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Fechando a série do centenário de Paulo Freire, Daniel Cara, professor da FE/USP e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, conta da tramitação da Lei 12.612, de 2012, que tornou Freire o patrono da educação brasileira. Também fala por que a percepção sobre a pedagogia freireana se tornou tão controversa desde então - especialmente em meio ao governo ultrarreacionário de Bolsonaro.

Cara também destaca como a crítica neoliberal de Freire se aplica às disputas atuais da política educacional hoje, em especial à função econômica das avaliações de larga escala.

Ele deixa, ao final, cinco ensinamentos de Paulo Freire para sua vida que podem servir de recomendação a educadores e educadoras.

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Eduquê in English:
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RUI DA SILVA: Esse é o Eduquê, podcast em português que promove a partilha de conhecimento qualificado por ativistas e acadêmicos sobre questões atuais da educação. Eu sou Rui da Silva, pesquisador e presidente da direção do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto.

ANDRESSA PELLANDA: E eu sou Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, do Brasil. Hoje fechamos a nossa série sobre o centenário de Paulo Freire com uma figura central da educação brasileira - que também é nosso campanheiro de lutas de longa data.

RUI DA SILVA: Neste quarto episódio da série, vamos conversar com Daniel Cara, educador brasileiro que teve papel fundamental na aprovação da lei que tornou Paulo Freire o patrono da educação brasileira. Além disso, sua atuação política de décadas em prol do direito à educação sempre propagou os ensinamentos freireanos.

ANDRESSA PELLANDA: Daniel Cara é professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

RUI DA SILVA: Daniel Cara, seja bem-vindo ao Eduquê.

DANIEL CARA: Obrigado, Rui, é um prazer estar aqui com vocês. É um prazer colaborar mais uma vez com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

RUI DA SILVA: Durante estes episódios nesta série de Paulo Freire, tivemos várias perspetivas. Neste episódio contigo, sendo o último episódio da série, queríamos focar nas questões relacionadas com Paulo Freire enquanto patrono da educação brasileira. Paulo Freire tornou se patrono da educação brasileira por meio da Lei 12.612, de 2012. Como foi a aprovação desta Lei e o que significou na época esta aprovação?

DANIEL CARA: A aprovação da lei foi razoavelmente tranquila. Naquele momento, em 2012, o Paulo Freire não tinha se tornado ainda um alvo do que a gente hoje chama de tradicionalismo, que é esse esse grupo que no Brasil, articulado pelo Olavo de Carvalho ou pela família Bolsonaro, e por setores ultraconservadores e ultrarreacionários das igrejas neopentecostais e da Igreja Católica, mas que no mundo tem caras mais conhecidas, até para outras pessoas de outros países, como Donald Trump ou o Modi, na Índia... Ou então Erdogan. Na realidade, Paulo Freire, na prática, era reconhecido como é de fato o maior educador do país, que ele é. E a aprovação da lei foi tranquila. Mais difícil foi a sanção da lei porque a presidenta Dilma Rousseff só não sancionou duas leis com cerimônia, com atividade pública, ou seja, com comemoração por aquela sanção: a do Paulo Freire como patrono da educação brasileira, e depois a Lei do Plano Nacional de Educação. Por que a Dilma não faz cerimônia de sanção? Infelizmente, a Dilma era muito mal-assessorada na área de educação. Setores do governo dela consideravam que o Anísio Teixeira deveria ter sido laureado também como patrono da educação brasileira.

DANIEL CARA: Então, perceba, não era para tirar o Paulo Freire, a questão concreta era também incluir o Anísio Teixeira, algo que o Paulo Freire aceitaria de coração aberto. Só que a presidenta Dilma não tinha força no Congresso Nacional para fazer valer essa posição. Então, o resultado concreto é que o Paulo Freire foi laureado o patrono da educação brasileira e a cerimônia de comemoração foi uma cerimônia dentro do Congresso Nacional, na Câmara dos Deputados, liderada pela deputada Luiza Erundina que foi prefeita de São Paulo e teve Paulo Freire como secretário municipal de Educação, e eu tive a oportunidade de estar nessa nessa atividade. Mas o fato concreto é que foi uma cerimônia belíssima, com toda a família do Paulo Freire, com os amigos, com os colegas, mas que não teve o reconhecimento do Palácio do Planalto, da presidenta Dilma, enquanto ela foi presidente nos anais do Palácio do Planalto. Já no segundo mandato, quando ela reviu algumas posturas dela, ela faz reconhecimentos em discursos ao Paulo Freire. Então ela depois se redimiu, mas naquele momento ela falhou nesse sentido.

ANDRESSA PELLANDA: Daniel, é passado um tempo, quase 10 anos, dessa lei. E nós comemoramos o centenário Paulo Freire, que acontece agora em setembro - justamente durante um governo que é ultrarreacionário e que se sente ameaçado pela pedagogia freireana. O que representa Paulo Freire ser e permanecer ser patrono da educação brasileira no governo Bolsonaro apesar dos ataques que ele vem sofrendo?

DANIEL CARA: Primeiro, durante o governo Temer, o Bolsonaro mesmo tentou tirar do Paulo Freire o título de patrono da educação brasileira e eu, junto com a Luiza Erundina e a Anita Freire, viúva do Paulo Freire, organizamos o Coletivo Paulo Freire - Por Uma Educação Democrática e conseguimos, antes de entrar em votação no Senado... Porque, quem entende de Congresso Nacional, sabe que um tema, quando é absurdo, ele tem que ser derrotado antes de virar um processo de tramitação mais amplo. E aí nós conseguimos, junto com a hoje governadora, na época senadora, Fátima Bezerra, dar um drible no Eunício Oliveira - e foi uma história engraçadíssimo. Porque a gente abriu a sessão da comissão e não fechou a sessão da comissão. Então no dia que nós abrimos a sessão da comissão, nós perderíamos porque a iniciativa de tirar do Paulo Freire, o título de patrono, foi uma iniciativa do Bolsonaro, mas via sistema do Senado Federal conseguiram 20 mil assinaturas e aí entrou para tramitação na Comissão de Legislação Participativa. Nós abrimos a sessão da Comissão de Legislação Participativa. Nós perderíamos naquele momento. E aí a gente deixou aberta. Os senadores do governo, na época, do governo Temer, não perceberam. Os senadores bolsonaristas - porque já tinham senadores bolsonaristas ali, já tinha um número de senadores bolsonaristas...

