights because we are seeing a series of problems, violations happening now in the current world of digital society. So we need to unite all this work on the right to access to information, which is always our focus. Because of the spread of open educational resources, with freedom of expression, and also privacy and data protection - which are essentially the three human rights that occur in the digital world, not only these, but we emphasize these three rights especially: access to information, freedom of expression and privacy and data protection.

RUI DA SILVA: Can you tell us about the difference between open access materials and free access materials.

PRISCILA GONSALES: Of course, this is a very recurrent question. It is important to note that not everything that is free on the internet, within reach of a click, is in fact open. To be open, that material - whatever the type of material: audio, text, video, multimedia... - must have an open license. It's the open copyright license. We now have Creative Commons, which has also been around for over 20 years, which is an international organization that almost all countries, over 120 countries, use today because the issue of copyright reform is very stagnant in many places. Here in Brazil also, very much, because social practices have changed. We already have another interface for accessing, searching, moving, studying. And the Copyright Law is from 1998. It is very different from 2021. Unfortunately, the context of social practice that we have today... The issue of copyright law reform is that it has stalled, it is not moving. Here in Brazil, there was a big movement in the early 2000s towards change, but that didn't go ahead, it's a shame. Another important thing: why do we talk a lot about education and digital rights? Because education, in a way, is out of these debates in society. It's like it doesn't have anything to do with it. And this is all about talking about copyright in the digital context if we want to bring digital literacy to our educators, to our students. If we think about, for example, the Brazilian Civil Landmark of Internet: the ​​education sector did not participate in the process, in the discussions at all. Today I train teachers and I bring the Civil Landmark, I talk about how the internet works. When we send an email, what is the process; where does this data we are sending go? Educators still don't know that the internet has a physical structure. When we talk about the 'cloud', where is our data? Is it invisible? No, the cloud is physical, it's undersea cables. This, in 2021, was still a discovery for our educators and public administrators.

PRISCILA GONSALES: And another aspect of the difference between free and open, which is more difficult to understand, is that: when we access a free-use platform, for example, we don't pay with cash - we are paying with our data. Our data feeds that platform that is being developed with artificial intelligence algorithms and is improving the product. Our data is making that platform even better. We are paying, yes, with society's most valuable asset today. That's why it's fundamental for us to understand: what is this society we have today, what digital culture we have today.

RUI DA SILVA: So, that's why you try to focus on literacy and digital rights. Isn’t’ it?

PRISCILA GONSALES: Exactly.

ANDRESSA PELLANDA: I would like to take a look at what you are talking about, Priscila, because you mentioned how we pay for these things with data and not necessarily with our money. Here in Brazil, but also in the world, alongside emergency policies, a series of partnerships with large technology companies promoting remote education platforms came to light, generating a number of controversial issues, discussions and outcomes. Can you tell us a little about these issues, and also tell us about the project Educação Vigiada you coordinated.

PRISCILA GONSALES: Sure. This is what we are seeing today, we saw at the beginning of the pandemic and now these free partnerships are perpetuated – free, again, you are paying with data. And what happens? I think there are several factors to analyze. The first one is that technology has always been considered a mere tool, the means of teaching. The vision that educators and educational managers have of technology is utilitarian, it is just for teaching, it is just so that it can be a way of teaching. So, we no longer have the possibility of in-person education, what other ways can we use to continue teaching the same way we used to? They didn't have a critical view of the emergency, that desperation to continue serving students, obviously. But this goes back to the past in which there was never any reflection or discussion about what this hybrid means that everyone is talking about now. We used to do, or experiment before, different possibilities from that not at all flexible format - which is not open education - of having the teacher there transmitting content to a class and everyone looking at each other’s napes, that classic image we have. This is a reflection that did not take place. Thinking of technology as a mere instrument: this is the first point. The second point is the lack of knowledge of our public managers, those who are directly involved with the education service as a right… To know this scenario that we are experiencing, the scenario we have today in which the free payment involves a hidden payment. The free one involves our students’ data, our teachers’ data. What are these companies going to do with this data?

