Na ONU, países fazem mais de 100 recomendações à garantia dos direitos de mulheres, negros e indígenas no Brasil

Declarações foram feitas nesta semana durante a Revisão Periódica Universal da ONU, no Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, na Suíça; Campanha Nacional pelo Direito à Educação participa presencialmente dos eventos

 

Na ONU, pelo menos 41 países fizeram recomendações associadas aos direitos das mulheres do Brasil; pelo menos 23 países indicaram a necessidade da garantia dos direitos das pessoas negras; e foram 40 países que mencionaram diretamente os povos indígenas.

As recomendações foram feitas ao Estado brasileiro durante sessão da RPU (Revisão Periódica Universal) da ONU, que acontece nesta semana, em Genebra, na Suíça. Leia as transcrições aqui, em inglês. Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha, e Daniel Cara, professor da FE/USP e dirigente da Campanha, participam de eventos da RPU presencialmente.

Muitas dessas declarações dos Estados-membros da ONU associam os direitos dessas populações, direta ou indiretamente, ao direito à educação.

A Dinamarca, por exemplo, recomenda a “garantia do direito à educação e à saúde, assegurando um currículo com educação sexual e de gênero de acordo com faixas etárias apropriadas, para prevenir”, entre outros pontos, “as violências e as desigualdades de gênero”. É uma referência de reversão da retirada dos termos "gênero" e "orientação sexual" da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O país nórdico também indica a relevância de o Brasil garantir direitos à terra e aos recursos por parte dos povos indígenas.

O enfrentamento a todas as discriminações é central na missão da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Compondo o Projeto SETA - Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista, a Campanha reforça seu propósito com a equidade racial na educação.

O Equador pede o reforço em esforços para o “combate ao racismo e à discriminação contra grupos vulneráveis”, e também o “fortalecimento de políticas públicas que assegurem proteção contra todas as formas de violência, especialmente as sexuais e de gênero na esfera educacional”.

Tais reivindicações são históricas da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que compõe diversas articulações que lutam por esses direitos, entre elas a Agenda Infâncias e Adolescências Invisibilizadas. Com sistematização de dados e de legislações, a Agenda – composta por diversas entidades – faz recomendações como essas ao Poder Público. Acesse os oito cadernos publicados pela Agenda aqui.

Bangladesh, por sua vez, destacou a necessidade do Brasil em assegurar “o direito das mulheres à educação” e enfrentar as violências de gênero.

A Lituânia recomenda a proteção legal contra todas as formas de violência para as crianças residentes no Brasil, “especialmente as violências sexuais, de gênero e psicológicas em contextos educacionais”.

A Malásia propõe a melhora da qualidade e do acesso à educação pública, “especialmente para populações em áreas rurais e minorias étnicas”. O país do Sudeste Asiático também recomenda que o Estado brasileiro “fortaleça sua governança, e que  implemente medidas educacionais e judiciais para erradicar o racismo e a discriminação”.

A Campanha dialogou com dezenas de representações de países que destacaram o direito à educação em suas recomendações. Saiba mais aqui.

UM QUARTO DOS PAÍSES DE SABATINA DA ONU RECOMENDOU AO BRASIL FORTALECIMENTO DO DIREITO À EDUCAÇÃO

SABATINA NA ONU: ALTO COMISSARIADO E SOCIEDADE CIVIL NO BRASIL EXPRESSAM PREOCUPAÇÃO COM A GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO NO PAÍS; ESTADO BRASILEIRO TANGENCIA

Povos indígenas
Os Estados Unidos recomendam que diálogos, programas e medidas que promovam o enfrentamento do racismo sejam feitas “em consulta com povos indígenas e afrobrasileiros”, para promover a “igualdade racial e étnica”.

Mais uma iniciativa da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o Projeto Euetu - Mapeamento de Grêmios e Coletivos Estudantis na Amazônia se alinha a esses objetivos. A iniciativa busca mapear grêmios e coletivos escolares de Amapá, Amazonas e Maranhão, de forma a conhecer sobre participação e organização de estudantes na gestão escolar para a gestão democrática.

A Noruega sugere que as demarcações de terras devem ser feitas “completamente”, com a rejeição da tese do marco temporal e a “garantia de que os povos indígenas estejam protegidos contra ameaças, ataques e desocupações”.

O Peru também pede que “esforços sejam redobrados” sobre os processos de demarcação de terras indígenas.

A Suíça recomenda a promoção dos direitos constitucionais dos indígenas “finalizando, sem atraso, o processo de demarcação de terras, com a alocação de recursos humanos e financeiros suficientes para a proteção desse povos, assim como para fortalecer sustentavelmente instituições-chave para isso, como a FUNAI (Fundação Nacional do Índio)”.

ONU no Brasil e sociedade civil: preocupação e denúncias
Dois dos três relatórios que subsidiam a sessão da RPU – o do Alto Comissariado da ONU no Brasil e da sociedade civil brasileira – expressam preocupação e denunciam, respectivamente, sobre as violações de direitos do Governo Bolsonaro nos últimos 4 anos. A última RPU foi em 2017.

Os organismos da ONU no Brasil registram receio frente a negação de direitos em solo brasileiro, especialmente no que se refere à violências nos espaços educacionais, à negligência na proteção de migrantes, à ausência de políticas fortes para a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos no país e, do ponto de vista do financiamento de políticas públicas, ao risco gerado por políticas econômicas baseadas na austeridade (com explicitação dos dados ocasionados pelo Teto de Gastos, EC 95/2016, à população brasileira). 

A sociedade civil, em seu relatório à RPU, reforça críticas ao Teto de Gastos, e destaca violações de direitos ligadas à exclusão escolar e ao trabalho infantil; às ameaças trazidas pela tentativa de aprovação do homeschooling no Congresso Nacional e à agenda de censura sobre educação sobre gênero nas escolas.

Também aponta, na perspectiva do direito à educação, a necessidade de regulamentação do Custo Aluno-Qualidade (CAQ), do Sistema Nacional de Educação (SNE), e do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb); e sobre o descumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE).

RPU
A RPU é um processo de avaliação e sabatina do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) em Genebra pelo qual passam os países a cada quatro anos, em monitoramento mútuo da situação dos direitos humanos. A última participação do Brasil tinha sido em 2017. 

Os países-membros da ONU recebem três relatórios: um do Estado brasileiro, um do Alto Comissariado da ONU no Brasil, e outro compilado das submissões da sociedade civil. Saiba mais aqui.

(Foto: Tiago Zenero/PNUD Brasil)