DANIEL CARA: Eles também não perceberam. E aí, no dia seguinte, quando a gente já tinha conseguido compor maioria, a gente nem reabriu a sessão. A gente deu continuidade à sessão. E aí venceu por unanimidade. Com a senadora Marta Suplicy, por uma questão de ego, tentando atrapalhar um pouco ali na hora porque ela queria estender a discussão, e se estendesse a discussão teria chance de perder. E aí resolveu. Paulo Freire se mantém patrono. E o dado mais importante é que quando a gente faz a carta de mobilização do Coletivo Paulo Freire antes de acontecer esse episódio no Senado. É o que determina o resultado da matéria. É a nossa vitória. A gente lança um manifesto que é assinado pelos Chomsky, assinado pelo Boaventura Sousa Santos e assinado pelo Paulo Carneiro, até pessoas que pensam diferente de nós na área de educação... Pelo Hanushek, que pensa o oposto de Paulo Freire... Mas o mundo todo se mobilizou, várias universidades do mundo todo, simplesmente pelo fato de que era inaceitável o Brasil negar o seu maior educador, que junto com o John Dewey, ele divide o posto dos dois maiores educadores do século 20. Na primeira metade do século 20 é o Dewey. E sem dúvida nenhuma na segunda metade do século 20 é o Paulo Freire, e o Brasil deveria se orgulhar demais dele ser patrono. E o fato do Paulo Freire se manter como patrono... O Bolsonaro mesmo já tentou colocar o padre José Anchieta nessa posição. E o fato do Paulo Freire se manter como patrono nesse momento é extremamente estratégico porque é uma manutenção do pensamento pedagógico, da ciência pedagógica, e da ideia de que a pedagogia tem que ser feita para todos e que cada pessoa, cada um e cada uma, que tenha a possibilidade de aprender a dizer a sua palavra, que é a síntese da Pedagogia do Oprimido. O objetivo da Pedagogia do Oprimido é que as pessoas possam e tenham o direito de poder falar sua palavra, a partir da sua leitura de mundo, a partir do seu pensamento que tem que ser formulado de maneira crítica. Então, é uma conquista importante. E posso garantir para vocês se o Bolsonaro tentar substituir o patronato, ou tentar reaver o patronato, tirando Paulo Freire o patronato, a gente ganha com praticamente unanimidade - fora os bolsonaristas mais radicais, mais sectários - usando os termos do Paulo Freire... Porque para o Paulo Freire ser radical é bom, ser sectário é que é ruim. Certamente a gente venceria essa batalha.

RUI DA SILVA: Falaste agora da Pedagogia do Oprimido… Daniel, você viajou por muitos cantos do país, por muitos anos, conversou inúmeras vezes com educadoras e educadores sobre Paulo Freire. Como você vê o uso dos livros e da vida de Freire pelas professoras e professores brasileiros, na universidade e no chão da escola?

DANIEL CARA: Essa é a grande contradição: é muito baixo, muito pequeno. Daria para dizer até que é marginal a utilização do Paulo Freire, especialmente nas escolas de educação básica. O Brasil é um país curioso porque da mesma maneira que nega o Paulo Freire, nega também o Milton Santos na área de geografia, nega o Florestan Fernandes para o pensamento social como um todo. Nega a Lélia Gonzales, olha só que absurdo, e Lélia Gonzales, ela é considerada por todas as grandes lideranças feministas do movimento negro, em especial pela Angela Davis, uma papisa, uma referência, para todas elas... E no Brasil ela não é lida. O Brasil nega o trabalho extremamente importante de crítica literária de Antonio Candido... Então, na prática, Paulo Freire é muito criticado. Muitas vezes ele é muito defendido, mas por pessoas que nunca leram a obra do Paulo Freire. Defendem por intuição e por compor um determinado grupo de pessoas. Outras criticam Paulo Freire por puro ressentimento, sem nunca ter lido um livro. Eu lembro de um debate que eu tive na Câmara dos Deputados em defesa da educação democrática e contra o Escola sem Partido - que é um projeto de lei que busca cercear a fala dos professores aqui no Brasil - e o Eduardo Bolsonaro, filho do Jair Bolsonaro, disse que não leu, nunca leria, e odeia o Paulo Freire. Meses depois, em Salvador, na Câmara dos Vereadores, ele foi para um debate comigo e ele começou a criticar a obra do Paulo Freire. "Olha, você está criticando sem ler, você não entendeu o que está escrito." Ele estava tentando dizer que o Paulo Freire era confuso... E aí ele reconheceu que nunca tinha lido.

DANIEL CARA: Ele nunca leu de fato. Então, o problema concreto é que uma pedagogia viva, uma pedagogia que se pauta numa horizontalidade, numa relação não hierárquica entre estudante/educando e educador/professor. Para colocar os termos mais corretos: entre estudante e professora, porque a esmagadora maioria na área da educação é a presença feminina. O fato é que na prática os pressupostos metodológicos da própria metodologia do Paulo Freire não são implementados nas escolas e muito menos nas universidades. Eu falo que é mais importante reiterar a questão da educação básica, porque o Paulo Freire tem uma preocupação mais central na educação de jovens e adultos e também uma preocupação estrutural em relação à educação básica porque foi secretário, especialmente com o ensino fundamental. Foi secretário municipal de Educação de São Paulo. Mas o fato concreto é que ele não é muito criticado, ele é muito falado. Ele é muito elogiado, mas pouco lido, e a gente tem esse desafio de aprender a ler a obra do Paulo Freire. Fazer o uso real da obra do Paulo Freire e isso ainda está muito distante de acontecer no Brasil. Eu procuro, na medida do possível, sempre chamar a atenção dos meus alunos dessa questão e tenho uma atitude freireana nas minhas aulas na Universidade de São Paulo. Mas, fora alguns cursos das faculdades de Educação pelo Brasil afora, na realidade, Pedagogia do Oprimido não é utilizado, nem Pedagogia da Esperança nem Pedagogia da Autonomia... Enfim, todos os livros mais importantes do Paulo Freire não são utilizados no dia a dia das nossas escolas e das nossas universidades.