PRISCILA GONSALES: And what we mapped out, both in Educação Vigiada, and via mapping of how we are organizing ourselves for distance learning, was that they accepted the companies’ terms. “So it's not my concern in terms of public management to accept the terms”. But we are not paying with cash. I mean, is everyone obligated to accept the terms of the company? And we also did an analysis, a descriptive analysis, of what is written in terms of usage of the big education packages, which have been the most used: Google and Microsoft, the so-called good ‘Education’ packages. And what did we find there? First, that they are a pure translation, it is neither a version nor an adaptation of our legislation. They cite California legislation... This already hurts their own performance in the country. Another thing that was there: the responsibility is entirely of the institution that signs the term. Then the institution is responsible for collecting all parental and student consent. Any problem of misuse will be the fault of the institution, the company is exempt from everything. And the third point is that all applications that are not in the Education package, like, if the student uses for example YouTube, Google Maps... The data will be used commercially, yes. That's it. Education management does not know this. And there's also a subservience - I like to say that word, it sounds strong but I don't see a better one - of thinking that Big Tech or Ed Tech or the outside companies know a lot more than we do. So let's accept her terms. They’re still giving it to us for free. I think this lack of knowledge is very serious, and I don't even think it's bad faith.

PRISCILA GONSALES: I think it's a lack of knowledge that ends up generating damage that can lead to thousands of other consequences. With the LGPD (Brazilian General Data Protection Law) now, there is a third problem that I have seen in all these years following the education management. There is a great lack of dialogue between the pedagogical, the technical and the legal parts. So much so that we created a game, which is called Open Education Policy Game, which we use in training to diagnose the degree of openness of a policy or program. To participate in this game, you need these three areas working together because the game works with these three aspects. If I make a pedagogical decision: what does it impact on the technician? The pedagogical decision is now remote-based, for example. For me to make distance learning work I will need a technology platform. Well, I don't have it, where will I find it? What are the options? And that's not what happens. It turns out that the pedagogical person decides everything. We have this culture of business partnership, educational foundations as a whole, and the pedagogical manager decides alone and tells the technician what they have to do to make it happen in that program, in that project. And the legal department has to follow what the pedagogical part has decided. There is no harmony in understanding the impacts of each action. We still have a very top-down policy, which is the manager who decides everything he is going to do according to the repertoire he has, the group he is used to working with, and everyone in the management has to make it happen, you have to put it into practice.

RUI DA SILVA: And now, from this perspective of how the digital world is entering Brazilian education, what is this Covid-19 pandemic and the closing of schools... How can it influence this case that you described to us?

PRISCILA GONSALES: The pandemic exacerbated a series of inequalities that we already had. People ask me, this week there was an international workshop at Unicamp and my British colleagues think that the issue of lack of internet access is in the favela, it's only in the countryside. And when I say no, it’s in the big cities also, in capitals, we have a problem of access. The bandwidth problem, because access, proven by research in Brazil, is by cell phone, people access the internet by cell phone and by data packages. If a data package runs out, we still have a very perverse thing, which is zero-rating: it's the agreements the telecoms have with companies about data usage on social media, for example, Facebook and WhatsApp, and people keep using these apps even if the data package runs out. This generates a convenience for the person - even this is not allowed by the Civil Landmark; it ended up being the agreement that we don't really know how it happened, but it is a fact that this is a practice. This ends up not only restricting people's right of access to information, but it can potentially proliferate, for example, misinformation.

PRISCILA GONSALES: If a person can't click on the link she receives in the message, she believes or trusts or agrees with the title and she starts spreading it without having read it - and sometimes the news is old, to say the most basic thing that can happen. This is a question: access, the way politics is being organized, despite the fact that we have Civil Landmark, and Civil Landmark is living under attacks all the time through presidential decrees, which is even worse. We have a government of decrees, an indescribable thing that we are experiencing today. And we have 4.8 million children in Brazil without internet access, without internet access in their homes. Children who have internet access often have to share their cell phone, their computer. These issues have come fully to the front now with the pandemic, this has become even fiercer, these contrasts, these exclusions, something that comes from the 90s when telecommunications were privatized and the FUST (Fund for Universal Telecommunications Services) was not properly used as it should have been. We are seeing the consequences of a management not only not educational, but a management of national policy that we did not have.

ANDRESSA PELLANDA: It's interesting to see how the impacts of the pandemic came from years past, and got deepened. I've been saying that it rose to the surface. Now more people are able to see what we warned before. But there is another question that we would like you to discuss with us a little about distance education and this model and what the pandemic can bring about this as well. We have a case in which, recently, the mayor candidate of New York City, Eric Adams, said: “By using the new technologies of distance learning, it is not necessary for school children to be in a school building with several teachers - it is exactly the opposite. (…) I could have a very good teacher to teach 300-400 students who have difficulties.” What do you think of this perspective on the use of distance learning?

