SEDUC-SP afasta 225 diretores de Escolas Estaduais por desempenho insuficiente, mas decisão parte de critérios estatisticamente inválidos

Nota Técnica de REPU e GEPUD questiona desmonte do Saresp e afastamentos arbitrários de diretores na rede estadual paulista

 

A Rede Escola Pública e Universidade (REPU) e o Grupo Escola Pública e Democracia (Gepud) lançaram na quarta (05/11) a Nota Técnica “Desmonte do Saresp e afastamento arbitrário de diretores escolares na rede estadual paulista”. 

O estudo aponta que a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) afastou 225 diretores escolares entre 2024 e 2025 com base em uma oscilação de 0,2 ponto (numa escala de 0 a 10) nos resultados do Saresp (Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar no Estado de São Paulo) e do Provão Paulista – valor menor do que a própria margem de erro da avaliação para a imensa maioria das escolas da rede estadual.

A REPU integra o Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

A análise se baseia nos microdados do Saresp e do Provão Paulista de 2023 e 2024, em relatórios técnicos do Saresp e em dados sobre o afastamento de diretores escolares obtidos junto às 91 Diretorias de Ensino da rede estadual via Lei de Acesso à Informação. A lista completa das escolas que tiveram seus diretores afastados é apresentada ao final da Nota Técnica.

PERDA DA COMPARABILIDADE NA AVALIAÇÃO ESTADUAL

O estudo aponta que a Seduc-SP interrompeu a série histórica do Idesp para o Ensino Médio e desmontou a função pública do Saresp como avaliação de sistema. A partir de 2023, o Saresp foi substituído no Ensino Médio pelo Provão Paulista, exame de seleção para ingresso nas instituições estaduais de Ensino Superior. Com isso, a Teoria de Resposta ao Item (TRI) – metodologia utilizada no Saresp que permite a comparabilidade das provas ao longo do tempo – foi substituída pela Teoria Clássica dos Testes (TCT), que não permite comparar provas aplicadas em anos diferentes nem construir escalas de proficiência entre séries escolares distintas. 

Os dados indicam que o Provão Paulista apresenta níveis de acerto muito baixos (com médias próximas a 2,0) em várias disciplinas, com padrões de resposta semelhantes a um padrão aleatório (100% de “chute”) – evidenciando que o exame definitivamente não serve para avaliar o sistema de ensino. 

“Uma professora de Física ou um de Biologia, por exemplo, são avaliados pelo desempenho dos seus alunos numa prova que é totalmente inadequada”, exemplifica Ewout ter Haar, professor do Instituto de Física da USP que assina o estudo e questiona “como estes jovens devem se sentir ao serem submetidos a questões que não têm a mínima condição de responder”. O pesquisador ressalta que a “Seduc-SP deixou de aplicar o Saresp para o Ensino Médio justamente quando era mais necessário acompanhar a recuperação das aprendizagens no período pós-pandemia e a implementação da reforma do Ensino Médio. A Secretaria cobra ‘resultados’ dos professores, numa métrica arbitrária e sem fundamento estatístico, mas se exime de avaliar o seu próprio desempenho na produção desses resultados”.

DENTRO DA MARGEM DE ERRO

A Seduc-SP considera “Insatisfatório” o desempenho de escolas que não alcançaram a metade da chamada meta “Ouro”, o que equivale a uma melhora média inferior a 0,2 ponto no Saresp/Provão Paulista entre 2023 e 2024. A análise dos pesquisadores demonstra, contudo, que 50,3% das 4.988 escolas analisadas não superaram esse limiar de 0,2 ponto – o que significa dizer que, caso a regra de afastamento de diretores fosse aplicada rigorosamente pela Seduc-SP, 2.509 escolas estariam sob risco de intervenção. Dessa forma, os 225 afastamentos de gestores escolares identificados na pesquisa não se fundamentam em um critério objetivo válido. 

O professor do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) Leonardo Crochik, outro dos responsáveis pela Nota Técnica, classifica a atual política de avaliação da Seduc-SP como “cruel, porque os estudantes, professores e diretores de escola são informados de que estão sendo avaliados o tempo todo e gastam uma quantidade enorme de energia na realização dessas provas. No entanto, as provas não possuem a qualidade mínima necessária para uma avaliação desse tipo e as notas obtidas não permitem de fato avaliar a evolução nem dos estudantes, nem das escolas”. Apesar disso – complementa Crochik –, “algumas escolas são premiadas e outras punidas, como se existisse algum critério objetivo para isso. Extremamente pressionada e sem conseguir desenvolver um trabalho pedagógico adequado, a rede de ensino fica buscando um resultado que é impossível de produzir e que não tem significado real”. 

As margens de erro da avaliação por escola, calculadas pelos pesquisadores, revelam que a “meta” estabelecida pela Seduc-SP para punir os diretores está dentro da própria flutuação estatística da avaliação. Na comparação dos resultados do 3º ano do Ensino Médio no Provão Paulista entre 2023 e 2024, mais de 90% das escolas apresentaram resultados estáveis dentro da margem de erro, independentemente de os seus diretores terem sido afastados ou não. Isso significa que a decisão pelo afastamento desses 225 diretores em particular, além de não ter critério objetivo, também não possui fundamentação estatística.

RECOMENDAÇÕES AO PODER PÚBLICO

Os pesquisadores advertem que a política de responsabilização de profissionais da

educação levada a cabo pela Seduc-SP – baseada em critérios inconsistentes e em

indicadores inválidos – produz como efeitos colaterais a desorganização dos projetos pedagógicos das escolas, o aumento da pressão sobre equipes docentes/gestoras e a concentração de esforços educacionais no mero treinamento para as avaliações oficiais, criando-se um ambiente escolar ao mesmo tempo fértil ao assédio institucional e inadequado aos processos formativos dos estudantes.

Fernando Cássio, professor da Faculdade de Educação da USP, integrante da Rede Escola Pública e Universidade (REPU) e do Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à educação que também assina a Nota Técnica, analisa essa situação a partir das conclusões do estudo: “não há dúvida de que a decisão sobre quais diretores afastar foi tomada em nível local, com cada dirigente regional de ensino escolhendo à sua maneira, inclusive a partir de motivações políticas. As autoridades da Seduc-SP se ocuparam apenas de, por meio da edição de normas inconsistentes, criar um clima de apreensão entre os

educadores. O objetivo é um só: induzir a ‘melhoria’ nos indicadores desejada pela

administração central, sem qualquer preocupação com metodologia ou com a validade dos indicadores”. O pesquisador ainda classifica o uso das avaliações em larga escala pela Seduc-SP como “temerário, do ponto de vista dos padrões administrativos e do planejamento do sistema de ensino”.

A partir dos achados da pesquisa, a Nota Técnica recomenda a reversão de todos os afastamentos de diretores escolares fundamentados na Resolução Seduc n. 12/2025, a apuração de responsabilidades pelo uso indevido de dados educacionais e pela descontinuidade do Idesp no Ensino Médio e que o Provão Paulista não seja utilizado como avaliação de sistema. A Nota Técnica está disponível para acesso público em: www.repu.com.br/notas-tecnicas; e www.gepud.com.br/manifestacoes.html.

(Foto: Divulgação/Seduc-SP)