ANDRESSA PELLANDA: Daniel, além de professor como você estava falando agora, da sua prática educativa, você também é um educador no lato sensu, no sentido mais amplo, de ter também levado essa ideia da pedagogia freireana para o seu histórico vasto de atuação na garantia dos direitos humanos e da justiça social, e do direito à educação. E muito disso nessa sua história de atuação política se dá também pela defesa de um financiamento adequado e dentro da economia da educação, que também é a área de ensino na Universidade de São Paulo. Como que o legado freireano pode se aplicar a uma crítica da perspectiva neoliberal da educação hoje?

DANIEL CARA: Intuitivamente, há a questão mais objetiva e correta para fazer essa crítica ao conceito de educação bancária. Paulo Freire, como grandes autores de outros, em outro momento da produção científica... Ele é um autor de leitura muito fluida e muitas vezes você não consegue determinar o que é uma ideia original do Paulo Freire, dele, ou algo que o Paulo Freire bebeu em outros autores. O conceito de educação bancária é claramente o Paulo Freire. Ele obtém a partir da leitura que ele faz das obras do Rousseau, em relação à educação. E no Rousseau esse conceito é o conceito da tabula rasa. Mas o Paulo Freire é mais feliz na formulação do conceito porque, com educação bancária, ele formula, melhor dizendo, um conceito mais intuitivo em que a ideia da educação bancária é simplesmente você tratar o estudante não como um ser vivo, não como uma pessoa com uma história própria, não uma pessoa com uma trajetória com experiência e com saberes. Você destitui toda a individualidade e toda a história da pessoa e trata o estudante como uma conta bancária em que você deposita os conteúdos e você deposita os conteúdos sem que o estudante... Ele simplesmente é um receptáculo de conteúdo de matemática, ciências e língua portuguesa: a lógica da educação bancária. Ela facilita um processo de quantificação. A pergunta que fica em relação à política de educação - que é totalmente orientada hoje pelas avaliações de larga escala, pelas grandes provas ou por indicadores decorrentes das provas, como o Índice de Educação Básica de Desenvolvimento da Educação Básica do Brasil, o Ideb...

DANIEL CARA: A questão concreta é que a educação bancária facilita um processo de quantificação, que resulta numa pergunta: a gente mensura a educação pela própria mensuração ou a gente mensura aquilo que de fato a gente valoriza, que é um aprendizado pleno, a formação plena de homens e mulheres, aquilo que está estabelecido no artigo 205 da Constituição Federal de 1988... Que é a formação plena, que significa na prática três objetivos, uma tripla missão: que é o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. O que eu estou querendo dizer com isso tudo é que a educação bancária facilita uma lógica de avaliação de larga escala. É você tentar descobrir o quanto que o aluno supostamente aprendeu em matemática, língua portuguesa e ciências. Só que na prática ele aprendeu muito pouco. O que ele está de fato expressando na prova é o desempenho dele na prova, que é o que importa para o neoliberalismo, e o liberalismo não quer o aprendizado pleno, porque o aprendizado pleno não tem como mensurar. Não tem como mensurar, por exemplo, até o momento em que a pessoa exerce a profissão, não tem como mensurar o quanto que um médico é responsável e ético. Só que na pandemia isso fica revelado. Em uma pandemia, no caso brasileiro, você tem os professores. Professores inclusive de universidades... Têm médicos formados por universidades públicas de qualidade que vão defender o tratamento precoce para Covid-19 sabendo que não funciona. Então, a pessoa vai bem em matemática, vai bem a língua portuguesa, vai bem em ciências, consegue concluir medicina, que é um curso dificílimo, tanto para entrar como para concluir... E chega na hora de exercer a profissão e receita cloroquina. Nas quantificações da educação bancária e da perspectiva neoliberal da educação, esse médico é um herói. Ele é uma pessoa totalmente bem-sucedida como cidadão. Esse médico não merece o diploma de medicina. Ao contrário, inclusive ele coloca em risco a vida de outros cidadãos. Então, ele sequer é uma pessoa que tem o mínimo que é a solidariedade e o respeito ao outro, que é a alteridade, que é a empatia. Então a educação bancária... Ela é o oposto da educação freireana. Educação livre, libertadora e emancipadora era o objetivo do Paulo Freire. O Paulo Freire fala em educação problematizadora, livre, uma educação libertária. A educação bancária jamais vai alcançar isso e essa educação que é promovida pelo neoliberalismo. E, veja bem, é promovida pelo neoliberalismo porque ela é congruente com o neoliberalismo. A educação bancária, aquilo que o neoliberalismo valoriza, é um indivíduo que tem as condições de competir no mundo do trabalho, competir dentro da sociedade, mas que tem muito pouca preocupação solidária. Bourdieu, Foucault, nos seus trabalhos sobre neoliberalismo que ressaltavam essa questão, aliás, é uma convergência dos dois... O neoliberalismo traz uma racionalidade competitiva. Na educação bancária, as pessoas competem para ver o quanto de conteúdo foi depositado nelas próprias e não aquilo que de fato elas conseguem depreender de um raciocínio crítico capaz de transformar a sociedade, de fazer com que sejam cidadãos plenos. O médico que receita cloroquina não é um cidadão pleno.

RUI DA SILVA: E continuando na Pedagogia do Oprimido... Recentemente dissestes que um dos maiores ensinamentos da Pedagogia do Oprimido é possibilitar ao estudante aprender a dizer a sua palavra, que esta é a maior lição deste livro de Paulo Freire. Qual é para ti como educador, a maior lição de Paulo Freire para a profissão e para a tua vida?