PRISCILA GONSALES: I think this is an obtuse view. Education is not teaching, it is much more than teaching curriculum content. If the person believes that the advancement in education, whether in the school environment or in countries that have homeschooling, is simply passing on content... It is an obtuse view of education because they don’t have the experience. Imagine the Metropolitan Museum deciding to take all the works of art out of the space and put them on the street. It won't be the same thing. The experience of entering the museum is unique. The experience of having relationships or learning to live together at school cannot simply be replaced. It's as if the school was reduced to the transmission of content. It's such a shocking thing - statements like that - because we've been discussing it for 30 years, that school is not a broadcast. As if an amazing teacher came, took an online class, and everyone learned because that's what the school is for. I think this type of vision is very bad because it devalues ​​the educational process and the school's ecosystem process, which is very difficult, on a daily basis… The educators work very hard, the managers, the administrative part… All of us who have had experiences, as much as we have criticisms, and it's good that we have, it's part of the process, we have a vision of everything that was cool to have experienced at school. And, in a country like Brazil, the school space is fundamental for us to think... "Now everything is online", this is a vision from those who don’t not know our reality. And I'm also surprised that even outside, in the United States, we have this kind of thing, with this statement.

RUI DA SILVA: And why do you think that this perspective, and this kind of very simplistic view, [links on the idea of] how technologies can solve our problems?

PRISCILA GONSALES: That's right, Rui, it's a vision of technological solutionism, as Morozov says, the trendy researcher who has been criticizing Silicon Valley a lot. The digital entrepreneurship way of thinking will solve everything. So what we really need is to have all the technology at hand. We need to train these young people to be workers of these technology companies and for this, it is this education that we want, we do not have to think about what we need to produce as a country, such as research, technology, in schools - and not only schools. It is worth noting that Educação Vigiada showed that public universities are also failing to invest internally in every part of IT, for example, because: why are they going to invest if they are using everything externally? So we become the digital colony, [a term] that researchers use it, Nick Couldry, Ulises Mejias… They are working with this perspective. It is new digital colonialism that is emerging. And we are participating in this thinking that it is just like that because it is good to only serve Big Tech companies and those who produce technology. There's another thing. In addition to hybrid education, which has become a trend now, it's the 4.0 education, 5.0 education... I've seen up to 7.0, guys. Then I say this (every time I say this): are we transforming education into a car? Is that it?

PRISCILA GONSALES: Every year we launch a new model and we want to sell this model, everyone has to do the same thing to have competition. This is what we are transforming our education into, becoming an obsolete product. But what makes me... I'm going to say, like, I’m even optimistic when I bring up these approaches to training courses, people suddenly say, "Wow, I hadn't thought of that." Why? Because everyone is in that doing, doing, doing, complying, complying, complying, complying, and they don't think about these possibilities, all these issues that we have and that have to do with political education. The other day we were also talking, the day before yesterday: the story of another women’s attacker who was exposed and who had increased followers and likes. And then a certain organization that works with media literacy posted that that was absurd, that people cannot enjoy that, that it is not possible to do this. But somehow that depoliticizes the agenda because you can't attribute the problem solely to an individual choice. Where is the responsibility of the media, where is the responsibility of social media platforms? Why is this is happening? The context is a bit more complex than we think when it's just a [individual] decision. Oh, it will be nice. Use the internet and everything is fine.

ANDRESSA PELLANDA: It's very interesting to notice, I was thinking to myself... In 2017, I did a job in New York and I was there when they presented the robot Sofia for the first time to the world. Several countries were watching and I went there to have a look. And, of course, it's another discussion of artificial intelligence, etc. But I remember that at the table there was a person who was discussing the critical issue of having an artificial intelligence robot, in short, and the rest were all representations of companies that helped to promote, develop and finance the robot. The questions that were asked by several countries, especially the countries we call the Global South were when they could have access to that robot or the most critical I heard was how Silicon Valley companies were going to hire people from their countries to work there. So that was me with the widest eye, I who love dystopian movies, thinking what the future was going to be like with it working that way. And at the same time, connected to this conversation, I was discussing indigenous and quilombola education these days. For those who are not from Brazil, quilombola is a term used for people who are descendants of slaves, and who live in their communities, maintaining the culture and tradition of their people. And we were discussing indigenous quilombola education and the resolutions of the Brazilian National Council of Education dating from 2002, 2006 and 2008 - which was a time of great progress in our educational policies here -, one of the terms they use for the goal of indigenous quilombola education is good living (‘bem-viver’). I was thinking about the whole issue of technology, what it is for... And it has a lot to do with this issue of the right to live well. I'm talking about this to ask you: what advice would you give to those on the front lines of education, those who want to learn to use digital technologies openly and, of course, ensure the right to education? And why not, the good living aspect as well…

