Relatório da ONU sobre Brasil traz recomendações pela educação em direitos humanos nas escolas e pela educação antirracista e antissexista após sugestões de movimentos sociais

Pontos incorporados foram produzidos por Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação, RePME, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Ação Educativa, coletivo Professor@s Contra o Escola sem Partido e Dhesca Brasil, com o apoio da CPPDH/UFABC

 

Relatório sobre o Brasil do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CDESC) da Organização das Nações Unidas (ONU) incorpora sugestões de entidades e movimentos ligados ao direito à educação. Elas tratam de graves violações a direitos humanos inscritos no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc).

As sugestões estão registradas em relatório paralelo sobre o tema, apresentado ao 74º Período de Sessões do CDESC e endereçadas às observações finais do Pidesc, foram produzidas pelas entidades: Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação, Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação – RePME, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Ação Educativa, coletivo Professor@s Contra o Escola sem Partido e Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil, com o apoio da Clínica de Políticas Públicas e Direitos Humanos da Universidade Federal do ABC (CPPDH/UFABC), assim como por outras organizações como o Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH), que também submeteu informe.

Salomão Ximenes, professor da UFABC e integrante da Rede Escola Pública e Universidade (REPU) e da Campanha, liderou a produção do documento.

Os pontos de denúncia das entidades brasileiras decorrem da crescente militarização da educação básica, da perseguição sistemática a educadores e educadoras e da censura às temáticas de direitos humanos nas escolas brasileiras.

Embora o relatório do CDESC não mencione explicitamente a desmilitarização das escolas – foco do relatório paralelo –, há no documento da instância das Nações Unidas a recomendação para que o Estado brasileiro “[continue] seus esforços para garantir a educação em direitos humanos nos currículos escolares, inclusive no âmbito do Programa de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, com o objetivo de fortalecer o respeito aos direitos econômicos, sociais e culturais”.

O relatório paralelo dos movimentos sociais afirma em seu pedido de incorporação “que [o Brasil] adote medidas no sentido de desmilitarizar as escolas públicas e promover a gestão escolar democrática, a educação em direitos humanos, o direito à memória e à verdade e o letramento democrático da população”.

O relatório paralelo ainda requer a adoção de medidas no sentido de reconhecer educadores e educadoras como defensores ou agentes de direitos humanos e estabeleça medidas de prevenção, proteção, reparação e responsabilização nos casos de perseguição e censura perpetrados contra esses profissionais, mediante políticas de identificação e acompanhamento dos casos, apoios jurídico e psicológico e educação em direitos humanos; e que registre e apresente dados sobre os casos de perseguição sistemática a educadores e educadoras e de censura às temáticas de direitos humanos nas escolas no Brasil, como forma de monitorar os avanços na proteção a educadores e comunidades escolares, além de planejar e executar as políticas necessárias em cada contexto.

Enfrentamento ao racismo
Outra convergência entre os documentos é a necessidade de garantir a inclusão, a não-discriminação e o enfrentamento ao racismo na educação.

O relatório do CDESC registra preocupação com altos índices de exclusão escolar da população negra, particularmente no Ensino Médio, e as altas taxas de analfabetismo, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, especialmente entre indígenas e negras/os. 

O CDESC recomenda, dessa forma, ao Brasil “adotar medidas apropriadas para reduzir as taxas de exclusão escolar e de reprovação em todos os níveis de ensino, especialmente na educação secundária e entre os estudantes pertencentes a grupos marginalizados e desfavorecidos” e também “redobrar esforços para melhorar o acesso à escola para as crianças nas regiões Norte e Nordeste e, em particular, para as crianças com deficiências”.

O relatório paralelo das entidades do direito à educação enfatizou como sugestões:

- Que enfrente ativamente, mediante políticas de combate ao negacionismo da ciência e à desinformação, a situação de censura e autocensura imposta em escolas e universidades brasileiras; 

-  Que promova a igualdade de gênero, raça e sexualidade na educação básica e na educação superior, visando a concretização do artigo 8º da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006) e de outras normativas nacionais e internacionais sobre o tema;

- Que enfrente ativamente o racismo na educação básica e na educação superior brasileiras, mediante a integral implementação das Leis n. 10.639/2003 e 11.645/2008 que tornam obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. 

O relatório do CDESC, por sua vez, recomenda ao país “redobrar esforços na alocação de recursos financeiros, humanos e técnicos para o setor educacional, a fim de garantir o acesso universal e igualitário à educação infantil, primária e secundária de qualidade, e orientar-se pelo comentário geral nº 13 (1999) do Comitê sobre o direito à educação”.

Quanto a esse ponto, o relatório paralelo apontou que existe no país a “violação ao dever de não-discriminação na organização e financiamento das escolas públicas, conforme prescrito no Pacto, tendo em vista que o investimento público feito nas escolas militarizadas é significativamente maior que o direcionado às escolas públicas comuns, o que tem como efeito ampliar a segregação etnicorracial e de classe no sistema de ensino, conforme registrado em pesquisas acadêmicas e distintos relatos”.

Ainda, o CDESC recomenda ao país melhorar a qualidade do da educação oferecida e investir na formação continuada docente e em suas condições de trabalho, além de melhorar a infraestrutura escolar e a oferta de materiais didáticos, especialmente nas áreas rurais e periféricas, e garantir que todas as escolas tenham instalações adequadas de abastecimento de água e saneamento.  

Historicamente, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação pauta nas incidências nacionais e internacionais a garantia de água potável e de saneamento em todas as escolas do país. É a implementação do mecanismo do Custo Aluno-Qualidade (CAQ) -- recém-constitucionalizado, com regulamentação ainda pendente -- que possibilitará o investimento adequado para manutenção e desenvolvimento da educação com qualidade, conferindo infraestrutura adequada para as escolas, como banheiros, saneamento, água potável, entre outros insumos. A entidade é parte do projeto Sede de Aprender, com o Ministério Público de Alagoas (MP-AL), que atua nesta temática.

O relatório paralelo também retoma o relatório da sociedade civil do Brasil para a ONU, de novembro de 2022, citando a submissão do Coletivo RPU Brasil, cujo capítulo de educação a Campanha coordenou, em que consta entre as recomendações ao país a regulamentação do Sistema Nacional de Educação (SNE), o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb) e o CAQ, de forma a implementar mecanismos de combate às desigualdades educacionais, regionais e sociais, ao racismo, sexismo, e outras discriminações.

O CDESC considerou o terceiro relatório periódico do Brasil em suas 38ª e 40ª reuniões, realizadas em 28 e 29 de setembro de 2023. Adotou as presentes observações finais em sua 60ª reunião, realizada em 13 de outubro de 2023.

ACESSE AQUI AS RECOMENDAÇÕES DO CDESC

(Foto: Karoline Barreto/CMBH)