DANIEL CARA: Olha, eu vou por um caminho que não é um caminho tradicional, porque entre os freireanos existem coincidências e até repetições de experiências que normalmente são muito reiteradas. Mas eu vejo que o maior exemplo do Paulo Freire foi demonstrado quando ele foi secretário municipal de Educação de São Paulo, porque ele fez uma gestão coerente com a vida dele. E existe um valor que considero fundamental, que é o valor da coerência na questão pública. E o Paulo Freire não teve uma teoria diferente da prática dele. Ele foi uma pessoa una e indivisível. Isso não significa que ele não reviu posições. A Pedagogia da Esperança é uma revisão, por exemplo, da Pedagogia do Oprimido. Não nega nada. Pedagogia do Oprimido, mas traz novos elementos que a Pedagogia do Oprimido não cumpriu. Até porque o contexto histórico, social era outro. Então eu quero aqui dizer que para mim a maior surpresa foi estudar a gestão do Paulo Freire como secretário municipal de educação... Por ser muito próximo da Luíza Erundina e ficar impressionado com o fato de que ele foi uma pessoa coerente. É muito difícil ser coerente na gestão pública. E ele não abdicou de nada da coerência dele e da obra dele, da forma de pensar, então o valor do Paulo Freire não está só na teoria, está também na prática.

DANIEL CARA: Eu vou dar um exemplo para vocês. Uma educadora do MOVA contou pra mim que a grande diferença do Paulo Freire ter sido secretário municipal de Educação é que ele desenvolve um movimento de alfabetização de adultos, o MOVA da cidade de São Paulo, com educadores populares. E sofreu muito ataque por parte de sindicatos que queriam que fosse com os sindicatos, e queria que fosse na escola. E o Paulo Freire respondia, e depois comprovou, que esse era o caminho correto - até ela mesmo, como educadora social - que tinha que ser o MOVA que tinha que estar próximo dos adultos, próximo dos idosos, porque tinha que ser nos bairros, tinha que ser nas igrejas, tinha que ser nas associações comunitárias... Porque o aluno que não se alfabetizou, o estudante, o cidadão que não se alfabetizou tem medo da instituição escolar e tem vergonha de estar na instituição escolar, ele não consegue dar os primeiros passos em termos de alfabetização com o professor - que muitas vezes ignora a situação desse aluno, que não tem relação com esse aluno. Então, era preciso criar uma relação de confiança. Paulo Freire mesmo enfrentando dentro de um governo do Partido dos Trabalhadores, hoje a Luiza Erundina é a principal liderança do Partido Socialismo e Liberdade, já há muitos anos não é do Partido dos Trabalhadores, mas o Paulo Freire percebeu que mesmo diante de um governo fortemente sindicalizado... E está errado, está errado pensar que isso é um problema.

DANIEL CARA: O fato de ter sindicato nos governos é tão natural quanto tem empresa nos governos, empresários. Aliás, no caso da história do Brasil é exceção. Normalmente, a fala dos trabalhadores é negada. Então Paulo Freire vê a qualidade dos sindicatos, como eu vejo também, ele via como uma parte natural da democracia, porém - e esse é o ponto mais importante - a escola formal e o educador formal não seria capaz de fazer processos de alfabetização de adultos. Isso para mim é muito, muito forte porque a última experiência da minha mãe como educadora... Ela teve vínculo com o MOVA numa instituição chamada CEPODE... E a minha mãe não só alfabetizou como praticamente todos os estudantes dela, idosos, ingressaram na universidade - algo que ela não fez. Ela não alcançou a universidade, mas o vínculo que ela estabelece... Assim eu pude ver a lógica do Paulo Freire na minha casa porque ela dava aula num espaço lá da casa em Pirituba e a coisa funciona. Porque existe uma relação entre professor e aluno, uma relação entre educador e educando. Para mim, o que mais me impressiona no Paulo Freire é essa capacidade de ser coerente.

ANDRESSA PELLANDA: Daniel, já encaminhando para o final da nossa conversa, que está ótima, mas infelizmente a gente tem um limite de tempo... Mas a gente ainda tem tempo para essa última pergunta. A gente gostaria de saber que tipo de recomendação você daria para as educadoras, para os educadores. Os que estão escutando a gente e pretendem colocar em prática esses ensinamentos freireanos que a gente destacou aqui nos nossos podcasts do centenário Paulo Freire, que você destacou aqui na nossa conversa... Que você leva para sua vida e também para aqueles ativistas, claro, da educação, os militantes que estão aí no dia a dia, transformando a realidade da nossa educação por meio também das políticas educacionais.

DANIEL CARA: O Paulo Freire dava cinco ensinamentos que servem para o professor, serve para o educador, serve para a educadora, serve para o militante e serve para a ativista, serve para todo mundo. Em primeiro lugar, ele diz que o ato de educar é um ato que tem que ter amor. Amor não é no sentido do amor romântico. É no sentido do respeito de ter a capacidade de ter empatia pelo outro. A segunda atitude é a humildade. A humildade no sentido de que ninguém sabe mais do que o outro. As pessoas têm saberes diferentes. A terceira atitude é fundamental: ter fé. Não no aspecto religioso, mas a fé no sentido da esperança, em relação ao processo de aprendizado. E o processo de aprendizado tem que ser de via dupla. O quarto elemento, eu vou utilizar em outras palavras, mas é ter a coragem de ser radical. Paulo Freire diferencia a radicalidade de sectarismo. Radical, por Paulo Freire e aquele que a partir da sua leitura de mundo a partir da sua palavra, tem a coragem de debater com o outro. O sectário é aquele que não debate. O sectário é aquele que já tem uma visão pronta de mundo que considera aquela visão superior. E por último, e esse é o elemento mais difícil na minha opinião em relação à política educacional em geral: o pensamento crítico. Pensamento crítico não é opinião. Não é você ficar limitado à sua opinião. O pensamento crítico tampouco significa só fazer crítica. Pensamento crítico significa ter a compreensão de que existem diferentes visões, existem diferentes possibilidades, mas principalmente existem injustiças no mundo e que essas injustiças têm que ser reparadas. Então esses cinco elementos eu considero que são os elementos essenciais da visão do Paulo Freire, do que ele traz como referência: amor, humildade, fé, radicalidade - que é tratada como oposto ao sectarismo - e pensamento crítico. Se a gente conseguir alcançar tudo isso que o Paulo Freire alcançou... Para a gente é mais difícil, né. Mas se a gente conseguir alcançar tudo isso, certamente, a gente constrói um outro mundo. Um mundo que seja próspero, justo e sustentável. Então esse é o caminho que a gente tem que trilhar.