PRISCILA GONSALES: Together with that, good living… There is an incredible theorist who just turned 100 years old, Edgar Morin, he translated the thought of complexity in which we humans are part of nature - there is no division of the fact that man always exploring nature. We have to understand this ecosystem that we are part of, and it refers to good living. How do we educate for good living? What would this good living be like? How much are we sowing? This has to do with coexistence, it has to do with self-knowledge itself, things that were somehow translated into social-emotional skills - but why? Because the OECD decided to talk about it because we already talked about it long before, but only when the OECD speaks the education people decide to look at it because: "Wow, the workforce!" These are things that we always need to remember. Why does this topic come up now? Did it come from now? It didn't. Including communities, they are a great source of inspiration. At the beginning of the 2010s, there was a very cool project, Indio Educa, which was open, under an open license. They created a platform in which students created different materials to share their own culture. This lasted until they ran out of funding and couldn't move forward. Another very sad thing that we have in Brazil is this discontinuity of support for projects that are community-driven, which has to do with the context... And this is very strong today, we hardly see any actions coming. The communities are real resistances that are there today, trying to make things different. That is not to say that now we are going to go back to what we once were.

PRISCILA GONSALES: No. I think we neither can't deny the good things of the past and nor stop looking at what's to come. What is this AI, this AI algorithms? We have to look at this. But how do we make this combination and this balance? I think I can sum up my advice in one sentence: don't be dependent. And that goes for everyone. Teachers: "Oh, because the educational system, the municipal office, is forcing you to use Google Education." You can ask your colleagues to learn about other possibilities. Take this question to your teaching board, talk about it. We also get used to the top-down policy, because it makes things easier, someone making the decision for us. So there is something to do there, which is to look for more information, to look for information. They are open materials, in fact, that are free. "Where do I find alternatives to Big Tech's great tools?" Thinking about it, we know that one of the dramas is finding these materials, we have been developing since 2017 a series of actions and projects. Why? We do this together with advocacy actions and manager’s training courses so that they know what is out there. So, we have, for example, relia.org.br, an OER reference, and we use this reference in the courses we carry on, the teachers go there and research the OER, leave a comment to know what they thought. It's to foster this idea that it's not ready, the platform isn't perfect, everything that's in there isn't amazing. We are putting, as far as possible, what is being shared on the web in an open way, with an open license. But we want this to be really collaborative. And we see that this is a challenge. People want things ready and perfect, tidy. Openness practice... If you have an open license, it means that you can improve it. Because we have the culture of the publisher, of the textbook ready-made... "How can there be a mistake in the textbook?" Let's fix it, talk to the class, see the error? We always blame something that is outside of us. This is very, very common in education. Another thing we did was Escolha Livre, escolhalivre.org.br, which we launched last year. It has open and free tools for video conferencing, for collaborative writing, for video recording... A number of open tools. And it's not for individual free choice, it's good to emphasize, it's more of a call to action thing. Because if we don't have a place to show that it exists, it is also very difficult for us to convince and explain to the public manager that it is possible, yes, to create our own network, for example. How can I have an independent network to send all my servers out of Brazil if my e-mail and document server are outside Brazil? How do I know what is under which legislation? Am I sure I'm protected here under their legislation? It's actually agreed what we need to have here, anyway.

PRISCILA GONSALES: We don't know. And this technological infrastructure, this network infrastructure is also important when we are going to think about public policies. It is no longer possible to dissociate: everything we are going to do today has to do with the digital. There's going to be a platform, there's going to be a digital book, and it's going to be somewhere. It goes to a server somewhere, where is that server, who provides it? How much will it cost? Is it free? But how come it's free? It's not possible that such robust services are being given away for free. We also made a map of services, trying to map communities, associations and companies that offer services. It was also another demand they made for us. "Oh, we don't know where to find it, who are we going to turn to?" There are companies and associations from various places in Brazil in the platform. We are doing a new promotion. Now, there's a side that I've been thinking a lot about. All this free software movement that we had in the late 90s, early 2000s, was very cool and still reverberates today... Somehow, we didn't manage to make it spread out. Make it better known by education, by educational managers, by legislators. Today we worked on the REA project itself, which was from 2011. We did it, managed to do it, it was approved in two committees, but we wanted to do it even more to be able to get more into the aspects of digital rights, which we know that it is the great drama, today, of public administrations.

