Dizemos #AcabaTetodeGastos nas ruas e nas lutas, na ONU e em todo o Brasil
Texto originalmente publicado no site da Mídia Ninja.
O fim do Teto de Gastos é condição para garantia dos direitos humanos. A educação, por sua vez, enquanto primeiro direito social listado na Constituição Federal de 1988, também está sob a nefasta política da Emenda Constitucional 95/2016 (Teto de Gastos) no Brasil – que destrói e asfixia completamente as políticas públicas das áreas sociais.
Reforçamos a natureza trágica dessa política agora nesta semana no Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, na Suíça, participando como parte da articulação da sociedade civil, o Coletivo RPU Brasil, de mais um ciclo da Revisão Periódica Universal da ONU.
A urgência dessas palavras remete também às falas de diversos relatores especiais da ONU que denunciaram a contrariedade da política do Teto de Gastos quanto aos direitos humanos.
Hoje, muitos países estão revendo e acabando com as políticas de austeridade como efeito de recomendações de organismos internacionais e de novos pactos de defesa de direitos. Nossa pressão é para que a vez do Brasil chegue também, e é para ontem.
É justamente a crítica às políticas de austeridade que trazemos, enquanto Campanha Nacional pelo Direito à Educação, ao Relatório do Coletivo RPU, especialmente no capítulo ‘Educação, Austeridade e Discriminação’, do qual coordenamos a produção. Não é à toa que todas as agendas de direitos humanos se cruzam com a da educação.
É nessa perspectiva que fazemos nesta semana denúncias contra o Estado brasileiro, na figura do Governo Bolsonaro que imprime a marca do ultraconservadorismo nas políticas sociais e fragiliza os direitos do povo brasileiro.
Enquanto sociedade civil, fizemos 15 recomendações específicas da educação ao Estado brasileiro na última Revisão Periódica Universal. Nenhuma foi cumprida.
Esse cenário se repete quando vemos o balanço das metas do Plano Nacional de Educação (PNE), que incorporamos ao relatório da RPU.
As violações de direitos à educação são diversas e graves.
O movimento Escola Sem Partido, que encontrou tração em tratativas com o governo, a despeito de termos ganhado as ações diretas de inconstitucionalidade no STF que suspenderam leis que atacam a liberdade de cátedra e davam margem à educação domiciliar.
É justamente na narrativa do ‘homeschooling’ que o movimento do ESP se mantém presente, dentro de um processo também conservador e de privatização da educação. E se coloca também em todas as agendas discriminatórias de todos os matizes: sexismo, racismo e capacitismo (esta, em uma nova política de educação especial que exclui a perspectiva inclusiva).
Essa agenda também fortaleceu o processo de militarização das escolas; de disputas do currículos – inclusive com a entrada do agronegócio, que é contrário às agendas ambientalistas e de proteção aos povos originários -, e também de censura à discussão de gênero e educação sobre sexualidade nas salas de aula.
Lutamos contra o fechamento das escolas do campo e contra os retrocessos no PNAE, o principal programa de alimentação escolar da educação básica.
Vemos um esvaziamento orçamentário da política educacional que, desde 2016 com o Teto de Gastos, sofreu muitos cortes, também na educação superior. Deixa, assim, o PNE completamente marginalizado, com agendas educacionais na contramão do que o governo prevê em gastos – e que nunca considera investimento.
Vemos no ensino superior uma agenda de tentativa de controle das universidades, com movimentos intervencionistas na gestão democrática universitária e cortes de bolsas e de investimentos em ciência e tecnologia.
Tudo isso já acontecia antes da Covid-19, e com ela as desigualdades se aprofundaram. Presenciamos a subida à superfície desse sistema muito desigual e discriminatório na educação.
Entre as recomendações que trazemos, algumas são estruturais, como a derrubada da supracitada Emenda Constitucional 95/2016 (Teto de Gastos), que não só vai impactar esse PNE (que finda daqui dois anos), mas o próximo também, já que a vigência do Teto de Gastos é até 2036. É uma política fiscal destruidora de direitos que impacta muitas décadas e gerações, e precisa acabar.
O PNE é a espinha dorsal da política educacional brasileira. E manter essa agenda de garantia de direitos para o próximo PNE deve ser prioridade de todas as pessoas – especialmente de candidaturas nas eleições 2022.
O que dá algum alento é a nossa conquista do novo e permanente Fundeb – o principal fundo da educação básica, que ganhou mais recursos da União e agora funciona de forma mais redistributiva às redes de ensino do país. Com papel decisivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a EC 108/2020 do novo Fundeb foi promulgada contra a agenda econômica de austeridade, que é forte no Congresso e também dentro do Ministério da Educação.
A vitória do novo e permanente Fundeb fortaleceu e valorizou nossos estudantes, trabalhadores da educação e as escolas públicas. Mas, em uma nova batalha, o fundo precisa regulamentado de forma equitativa, fazendo jus a um Sistema Nacional de Educação que tenha o CAQ (Custo Aluno-Qualidade) implementado.
O recente aniversário de 10 anos da Lei de Cotas também nos dá esperança. O Relatório do Coletivo RPU enfatiza a centralidade das cotas para o acesso, a permanência e a democratização das universidades brasileiras.
É com essa agenda transversal de direitos, não com uma economia para poucos, mas uma economia para todos, que vamos ter um país com justiça social e uma democracia que seja, de fato, para todas as pessoas residentes em solo brasileiro.
Nossa luta continua. E, como dizia Brecht, há pessoas que lutam por toda a vida. Elas são imprescindíveis. Esse é Coletivo RPU Brasil. Essa é a Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
(Foto: Coletivo RPU Brasil)
É coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, cientista política, comunicóloga, educadora popular e doutora em Ciências pelo Instituto de Relações Internacionais da USP.