“Precisamos criar um mundo em que a economia esteja a serviço das pessoas”, diz Daniel Cara em evento internacional sobre o direito à educação

Lula, Haddad, Nobel da Paz e Relatora Especial da ONU para o Direito à Educação participaram de webinário

Crianças e jovens desassistidos pelo Estado, o fracasso da educação a distância como alternativa às escolas fechadas e a política de austeridade fiscal que asfixia recursos financeiros para áreas sociais são alguns dos desafios enfrentados por países do Sul Global no contexto de pandemia. Este cenário descreve a situação do Brasil e é retrato do problema das desigualdades educacionais vividas no mundo hoje.

É o que pensa Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Cara discursou nesta quinta-feira (24) no webinário internacional “Educação e as Sociedades que Queremos”, organizado pela ICESCO (Organização Islâmica para Educação, Ciência e Cultura)

“A educação está submissa à economia e esse não é o caminho correto. Precisamos estabelecer uma nova relação entre a economia e a educação”, afirmou Cara.

“Entre tantas perdas, a pandemia de Covid-19 evidenciou a importância da escola, a relevância do trabalho dos professores e a importância das Ciências como instrumento para a qualidade de vida dos seres humanos. Mostrou também que as sociedades que queremos precisam inverter a lógica atual. Há séculos, vivemos em um mundo em que as pessoas estão a serviço da economia. É preciso inverter essa lógica: precisamos criar um mundo em que a economia esteja a serviço das pessoas.”

Além de Cara, participaram lideranças como o ex-presidente Lula, o Nobel da Paz 2014 Kailash Satyarthi, Koumbou Boly Barry (Relatora Especial da ONU para o Direito à Educação), Fernando Haddad (ex-ministro da Educação do Brasil), Alice Albright (secretária-executiva do Global Partnership for Education), Salim M. Al Malik (diretor-geral da ICESCO) e ministros da educação de Finlândia, Gâmbia, Guiné, Guiné-Bissau, Paquistão e Tunísia.

Essa perspectiva da econômica também foi a tônica da fala de Lula, que destacou as injustiças promovidas pela ausência do Estado para a proteção social.

“O dogma do estado mínimo é apenas isso, um dogma, algo que não encontra explicação nem se justifica na vida real. O mito do deus mercado é apenas um mito, pois uma vez mais ele se revela incapaz de oferecer respostas para os problemas do mundo em que vivemos”, disse Lula.

“Não chegaremos a lugar algum se os governos do mundo, aqueles que têm o poder de estado, não se engajarem objetivamente em uma profunda mudança nas relações entre as pessoas e o dinheiro. (...) A imensa desigualdade entre seres humanos é simplesmente intolerável, mas enquanto ela perdurar haverá também o sonho de mudança que nos move para o futuro.”

Alívio da dívida
Alice Albright afirmou que, no mundo, 1,6 bilhão de crianças estão fora da escola. No Brasil, como mostra o Balanço do PNE 2020, produzido pela Campanha, com dados da PNAD contínua, 85 mil crianças de 6 a 14 anos estão fora da escola; o mesmo acontece com 679 mil jovens de 15 a 17 anos. Como resultado de vários impactos socioeconômicos da pandemia, muitos estudantes que antes estavam matriculados não devem retornar, constata Albright.

Para ela, o financiamento emergencial executado por muitos países para a educação no período de pandemia é válido, mas representa apenas uma “gota no oceano”. “A economia como conhecemos hoje não vai nos levar a esse lugar [em direção à equidade]”, alerta.

Uma saída essencial para esse problema, diz ela, seria o alívio das dívidas dos países pobres para com os ricos. “São as crianças dos países pobres que estão mais em risco e que precisam de mais recursos”, argumenta ela.

Boly Barry, por sua vez, ressaltou que, para construirmos uma sociedade com mais equidade, é necessário apoio a professoras e professores para a implementação de uma educação inclusiva.

“A sociedade que queremos precisa ser baseada em valores como coesão social, democracia e governança. E precisamos dar as condições para que a educação seja um direito para toda a população [de cada país]”, disse a Relatora da ONU.