Conae 2024 adota marco global para regular educação comunitária e privada, e enfrentar privatização

Texto final da Conferência Nacional de Educação baliza o financiamento da educação pública com os Princípios de Abidjan, uma das principais referências internacionais para a regulação da atuação do setor privado na educação

 

A Conferência Nacional de Educação (Conae) 2024 aprovou em seu texto final que a regulação da educação privada e comunitária no Brasil deve ser “expandida de maneira estrutural, incorporando os Princípios de Abidjan”, um dos principais marcos regulatórios internacionais da atuação do setor privado na educação.

A menção aos Princípios de Abidjan está no Eixo II do texto, que tem como título “A garantia do direito de todas as pessoas à educação de qualidade social, com acesso, permanência e conclusão, em todos os níveis, etapas e modalidades, nos diferentes contextos e territórios”.

A referida expansão na regulação, colocada ao lado da incorporação de outras proposições nacionais e internacionais, deve ser feita “a partir de subsídios do grupo de trabalho temporário (GTT) do Fórum Nacional de Educação (FNE) responsável pelo tema, de forma a orientar sobre as obrigações dos estados, em matéria de Direitos Humanos, de fornecer educação pública de qualidade e de regular a participação dos setores privado e comunitário na educação”.

O texto destaca que a regulação do ensino privado e comunitário ainda é muito incipiente no Brasil, e que é necessário garantir regulação, monitoramento e avaliação da educação – seja nas redes públicas, seja nas redes privadas –, devendo ser retomada a discussão da regulamentação e implementação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb) – que deve acontecer dentro do Sistema Nacional de Educação – e a consolidação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes).

Na etapa nacional da Conae, e também nas subnacionais, a Rede da Campanha – que conta com centenas de ativistas e entidades presentes em todas as unidades federativas do país – apresentou um conjunto de propostas e emendas para a construção coletiva do documento. 

Foram aprovadas, nos sete eixos da Conae 2024, todas as emendas indicadas pelo movimento. A Campanha participou com 140 delegadas/os na etapa nacional, entre indicados e eleitos, da Conae 2024.

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação tem representação no Fórum Nacional de Educação (FNE), em cadeira titular na figura de sua coordenadora geral, Andressa Pellanda. Ela participa da Comissão de Monitoramento e Sistematização do Fórum e está em sua relatoria. Andressa Pellanda integrou o grupo de relatores que elaborou a primeira versão do Documento de Referência para a Conferência, aprovado em outubro de 2023, que foi debatido nas etapas anteriores ao longo do segundo semestre de 2023, e trabalhou na formatação do documento das etapas estaduais para debate na etapa nacional. Na etapa nacional, Pellanda integrou a coordenação dos debates e deliberações do Eixo II.

A sugestão inicial da Campanha de incorporar os Princípios de Abidjan na construção coletiva do novo PNE foi, portanto, aprovada pela comunidade educacional em todos os níveis, do local ao nacional.

ACESSE OS PRINCÍPIOS DE ABIDJAN EM PORTUGUÊS

5 anos de Princípios de Abidjan
Os Princípios de Abidjan completaram 5 anos de existência na última terça (13/02).

O documento jurídico é usado em contextos regionais e nacionais para enfrentar processos de privatização e mercantilização da educação pública.

Ele fornece aos Estados uma maneira de lidar e resolver tensões com o setor privado, reiterando claramente as obrigações dos Estados de estabelecer sistemas de educação pública gratuita e de qualidade para todas as pessoas.

Em fevereiro de 2019, em Abidjan, na Costa do Marfim, a Campanha participou da construção coletiva dos Princípios de Abidjan junto com especialistas e representantes de organizações do direito à educação de todo o mundo.

Na ocasião, representaram a Campanha Daniel Cara, então coordenador geral da entidade, e Andressa Pellanda, a atual coordenadora geral. Também esteve presente Fernando Cássio, professor da FE-USP e atual membro do Comitê Diretivo da Campanha, integrando o grupo de especialistas que formulou a versão final do documento.

Os principais organismos internacionais que referendam os Princípios de Abidjan são:

- Comissão Interamericana de Direitos Humanos
- Conselho de Direitos Humanos da ONU
- Relatoria Especial da ONU para o Direito à Educação
- Parceria Global pela Educação
- Fórum de Paris sobre a Paz

No Brasil, os Princípios de Abidjan estão registrados em um dos pontos da Carta Compromisso pelo Direito à Educação nas Eleições 2022, produzida pela Campanha e pela Rede Malala.

Recentemente, a Campanha traduziu o texto para o português – que tem como título oficial "Os Princípios de Abidjan sobre as obrigações de direitos humanos dos Estados em fornecer educação pública e regulamentar o envolvimento privado".

Conae e PNE
A Conae é presidida e organizada pelas Comissões Especiais do FNE, com apoio técnico, administrativo e financeiro do Ministério da Educação (MEC). Enquanto órgão participativo de composição entre Estado e sociedade, é o FNE quem propõe, coordena e organiza a Conae 2024. 

O documento possui caráter deliberativo e espera-se que o Ministério da Educação (MEC) siga este conjunto de propostas para formular um Projeto de Lei do novo Plano Nacional de Educação (PNE) – legislação que é a espinha dorsal da educação brasileira e deve passar a tramitar no Congresso Nacional ainda neste ano.

A Campanha vai seguir implementando suas ações de advocacy e mobilização para pressionar o MEC e o parlamento brasileiro a incorporar suas demandas históricas no PL do novo PNE.

A Campanha incidiu fortemente sobre o PNE vigente (2014-2024), que está em seu último ano. Segundo a pesquisadora Fernanda Vick em sua dissertação de mestrado, a Campanha foi responsável direta, na Conae 2010, por mais de 70% do volume de emendas à Meta 20 do PNE, e o conteúdo dessas emendas está diretamente associado ao conteúdo das emendas ao então PL 8.035/ 2010 que a entidade produziu ao Eixo V do Documento Base da Conae daquele ano.