RUI DA SILVA: E depois destas dicas de como trilhar um caminho, não é, destes cinco princípios... Queremos agradecer a tua presença e esperamos contar num futuro próximo novamente com a tua participação. Daniel Cara, muito obrigado por ter vindo ao Eduquê.

DANIEL CARA: Obrigado, Rui, é um prazer estar aqui com você. É um prazer estar com a Andressa e mandar um abraço para todos os ouvintes que acompanham o Eduquê.

ANDRESSA PELLANDA: E podemos dizer que fechamos com chave de ouro essa série sobre Paulo Freire. A gente falou do Paulo Freire: O Educador, O Andarilho, O Embaixador e O Patrono. E agora fechando, justamente, conhecemos O Patrono, com o Daniel. A gente conseguiu olhar sobre várias óticas quem foi Paulo Freire, por que ele é tão relevante para a nossa educação brasileira, para a educação do mundo... E a gente espera que a série tenha colaborado com mais conhecimento em relação a Paulo Freire para todo mundo que está aqui. Mas considerando a tese do próprio Paulo Freire de que somos seres inacabados, porque cada qual precisa também preencher as lacunas e levar adiante essas discussões, a gente nunca consegue esgotar. Então fica aí o convite para você continuar o aprofundamento em leituras, em vídeos e em conhecimento sobre Paulo Freire, e levá-lo para sua prática. Era isso que a gente tinha para falar hoje. Muito obrigada.

RUI DA SILVA: A transcrição desse episódio está disponível no site campanha.org.br e, traduzida para o inglês, no site freshedpodcast.com. 

ANDRESSA PELLANDA: As opiniões expressas pelo programa correspondem apenas às dos apresentadores e entrevistados – e não necessariamente representam posições institucionais de FreshEd e Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

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ANDRESSA PELLANDA: O Eduquê tem produção executiva de Renan Simão e Will Brehm. Mariana Casellato, José Leite Neto e Rui da Silva são produtores. A música original do Eduquê é de Joseph Minadeo, do Patternbased Music.

RUI DA SILVA: O Eduquê é financiado pelo Instituto de Educação da University College London, pela NORRAG - que é a Rede de Políticas Internacionais e Cooperação em Educação e Treinamento, e por ouvintes como você. 

ANDRESSA PELLANDA: Faça a sua colaboração em freshedpodcast.com/donate ou em direitoaeducacao.colabore.org. Obrigada pela atenção. Aqui quem fala é Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, do Brasil.

RUI DA SILVA: E Rui da Silva, pesquisador e presidente da Direção do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, de Portugal. Estaremos de volta no mês que vem. Até lá!

RUI DA SILVA: This is Eduquê, a podcast in Portuguese that promotes the sharing of qualified knowledge by activists and academics on current issues in education. I am Rui da Silva, researcher and director of the board of the Center for African Studies of the University of Porto.

ANDRESSA PELLANDA: And I'm Andressa Pellanda, general coordinator of the Brazilian National Campaign for the Right to Education. Today we close our series on Paulo Freire's centennial with a central figure in Brazilian education - who is also our long-time campaigner.

RUI DA SILVA: In this fourth and final episode of the series, we will talk to Daniel Cara, a Brazilian educator who played a fundamental role in the approval of the law that made Paulo Freire the patron of Brazilian education. In addition, his decades-long political activity in favor of the right to education has always propagated Freirean teachings.

ANDRESSA PELLANDA: Daniel Cara is a professor at the University of São Paulo's School of Education and one of the leaders of the Brazilian Campaign for the Right to Education.

RUI DA SILVA: Daniel Cara, welcome to Eduquê.

DANIEL CARA: Thank you, Rui, it's a pleasure to be here with you. It is a pleasure to collaborate once again with the Brazilian Campaign for the Right to Education.

RUI DA SILVA: During these episodes in this Paulo Freire series, we have had several perspectives. In this episode with you, being the last episode of the series, we wanted to focus on the issues related to Paulo Freire as the patron of Brazilian education. Paulo Freire became the patron of Brazilian education through Law 12.612, of 2012. How was the approval of this Law and what did this approval mean at the time?

DANIEL CARA: The approval of the law was reasonably smooth. At that time, in 2012, Paulo Freire had not yet become a target of what we now call traditionalism, which is this group in Brazil, articulated by Olavo de Carvalho or the Bolsonaro family, and by ultra-conservative and ultra-reactionary sectors of the neo-Pentecostal churches and the Catholic Church, but which in the world has better-known faces, even to other people in other countries, like Donald Trump or Modi in India... Or Erdogan. In reality, Paulo Freire, in practice, was recognized as he is in fact the greatest educator in the country, which he is. And the approval of the law was smooth. The sanction of the law was more difficult because the then-president Dilma Rousseff only did not sanction two laws with ceremony, with public activity, that is, with celebration for that sanction: that of Paulo Freire as the patron of Brazilian education, and then the National Education Plan Law. Why doesn't Dilma hold a sanctioning ceremony? Unfortunately, Dilma was very ill-advised in the area of education. Sectors of her government considered that Anísio Teixeira should also have been laureated as the patron of Brazilian education.