RUI DA SILVA: Priscila Gonsales, thank you very much for coming to Eduquê.

PRISCILA GONSALES: Thank you, Andressa and Rui for the invitation. Long live the Educate! 

ANDRESSA PELLANDA: Long live REA! 

RUI DA SILVA: The transcript of this episode is available on the website campanha.org.br and, translated into English, on the website freshedpodcast.com. References cited by our guest Priscila can be found on the EducaDigital Institute website (educadigital.org.br).

ANDRESSA PELLANDA: The views expressed by the program are solely those of the host or the guest interviewed, not FreshEd, nor the Brazilian Campaign for the Right to Education, which take no institutional positions.

RUI DA SILVA: If you liked Eduquê, please leave your rating! Give us 5 stars for Eduquê on Apple Podcasts, Google Podcasts, Spotify or your favorite podcast platform. It really helps us a lot.

ANDRESSA PELLANDA: Eduquê is executively produced by Renan Simão and Will Brehm; Mariana Casellato, José Leite Neto, and Rui da Silva are the producers. Eduquê's original music was made by Joseph Minadeo, from PatternBased Music.

RUI DA SILVA: Eduquê is funded by the University College London Institute of Education, NORRAG (Network for International Policies and Cooperation in Education and Training), and fellow listeners.

ANDRESSA PELLANDA: Consider making a donation at FreshEdpodcast.com/donate or at direitoaeducacao.colabore.org. Thanks for listening. This is Andressa Pellanda, general coordinator of the Brazilian Campaign for the Right to Education.

RUI DA SILVA: And this is Rui da Silva, researcher and president from the Board of the Center for African Studies of the University of Porto. We will be back next month. See you!

Outros Episódios
Cláudia Moreira e Cassia Domiciano - Ensino Superior, políticas afirmativas e de cotas
Catarina de Almeida Santos - Militarização escolar no Brasil
Theresa Adrião - Implicações da financeirização da economia na educação
Rodrigues Fazenda - Reformas curriculares e Ensino Superior em Moçambique
Karine Morgan - A Fundação Itaú Social e a produção de conhecimento em educação
Sofia Viseu - Nova lógica de filantropia na governança global da educação
Cassia Domiciano - Continua a ser relevante estudar privatização da educação no Brasil?
Dalila Pinto Coelho - Educação para a cidadania global no Ensino Superior em Portugal
Íris Santos - Como os peritos finlandeses influenciam as políticas educacionais?
Marcelo Mocarzel - As escolas comunitárias como nova categoria na educação brasileira
Katia Imbó - Privatização e colonialidade na educação da Guiné-Bissau
Rosana Fernandes - Educação e política na Escola Nacional Florestan Fernandes
Diógenes Neto - Por que a educação ambiental precisa tratar das desigualdades sociais?
Andréia Martins - Como garantir o direito à educação em situações de emergência
Rui Garrido - A violação dos direitos LGBTIA+ nos países africanos de língua portuguesa
José Pacheco - Como a pedagogia da Escola Aberta contribui para o direito à educação?
Saico Baldé - Educação e religião na Guiné-Bissau
La Salete Coelho - Como pode ser uma educação para a cidadania global?
Tristan McCowan - Que tipos de universidade podemos e queremos ter?
Grácia Lopes Lima - A educomunicação como contribuição para a educação escolar
N'Cak Morgado e Lino Mané - O protagonismo juvenil aliado ao direito à educação
Luiz Rufino - A Pedagogia das Encruzilhadas para descolonizar
Fim da 1ª temporada - O que aprendemos neste ano?
Miguel de Barros - Guiné-Bissau: uma história de luta por autonomia e pela educação
José Augusto Pacheco - Currículo: Como rejeitar a padronização e construir diversidade
Marina Avelar - Na pandemia, como as escolas públicas mantêm a qualidade?
Daniel Cara - Centenário Paulo Freire: “O Patrono”
Luiza Cortesão - Centenário Paulo Freire: “O Andarilho”
Vitor Barbosa - Centenário Paulo Freire: “O Embaixador”
Sérgio Haddad - Centenário Paulo Freire: “O Educador”
Delphine Dorsi: Os Princípios de Abidjan e o direito à educação em escala global
Teise Garcia: O avanço da privatização da educação na América Latina e no Caribe
Isabel da Silva: o direito à educação em contextos extremos em Moçambique
Conheça nossos apresentadores
Por uma partilha de conhecimento em língua portuguesa