Governo Lula inicia progressivo encerramento do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares; ainda é preciso revogar Decreto 10.004/2019 e desmilitarizar escolas pelo país
O MEC (Ministério da Educação) do Governo Lula vai acabar com o Pecim (Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares). Em Ofício Circular enviado às Secretarias de Educação de todo o país, a pasta informa que deliberou com o Ministério da Defesa pelo “progressivo encerramento” do Programa.
“A partir desta definição, iniciar-se-á um processo de desmobilização do pessoal das Forças Armadas envolvido em sua implementação e lotado nas unidades educacionais vinculadas ao Programa, bem como a adoção gradual de medidas que possibilitem o encerramento do ano letivo dentro da normalidade necessária aos trabalhos e atividades educativas”, diz o ofício.
A iniciativa do Governo Federal fragiliza a existência das escolas cívico-militares, mas elas ainda podem continuar existindo a nível estadual e no Distrito Federal, mesmo sem o financiamento público federal do programa agora próximo de ser extinto.
“O Pecim vai ser encerrado, mas a militarização das escolas brasileiras não. Ainda há muito o que fazer para que os estados finalizem seus programas e desmilitarizem, de fato, as unidades escolares que foram passadas para a gestão militar”, afirma Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
O MEC não indica que ações a pasta vai adotar para a desmilitarização. Afirma que as “definições de estratégias específicas de reintegração das Unidades Educacionais à rede regular de ensino serão objeto de definição e planejamento de cada Sistema”.
O governo deve finalizar nos próximos dias um decreto que revogue o decreto nº 10.004, de 05 de setembro de 2019 que instituiu o Pecim.
Há governos estaduais, como Paraná, Goiás e Rio Grande do Sul, que já anunciaram a abertura de novas escolas militarizadas ao longo do segundo semestre de 2023.
Até o ano passado, segundo o Ministério da Educação, havia 216 unidades no país com o modelo de Pecim nos Estados e no Distrito Federal, que atendem 192 mil alunos. Ao todo, no entanto, incluindo aquelas escolas militarizadas fora do Pecim, o número chega a mais de mil.
Atuação da Campanha
Há quase uma década a Campanha atua contra a militarização das escolas brasileiras. Em 2015, o Comitê sobre Direitos da Criança da ONU, em Genebra, após ouvida a Campanha, orientou o país pela não militarização das escolas. Nos Balanços do Plano Nacional de Educação, que a Campanha produz e apresenta anualmente no Congresso Nacional, desde 2015, o enfrentamento do avanço da militarização das escolas também é detalhado e contribui para pautar políticas públicas.
Em 2016, antes do Governo Jair Bolsonaro, a Campanha já apontava o aumento das escolas públicas geridas por corporações militares e reivindicavam o total encerramento desse processo, assim como pela desmilitarização daquelas que passaram para a gestão militar.
No mesmo ano, a Campanha entregou um dossiê à então Relatora Especial da ONU para o Direito à Educação, Koumbou Boly Barry, tratando das violações ao direito à educação no Brasil – e a urgência pela desmilitarização nas escolas já estava detalhada no documento.
A Campanha coordena anualmente o capítulo de educação do Relatório Luz, produzido pelo GT da Agenda 2030 no Brasil, monitorando a implementação do ODS (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável) 4, da educação. Desde 2019, o Relatório Luz reivindica a desmilitarização das escolas brasileiras. O documento é lançado internacionalmente todos os anos em evento paralelo ao Fórum Político de Alto Nível da ONU, o qual a Campanha tem participado in loco.
Relatório de 2021 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, pautado por informações enviadas pela Campanha, expressou ao Estado brasileiro “preocupações com as políticas de austeridade e militarização de escolas” no Brasil.
A suspensão de todas as políticas de militarização de escolas é defendida em relatórios de diversos anos do Coletivo RPU Brasil, coalizão de organizações da sociedade civil, que monitora a situação do Estado brasileiro na Revisão Periódica Universal da ONU – mecanismo que cruza recomendações entre os países. A Campanha coordena a produção do Relatório de Educação do documento.
Os Comitês Regionais da Rede da Campanha, presentes em todas as unidades federativas, também trabalharam no monitoramento e mobilização para frear o avanço das militarizações. Neste raio-x de 2019, Goiás, Amazonas, Piauí, Mato Grosso, Espírito Santo, Roraima, Rondônia e Bahia detalham suas atuações, que já vinham de antes e seguem até hoje. Os Comitês Distrito Federal e Paraná também tiveram seus diagnósticos locais e lutas ampliadas pela mídia. Catarina de Almeida Santos, professora da UnB e uma das maiores pesquisadoras no país sobre o tema, é de nosso Comitê Diretivo e Comitê DF, e tem apoiado a rede nessas empreitadas pelo país.
“Ao falar em reintegração das escolas à rede regular de ensino, o MEC admite o que temos afirmado, que estas, ao serem militarizadas são subtraídas das redes públicas e destituídas da sua condição de escolas públicas. Assim, essa desmobilização anunciada pelo MEC, em nada contribui para desmilitarizar as escolas, resolver os problemas decorrentes da militarização e pôr fim a essa modalidade inexistente no arcabouço legal brasileiro”, afirma Catarina de Almeida Santos.
A Carta Compromisso pelo Direito à Educação nas Eleições 2022, que foi assinada por mais de 500 candidatas/os de todas as regiões do país e de todos os espectros políticos, contém o ponto: “Pelo fim da militarização de escolas, com desmilitarização daquelas que passaram por este processo, com política de atenção especial na transição, de forma a reconstruir valores democráticos”.
Recentemente, mais de duzentas entidades pediram a revogação do decreto que instituiu o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM). Em carta, as entidades – entre elas, a Campanha – indicam o fim dos programas de militarização de escolas públicas, a suspensão dos processos de militarização escolar em curso e a desmilitarização das escolas militarizadas; bem como a criação de políticas públicas nas áreas da convivência e gestão democráticas na escola, a retomada dos planos e programas para a educação em direitos humanos e medidas de justiça de transição para superação do legado autoritário do Brasil.
Neste ano, na ocasião da vinda da ativista Malala Yousafzai para uma série de eventos no Brasil, entre eles um diálogo interministerial com o governo federal, a Rede Malala, da qual faz parte Andressa Pellanda, acompanhou posicionamentos da Campanha reivindicou ao governo brasileiro a desmilitarização de todas as escolas, com a entrega da Carta Compromisso e de relatório de monitoramento dos primeiros 100 dias de novos governos e legislaturas.
Em 2023, a Campanha iniciou uma agenda de mapeamento do ultraconservadorismo na educação no país e a militarização das escolas está entre um dos temas. No final do ano, o estudo será lançado.
(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)