DANIEL CARA: So, you see, it wasn't to take Paulo Freire out, the real issue was to also include Anísio Teixeira, something that Paulo Freire would have accepted with an open heart. Only that President Dilma did not have the strength in the National Congress to enforce this position. So, the concrete result is that Paulo Freire was honored as the patron saint of Brazilian education, and the commemoration ceremony was a ceremony inside the National Congress, in the House of Representatives, led by Representative Luiza Erundina, who was mayor of São Paulo and had Paulo Freire as Municipal Secretary of Education, and I had the opportunity to be in this activity. But the concrete fact is that it was a very beautiful ceremony, with all Paulo Freire's family, friends, and colleagues, but it did not have the recognition of the Planalto Palace, of the president Dilma, while she was president in the annals of the Planalto Palace. In the second mandate, when she reviewed some of her postures, she acknowledged Paulo Freire in speeches. So she later redeemed herself, but at that moment she failed in this sense.

ANDRESSA PELLANDA: Daniel, it's been a while, almost 10 years, since that law was passed. And we celebrate the Paulo Freire centennial, which happens now in September - precisely during a government that is ultra-reactionary and feels threatened by Freirean pedagogy. What does Paulo Freire represent to be and remain a patron of Brazilian education in the Bolsonaro government despite the attacks he has been suffering?

DANIEL CARA: First, during the Temer government, Bolsonaro himself tried to remove Paulo Freire's title of the patron of Brazilian education and I, together with Luiza Erundina and Anita Freire, Paulo Freire's widow, organized the Paulo Freire Collective - For a Democratic Education and we succeeded, before the vote in the Senate... Because those who understand the National Congress know that when an issue is absurd it has to be defeated before it becomes part of a broader process. And then we managed, together with the governor, Fátima Bezerra, at the time a senator, to get around Eunício Oliveira - and it was a very funny story. Because we opened the commission session and did not close the session. On the day we opened the session, we would lose because the initiative to take away Paulo Freire's title of patron was an initiative of Bolsonaro, but via the Federal Senate system, they got 20 thousand signatures, and then it was processed in the Commission of Participatory Legislation. We opened the session of the Participatory Legislation Commission. We would lose at that moment. And then we left it open. The government senators, at the time, of the Temer government, didn't understand. The Bolsonarist senators - because they already had Bolsonarist senators there, they already had a number of Bolsonarist senators...

DANIEL CARA: They didn't realize it either. And then, the next day, when we had already managed to form a majority, we didn't even reopen the session. We continued the session. And then it won by unanimity. With Senator Marta Suplicy, for an ego issue, trying to disturb us a little, because she wanted to extend the discussion, and if she extended the discussion she would have a chance to lose. And then she solved it. Paulo Freire remains the patron. And the most important fact is that when we wrote the mobilization letter of the Paulo Freire Collective before this episode in the Senate. It is what determines the outcome of the matter. It is our victory. We launch a manifesto that is signed by Chomsky, signed by Boaventura Sousa Santos, and signed by Paulo Carneiro, even people who think differently from us in the area of education. By Hanushek, who thinks the opposite of Paulo Freire. But the whole world mobilized, several universities around the world, simply because it was unacceptable for Brazil to deny its greatest educator, who, together with John Dewey, shares the position of the two greatest educators of the 20th century. In the first half of the 20th century, it is Dewey. And without any doubt in the second half of the 20th century, it is Paulo Freire. And Brazil should be very proud of him as a patron. And the fact that Paulo Freire remains a patron. Bolsonaro himself has already tried to put Father José Anchieta in that position. And the fact that Paulo Freire remains as a patron at this moment is extremely strategic because it is the maintenance of pedagogical thought, of pedagogical science, and of the idea that pedagogy has to be done for everyone and that each person, each and everyone, has the possibility of learning to say his word, which is the synthesis of the Pedagogy of the Oppressed. The goal of the Pedagogy of the Oppressed is that people can and have the right to be able to speak their word, based on their reading of the world, based on their thought, which has to be formulated in a critical way. So, it is an important conquest. And I can guarantee you that if Bolsonaro tries to replace the patronage, or tries to take back the patronage, by taking away Paulo Freire's patronage, we will win practically unanimously - except for the most radical, most sectarian Bolsonarists - using Paulo Freire's terms... Because for Paulo Freire, being radical is good, being sectarian is bad. We would certainly win this battle.

RUI DA SILVA: You spoke now about the Pedagogy of the Oppressed... Daniel, you have traveled to many corners of the country, for many years, talked countless times with educators about Paulo Freire. How do you see the use of Freire's books and life by Brazilian teachers, at the university and on the school ground?

DANIEL CARA: This is the great contradiction: it is too low, too small. One could even say that the use of Paulo Freire is marginal, especially in basic education schools. Brazil is a curious country because the same way it denies Paulo Freire, it also denies Milton Santos in the area of geography, it denies Florestan Fernandes for social thought as a whole. It denies Lélia Gonzales, look at how absurd it is, and Lélia Gonzales, she is considered by all the great feminist leaders of the black movement, especially by Angela Davis, a pope, a reference, for all of them? And in Brazil, she is not read. Brazil denies the extremely important work of literary criticism by Antonio Candido... So, in practice, Paulo Freire is criticized a lot. Many times he is defended, but by people who have never read Paulo Freire's work. They defend by intuition and by belonging to a certain group of people. Others criticize Paulo Freire out of pure resentment, without ever having read a book. I remember a debate I had in the Chamber of Deputies in defense of democratic education and against the School without Party - which is a bill that seeks to curtail the speech of teachers here in Brazil - and Eduardo Bolsonaro, Jair Bolsonaro's son, said that he has not read, would never read, and hates Paulo Freire. Months later, in Salvador, in the City Council Chamber, he went to a debate with me and he started criticizing Paulo Freire's work. "Look, you are criticizing without reading, you don't understand what is written." He was trying to say that Paulo Freire was confusing... And then he acknowledged that he had never read.

