Os Princípios de Abidjan completam quatro anos de existência

Documento é um dos principais marcos internacionais para a regulação do setor privado na educação; a Campanha Nacional pelo Direito à Educação participou de sua construção

 

Os Princípios de Abidjan completam quatro anos de existência nesta segunda (13/02). O documento é um dos principais marcos internacionais para a regulação da atuação do setor privado na educação.

Em fevereiro de 2019, em Abidjan, na Costa do Marfim, a Campanha participou da construção coletiva dos Princípios de Abidjan junto com especialistas e representantes de organizações do direito à educação de todo o mundo. Na ocasião, participaram Daniel Cara,  então coordenador geral da Campanha e Andressa Pellanda, atual coordenadora geral da Campanha, em representação da entidade. Também participou Fernando Cássio, professor da UFABC e atual membro do Comitê Diretivo da Campanha, integrando o grupo de especialistas que formulou a versão final do documento.

Recentemente, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação traduziu para o português o marco regulatório – que tem como título oficial Os Princípios de Abidjan sobre as obrigações de direitos humanos dos Estados em fornecer educação pública e regulamentar o envolvimento privado.

ACESSE OS PRINCÍPIOS DE ABIDJAN

Contra a privatização da educação
Os Princípios de Abidjan são usados em contextos regionais e nacionais para enfrentar processos de privatização e mercantilização da educação pública.

O documento jurídico fornece aos Estados uma maneira de lidar e resolver tensões com o setor privado, reiterando claramente as obrigações dos Estados de estabelecer sistemas de educação pública gratuita e de qualidade para todas as pessoas.

Os principais organismos internacionais que referendam o documento são:

  • Comissão Interamericana de Direitos Humanos;
  • Conselho de Direitos Humanos da ONU;
  • Relatoria Especial da ONU para o Direito à Educação;
  • Parceria Global pela Educação;
  • Fórum de Paris sobre a Paz;

No Brasil, os Princípios de Abidjan estão registrados em um dos pontos da Carta Compromisso pelo Direito à Educação nas Eleições 2022, produzida pela Campanha e pela Rede Malala.

Centenas de candidaturas eleitas firmaram o compromisso “pela regulamentação do setor privado conforme os Princípios de Abidjan e contra a privatização e mercantilização da educação”.

O marco regulatório também é usado como base para pesquisas acadêmicas. Um exemplo é o artigo “O novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação no Brasil e as parcerias público-privadas na Educação Infantil: um panorama na perspectiva dos Princípios de Abidjan”, assinado por Andressa Pellanda e Koumbou Boly Barry, então Relatora Especial da ONU para o Direito à Educação (2016-2022). O trabalho foi publicado na Revista de Financiamento da Educação da Fineduca (Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação).

Apontando que ainda há “diversas lacunas na legislação educacional para a regulação da atuação do setor privado no Brasil”, o artigo destaca que o relatório de 2019 de Boly Barry recomenda aos países que implementem os Princípios de Abidjan.

Processos iminentes de privatização da educação brasileira como a criação de convênios com organizações da sociedade civil (iniciativa privada) e a política de vouchers (vales) para absorção de matrículas estão, atualmente, entre as principais ameaças ao direito à educação, ferindo princípios constitucionais da educação.

Princípios gerais
Os Princípios de Abidjan são constituídos por 97 princípios orientadores. Além destes, dez princípios gerais fornecem uma visão abrangente e um resumo dos princípios orientadores. Os dez princípios gerais devem ser lidos juntamente com os princípios orientadores, e foram adotados como um todo no bojo dos Princípios de Abidjan. 

Princípio Geral 1. Os Estados devem respeitar, proteger e garantir o direito à educação de todas as pessoas dentro de sua jurisdição, de acordo com os direitos à igualdade e à não discriminação. 

Princípio Geral 2. Os Estados devem fornecer educação pública gratuita da mais alta qualidade possível a todas as pessoas dentro de sua jurisdição, da maneira mais efetiva e rápida possível, até o máximo de seus recursos disponíveis. 

Princípio Geral 3. Os Estados devem respeitar a liberdade dos pais ou responsáveis legais de escolher uma instituição educacional diferente das instituições públicas para seus filhos, e a liberdade de pessoas físicas e jurídicas para estabelecer e dirigir instituições educacionais privadas, sempre reservada a exigência de que as referidas instituições estejam em conformidade com os padrões estabelecidos pelo Estado de acordo com as suas obrigações derivadas do direito internacional em matéria de direitos humanos. 

Princípio Geral 4. Os Estados devem tomar todas as medidas efetivas, notadamente a adoção e a execução de medidas regulatórias eficazes para assegurar a realização do direito à educação nos casos em que atores privados estejam envolvidos na oferta educacional. 

Princípio Geral 5. Os Estados devem priorizar o financiamento e a oferta de educação pública gratuita e de qualidade, e podem apenas financiar instituições de ensino privadas qualificadas, seja direta ou indiretamente, inclusive por meio de deduções fiscais, concessões de terras, assistência e cooperação internacional ou outras formas de apoio indireto, se estas cumprirem os padrões e as normas de direitos humanos aplicáveis e observarem estritamente todos os requisitos substantivos, procedimentais e operacionais. 

Princípio Geral 6. A assistência e a cooperação internacionais, quando prestadas, devem reforçar a construção de sistemas de educação públicos, gratuitos e de qualidade, e abster-se de apoiar, direta ou indiretamente, instituições de ensino privadas de forma incompatível com os direitos humanos. 

Princípio Geral 7. Os Estados devem estabelecer mecanismos adequados para assegurar a sua responsabilidade pelas obrigações de respeitar, proteger e garantir o direito à educação, bem como pelas suas obrigações no contexto da participação de atores privados na educação. 

Princípio Geral 8. Os Estados devem monitorar regularmente a conformidade das instituições públicas e privadas com o direito à educação e garantir que todas as políticas e práticas públicas relacionadas a esse direito estejam em conformidade com os princípios dos direitos humanos. 

Princípio Geral 9. Os Estados devem garantir o acesso a reparações eficazes em caso de violações do direito à educação ou de quaisquer outras violações de direitos humanos por parte de atores privados envolvidos na educação. 

Princípio Geral 10. Os Estados devem garantir a implementação efetiva destes Princípios Orientadores por todos os meios apropriados, inclusive, quando necessário, por meio da adoção e da aplicação de reformas legais e orçamentárias que se façam necessárias.