Com DPU, Campanha faz raio-x do direito à educação e recomendações ao poder público

Publicação aponta desigualdades de acesso e permanência na escola, legislações descumpridas e políticas imprescindíveis para a garantia de direitos

 

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação e a DPU (Defensoria Pública da União) recomendam que a regulamentação e a implementação do Novo Fundeb (maior fundo da educação básica) seja feita tendo como parâmetro o CAQ (Custo Aluno-Qualidade), por meio do – ainda a ser regulamentado – Sistema Nacional de Educação.

“A regulamentação e implementação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb) [é] imprescindível para a boa e equitativa distribuição dos 2,5 p.p. correspondentes à complementação VAAR da União ao Fundeb”, aponta o “Informe Defensorial: situação dos direitos humanos no Brasil”, lançado neste mês de dezembro.

A Campanha escreveu com a DPU o capítulo sobre o direito à educação da publicação. Participaram da elaboração do capítulo Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha, César de Oliveira Gomes, diretor-geral da ENADPU (Escola Nacional da Defensoria Pública da União), e Alessandra Rodrigues Oliveira Mesquita, coordenadora de incentivo à pesquisa e publicação da ENADPU.

Entre as recomendações também está a revogação da EC 95/2016 (Teto de Gastos) – a principal medida de austeridade fiscal em vigência no Brasil, que inviabiliza a garantia dos direitos sociais – e a implementação de políticas que financiem adequadamente a educação, cumprindo a Lei do PNE (Plano Nacional de Educação - 13.005/2014).

De acordo com o Balanço do PNE 2022, produzido pela Campanha, menos de 14% das metas serão cumpridas até o prazo de 2024. Além da baixa taxa de avanço em praticamente todas as metas, 45% delas estão atualmente em retrocesso e a situação pode ser ainda pior. Ao analisarmos os dados desagregados por região, estado, raça e gênero, revela-se a dimensão das desigualdades na educação.

No documento da DPU, figuram também entre as sugestões ao poder público a adoção de diretrizes pedagógicas sobre educação inclusiva – compreendendo a educação antirracista, educação especial na perspectiva inclusiva e educação para as diversidades de gênero e orientação sexual. “Inclui também retomar as agendas inclusivas e de sucesso da extinta Secadi/MEC”, diz o informe.

Criada em 2004 por pressão dos movimentos sociais e extinguida pelo Governo Bolsonaro, a Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão) era responsável pelos programas, ações e políticas de Educação EspecialEducação de Jovens e Adultos, Educação do Campo, Educação Escolar Indígena, Educação Escolar Quilombola, Educação para as relações Étnico-Raciais e Educação em Direitos Humanos.

LEIA O DOCUMENTO DA DPU AQUI

A revisão da Lei de Cotas é destacada com menção à consolidação dessa ação afirmativa, de forma permanente e sustentada.

[Recomenda-se também] “fortalecer o Ensino Médio do país, garantindo um ensino de qualidade, com financiamento adequado e profissionais com formação adequada, condições de trabalho e valorização; com aprofundamento das disciplinas e inclusão de perspectivas críticas para a formação para a cidadania; e extinguindo quaisquer políticas que visem formação de mão-de-obra barata e desincentivo ao acesso ao ensino superior. Na mesma perspectiva, é preciso ampliar as condições para um acesso inclusivo ao ENEM, etapa fundamental para a democratização do acesso ao ensino superior”, diz o documento.

Raio-x
O informe da DPU redigido com a Campanha faz um raio-x do estado do direito à educação em solo brasileiro. Isso considera as desigualdades educacionais existentes, agravadas pela crise da pandemia de Covid-19. Ante a inação e negligência do Estado brasileiro em assegurar o direito à educação, a Campanha destacou em Nota Técnica – e está registrado no documento da DPU – que a resposta do poder público não responsabilizou-se adequadamente com a:

“(i) exclusão de estudantes e de professores(as) das ‘atividades não presenciais’ por não possuírem acesso à internet e/ou por falta de equipamentos eletrônicos como computadores, tablets ou smartphones; (ii) desconsideração às situações socioeconômicas das famílias de estudantes da educação básica das redes públicas, à medida em que se impõe maiores responsabilidades às famílias sobre a realização das atividades escolares; (iii) desproteção alimentar de crianças e adolescentes; (iv) indução ao uso precoce de equipamentos eletrônicos por crianças e à interação em aplicativos e redes sociais com eventual exposição a conteúdos inadequados e publicidade, em violação às normas de proteção à infância e à adolescência.”

