Qual qualidade?
A falta de qualidade é um problema que atinge a escola brasileira desde as suas origens. Relatos de educadores e registros históricos da área mostram que no início da República no Brasil, em fins do século XIX, já se registrava desafios que ainda hoje estão presentes na educação básica pública brasileira, como a falta de condições materiais adequadas nas escolas, a problemática da precariedade da formação de professores e a pouca valorização da profissão.
Por força da demanda da população, muitas conquistas vêm sendo alcançadas desde então, sempre acompanhadas de dificuldades e mesmo de retrocessos.
Devido à pressão social e econômica, em estratégias políticas condizentes com a época, entre 1930 e 1950, houve diversos avanços na qualidade da educação, principalmente devido à vinculação constitucional de impostos para a área. Mas a educação, embora se expandisse, não era universalizada, excluindo grande parte da população, sobretudo os mais pobres e os habitantes do campo. Somente em 1971, com a obrigatoriedade da escolaridade de oito anos, ocorreu uma massificação do acesso à escola pública de ensino fundamental. Mas os investimentos não aumentaram, pois foi retirada a vinculação mínima de recursos.
De lá para cá, o debate muito se pautou pela dualidade entre qualidade e quantidade, acesso e permanência. Entre final dos anos 1980 e ao longo dos anos de 1990, se o marco legal avançou, com uma visão de universalização do acesso com equidade e qualidade, na América Latina como um todo, a época foi marcada por reformas educativas classificadas como neoliberais. Houve assim um estímulo à privatização e restrição de políticas sociais. A qualidade foi vinculada meramente à busca pela eficiência produtiva. Ativistas e acadêmicos passam a contrapor tais referências, pautando uma discussão que culminou ao final da década de 1990 com o debate em torno da chamada "qualidade social", aliando qualidade à noção de equidade.
A discussão sobre “qualidade na educação” ou “educação de qualidade”, então, estava “na boca” dos mais variados atores, de professores a empresários, de gestores a políticos, sobretudo em campanhas eleitorais.
A partir da constatação de que a palavra "qualidade" representa um campo de disputa conceitual, em 2002 a Campanha Nacional pelo Direito à Educação estabeleceu como uma de suas prioridades e metas a construção de referências concretas para o conceito de qualidade na educação.
Para isso, a Campanha assumiu uma perspectiva democrática e do direito humano, ou seja, o conceito de educação para todas e todos, que incorpore as diversidades, que considere as desigualdades socioeconômicas históricas de nossa sociedade e que pressuponha a participação e a influência da sociedade civil na definição das políticas públicas como fator de qualificação das mesmas.
Hoje, com o passar dos anos, é inegável a colaboração da Campanha Nacional pelo Direito à Educação no âmbito das leis e políticas sociais.