DANIEL CARA: He never really read. So, the real problem is that a living pedagogy, a pedagogy that is based on horizontality, on a non-hierarchical relationship between student/learner and educator/teacher. To put it in the most correct terms: between student and teacher, because the overwhelming majority in the field of education is female. The fact is that in practice the methodological assumptions of Paulo Freire's own methodology are not implemented in schools and much less in universities. I say that it is more important to reiterate the issue of basic education, because Paulo Freire has a more central concern in youth and adult education and also a structural concern in relation to basic education because he was secretary, especially with primary education. He was the Municipal Secretary of Education in São Paulo. But the concrete fact is that he is not much criticized, he is much talked about. He is praised a lot, but read little, and we have this challenge to learn how to read Paulo Freire's work. We have this challenge to learn how to read Paulo Freire's work, to make real use of it, and this is still far from happening in Brazil. I try, as much as possible, to always call my students' attention to this issue and I have a Freirean attitude in my classes at the University of São Paulo. But, apart from some courses in the faculties of education throughout Brazil, in reality, Pedagogy of the Oppressed is not used, neither is Pedagogy of Hope or Pedagogy of Autonomy... Finally, all of Paulo Freire's most important books are not used in the daily life of our schools and universities.

ANDRESSA PELLANDA: Daniel, besides being a teacher, as you were saying, in your educational practice, you are also an educator in the broadest sense of the word, of having also taken this idea of Freirean pedagogy to your vast history of work in guaranteeing human rights and social justice, and the right to education. And much of this in his history of political action is also due to the defense of adequate financing and within the economy of education, which is also the area of teaching at the University of São Paulo. How can the Freirean legacy be applied to a critique of the neoliberal perspective of education today?

DANIEL CARA: Intuitively, there is the most objective and correct question to make this criticism of the concept of banking education. Paulo Freire, like great authors of others, in another moment of scientific production... He is a very fluid author, and many times you can't determine what is an original idea of Paulo Freire, his, or something that Paulo Freire drank from other authors. The concept of banking education is clearly Paulo Freire's. He gets it from his reading of Rousseau's works, in relation to education. And in Rousseau, this concept is the concept of the tabula rasa. But Paulo Freire is happier in his formulation of the concept because, with banking education, he formulates a more intuitive concept in which the idea of banking education is simply that you treat the student not as a living being, not as a person with his own history, not as a person with a trajectory with experience and knowledge. You strip away all the individuality and all the history of the person and you treat the student like a bank account into which you deposit the contents, and you deposit the contents without the student. He is simply a receptacle of mathematics, science and Portuguese language content: the logic of banking education. It facilitates a process of quantification. The question that remains in relation to education policy - which is totally oriented today by large-scale evaluations, by the big tests, or by indicators resulting from the tests, such as the Brazilian Basic Education Development Index, Ideb...

DANIEL CARA: The concrete issue is that banking education facilitates a process of quantification, which results in a question: do we measure education for its own measurement or do we measure what we actually value, which is a full learning, the full formation of men and women, what is established in Article 205 of the 1988 Federal Constitution... That is a fulsome education, which means in practice three objectives, a triple mission: the fulsome development of the person, his or her preparation for the exercise of citizenship, and his or her qualification for work. What I am trying to say with all this is that banking education facilitates a logic of large-scale assessments. You try to find out how much the student supposedly learned in math, Portuguese and science. But in fact, he has learned very little. What he is in fact expressing on the test is his performance on the test, which is what matters for neoliberalism, and liberalism does not want fulsome learning, because fulsome learning cannot be measured. There is no way to measure, for example, until the moment a person practices the profession, there is no way to measure how responsible and ethical a doctor is. But in a pandemic, this is revealed. In a pandemic, in the Brazilian case, you have the professors. Even university professors... You have doctors trained by quality public universities that will defend the early treatment for Covid-19 knowing that it doesn't work. So, the person does well in mathematics, does well in Portuguese, does well in science, manages to finish medical school, which is a very difficult course, both to enter and to finish... And when the time comes to practice the profession, he gets a prescription for chloroquine. In the quantifications of banking education and the neoliberal perspective of education, this doctor is a hero. He is a totally successful person as a citizen. This doctor does not deserve a medical degree. On the contrary, he even endangers the lives of other citizens. So, he is not even a person who has the minimum, which is solidarity and respect for the other, which is otherness, which is empathy. So, banking education... It is the opposite of Freirean education. Free, liberating and emancipating education was Paulo Freire's goal. Paulo Freire talks about a problematizing, free education, a liberating education. Banking education will never achieve this. And, you see, it is promoted by neo-liberalism because it is congruent with neo-liberalism. Banking education, which has neoliberalism values, is an individual who is able to compete in the world of work, to compete within society, but who has very little concern for solidarity. Bourdieu, Foucault, in their works on neoliberalism that highlighted this issue, in fact, it is a convergence of the two... Neoliberalism brings competitive rationality. In banking education, people compete to see how much content has been deposited in themselves, and not what they can in fact deduce from critical reasoning capable of transforming society, of making them fulsome citizens. The doctor who prescribes chloroquine is not a fulsome citizen.

RUI DA SILVA: And continuing on the Pedagogy of the Oppressed... Recently you said that one of the greatest lessons of the Pedagogy of the Oppressed is to enable the student to learn to say his word, that this is the greatest lesson of this book by Paulo Freire. What is for you as an educator, the greatest lesson of Paulo Freire for the profession and for your life?

DANIEL CARA: Look, I take a path that is not a traditional path, because among Freireans there are coincidences and even repetitions of experiences that are usually very reiterated. But I see that Paulo Freire's greatest example was demonstrated when he was Municipal Secretary of Education in São Paulo because that was an administration consistent with his life. And there is a value that I consider fundamental, which is the value of coherence in public affairs. And Paulo Freire did not have a theory that was different from his practice. He was a one and indivisible person. This does not mean that he did not revise positions. The Pedagogy of Hope is a revision, for example, of the Pedagogy of the Oppressed. It does not deny anything. Pedagogy of the Oppressed, but it brings new elements that Pedagogy of the Oppressed did not fulfill. Even because the historical, social context was different. So I want to say here that for me the biggest surprise was studying the administration of Paulo Freire as municipal secretary of education... Because I was very close to Luíza Erundina and was impressed by the fact that he was a coherent person. It is very difficult to be coherent in public management. And he didn't give up anything of his coherence and his work, his way of thinking, so Paulo Freire's value is not only in theory but also in practice.