A então relatora especial da ONU pelo Direito à Educação, Koumbou Boly Barry, em relatório sobre o impacto da COVID-19 no direito à educação, com o qual a Campanha foi chamada a contribuir no grupo de especialistas, reconheceu que a discriminação estrutural impactou de maneira mais severa os grupos mais vulnerabilizados e marginalizados.

ODS 4
Além do não cumprimento da agenda do PNE, outra consequência direta do Teto de Gastos para as políticas sociais é o distanciamento das metas previstas pelo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n° 4 da ONU (ODS 4), que trata da educação de qualidade. 

O ODS 4 pretende garantir o acesso à educação inclusiva, equitativa e de qualidade, bem como promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas as pessoas.

O retrocesso do Estado Brasileiro em relação às políticas públicas para a educação também ficou evidente nas recomendações do 3º Ciclo da Revisão Periódica Universal (2017-2021). Atualmente, o Brasil está fechando o seu 3º ciclo da RPU (2018-2022) e iniciando o 4º ciclo (2023-2027).

Em relatório do Coletivo RPU Brasil, organizado pelo Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH) e cujo capítulo de educação é coordenado pela Campanha, identificou-se que o Estado Brasileiro não vem cumprindo uma série de recomendações que tratam de temas como “inclusão escolar para grupos afrodescendentes”, “Plano Nacional de Educação” e “educação inclusiva e redução da desigualdade escolar”.

Interseccionalidade
Sobre a legislação educacional, o informe expõe marcos de reconhecimento do direito à educação, como registros de pactos e convenções internacionais – como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos – e parâmetros normativos nacionais – como a Constituição Federal de 1988 e a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).

Em relação às desigualdades sociais, o texto dá ênfase a seu caráter estrutural e interseccional ao detalhar como a não garantia do direito à educação afeta mais mulheres e pessoas afrodescendentes, indígenas, LGBTIA+ e com deficiência.

“As relações assimétricas de poder que se estabelecem a partir desse processo histórico [de desigualdade social e discriminação] afirmam a perspectiva hegemônica da cultura, do trabalho, do modo de ser e viver. As pessoas cujas características eram estranhas ao conceito eurocêntrico de humano idealizado pelo colonizador (homem, branco, proprietário, heterossexual, sem deficiência) tornaram-se vítimas de sucessivas violações de direitos que ainda são reproduzidas pelo Estado brasileiro”, afirma o documento.

O informe ainda descreve retrocessos e desafios em diversos eixos da educação, como estes abaixo:

  • Educação especial: Um dos grandes retrocessos com relação à educação especial na perspectiva inclusiva se refere à inconstitucionalidade do Decreto n. 10.502/2020, que instituiu o “Plano Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva, e com Aprendizagem ao Longo da Vida”, que teve uma lista de organizações da sociedade civil como amicus curiae, reunidas na Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva, entre elas a Campanha Nacional pelo Direito à Educação. 
     
  • Alimentação escolar: Cerca de 23% das(os) estudantes não receberam nenhum tipo de assistência alimentar na pandemia, segundo o Observatório da Alimentação Escolar. A Campanha fez contribuições ao governo de transição referentes ao PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) e outras ações orçamentárias correlacionadas.
     
  • Educação domiciliar (homeschooling): Além de inconstitucional e anti-pedagógico, o homeschooling (que teve o PL nº 3.179/2012 de sua regulamentação aprovado pela Câmara) apresenta risco aumentado de violência doméstica, abusos sexuais, exploração sexual infantil e trabalho infantil por retirar do direito da criança e do adolescente o espaço de proteção social. Esse é mais um retrocesso que ganhou tração no Governo Bolsonaro. A Campanha se posicionou repetidamente contra o homeschooling.

Acesse o documento da DPU aqui.

(Foto: Gil Leonardi / Imprensa MG)