DANIEL CARA: I'll give you an example. An educator from MOVA told me that the great difference between Paulo Freire having been Municipal Secretary of Education is that he developed an adult literacy movement, the MOVA of the city of São Paulo, with popular educators. And he suffered a lot of attacks from the unions, who wanted him to work with the unions and wanted him to work with schools. And Paulo Freire answered, and later proved, that this was the right way - even she herself, as a social educator - that it had to be the MOVA that had to be close to the adults, close to the elderly. Because it had to be in the neighborhoods, it had to be in the churches, it had to be in the community associations Because the student that is not literate, the student, the citizen that is not literate is afraid of the school institution and is ashamed to be in the school institution, he cannot take the first steps in terms of literacy with the teacher - that many times ignores the situation of this student, that has no relationship with this student. So, it was necessary to create a relationship of trust. Paulo Freire even faced within a government of the Workers' Party, today Luiza Erundina is the main leader of the Socialism and Freedom Party, she has not been in the Workers' Party for many years, but Paulo Freire realized that even in the face of a strongly unionized government... And it's wrong, it's wrong to think that that's a problem.

DANIEL CARA: The fact of having unions in governments is as natural as having companies in governments, businessmen. In fact, in the case of the history of Brazil, it is an exception. Normally, the speech of the workers is denied. So Paulo Freire saw the quality of the unions, as I do too, he saw it as a natural part of democracy, but - and this is the most important point - the formal school and the formal educator would not be able to do adult literacy processes. This is very, very strong for me because of my mother's last experience as an educator. She was linked to MOVA in an institution called CEPODE... And my mother not only taught literacy but practically all her students, seniors, went to university - something she didn't do. She didn't reach the university level, but the link that she established... So I could see Paulo Freire's logic in my house because she taught in a space, in her house, in Pirituba, and it works. Because there is a relationship between teacher and student, a relationship between educator and student. For me, what most impresses me about Paulo Freire is this capacity to be coherent.

ANDRESSA PELLANDA: Daniel, I'm coming to the end of our conversation, which is great, but unfortunately we have a time limit... But we still have time for this last question. We would like to know what kind of recommendation you would give to the educators. Those who are listening to us and intend to put into practice these Freirean teachings that we have highlighted here in our podcasts about the Paulo Freire centennial, that you have highlighted here in our conversation? That you bring to your life and also to those activists, of course, in education, the militants that are there on a daily basis, transforming the reality of our education through educational policies as well.

DANIEL CARA: Paulo Freire gave five teachings that are good for the teacher, good for the educator, good for the educator, good for the activist, good for everyone. First, he says that the act of educating is an act that has to have love. Love is not in the sense of romantic love. It is in the sense of respect, of having the ability to empathize with the other. The second attitude is humility. Humility in the sense that nobody knows more than the other. People have different knowledge. The third attitude is fundamental: to have faith. Not in the religious aspect, but faith in the sense of hope, in relation to the learning process. And the learning process has to be a two-way street. The fourth element, I will use other words, is to have the courage to be radical. Paulo Freire differentiates radical from sectarianism. Radical, according to Paulo Freire, is the one who, based on his reading of the world and on his words, has the courage to debate with others. The sectarian is the one who does not debate. The sectarian is the one who already has a ready vision of the world and considers that vision superior. And last, and this is the most difficult element in my opinion regarding educational policy in general: critical thinking. Critical thinking is not opinion. It is not you being limited to your opinion. Nor does critical thinking mean just criticizing. Critical thinking means having the understanding that there are different views, there are different possibilities, but above all, there are injustices in the world and that these injustices have to be repaired. So these five elements I consider to be the essential elements of Paulo Freire's vision, of what he brings as a reference: love, humility, faith, radicalism - which is treated as the opposite of sectarianism - and critical thinking. If we can achieve all this that Paulo Freire achieved... For us it is more difficult, you know. But if we can achieve all this, certainly, we will build another world. A world that is prosperous, fair and sustainable. So, this is the path we have to follow.

RUI DA SILVA: And after these tips on how to follow a path, right, these five principles... We want to thank you for your presence and we hope to count on your participation again in the near future. Daniel Cara, thank you very much for coming to Eduquê.

DANIEL CARA: Thank you, Rui, it's a pleasure to be here with you. It's a pleasure to be with Andressa and to send a hug to all the listeners who follow Eduquê.

ANDRESSA PELLANDA: And we can say that we have closed this series on Paulo Freire with a golden key. We have talked about Paulo Freire: The Educator, The Walker, The Ambassador, and The Patron. And now, closing, precisely, we have met The Patron, with Daniel. We were able to look at Paulo Freire from several points of view, and why he is so relevant for our Brazilian education, for the education of the world? And we hope that the series has contributed with more knowledge about Paulo Freire for everyone here. But considering Paulo Freire's own thesis that we are unfinished beings, because each one of us also needs to fill in the gaps and carry on with these discussions, we can never exhaust the book. So here is the invitation for you to continue to deepen your knowledge of Paulo Freire through reading, videos, and knowledge about him, and to take it to your own practice. This is what we had to talk about today. Thank you very much.

RUI DA SILVA: The transcript of this episode is available at campanha.org.br and, translated into English, at freshedpodcast.com. 

ANDRESSA PELLANDA: The opinions expressed in the program are solely those of the presenters and interviewees - and do not necessarily represent institutional positions of FreshEd and Brazilian Campaign for the Right to Education.

RUI DA SILVA: If you liked Eduquê, please rate it! Score the 5 stars for Eduquê on Apple Podcasts, Google Podcasts, Spotify, or your favorite podcast platform. That really helps us a lot.

ANDRESSA PELLANDA: Eduquê is executive produced by Renan Simão and Will Brehm. Mariana Casellato, José Leite Neto, and Rui da Silva are producers. The original music for Eduquê is by Joseph Minadeo, of Patternbased Music.

RUI DA SILVA: Eduquê is funded by the Institute of Education at University College London, by NORRAG - which is the Network for International Policy and Cooperation in Education and Training, and by listeners like you. 

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RUI DA SILVA: This is Rui da Silva, researcher and president of the Center of African Studies of the University of Porto, from Portugal. We'll be back next month. See you!

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