Novo Plano Nacional de Educação: Campanha recomenda 10% do PIB público e blindagem da privatização e da financeirização, entre outros pontos

O Comitê Diretivo (CD) da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que é composto por 11 entidades (veja-as abaixo), publica posicionamento público nesta quarta (22/10) com sugestões ao Relator, Deputado Federal Moses Rodrigues (UNIÃO/CE), e à Comissão Especial do PL 2.614/2024, do novo Plano Nacional de Educação (PNE).
“Recomendamos expressamente à Comissão Especial do PNE, ao relator e às bancadas no Congresso a incorporação integral das sugestões de aperfeiçoamento aqui propostas. Em termos práticos, isso significa: restabelecer o patamar de investimento público mínimo de 10% do PIB, retirar a contabilização de gasto privado como meta do Plano, efetivar o CAQi/CAQ com cronograma e fontes definidas, vedar instrumentos de privatização e financeirização da política educacional, reinserir de forma transversal as agendas de direitos humanos, gênero e sexualidade, instituir o Sinaeb com avaliação institucional e foco em equidade, fortalecer a gestão democrática com financiamento a fóruns e conselhos e participação comunitária na escolha de direções escolares, valorizar carreiras com trajetória salarial e vínculos estáveis, e assegurar inclusão efetiva na Educação Especial (AEE no contraturno, sem modalidade remota, avaliação biopsicossocial para remover barreiras, e transversalidade da acessibilidade)”, diz o posicionamento.
As entidades defendem que a adoção dessas medidas não apenas corrige pontos de retrocesso como alinha o Plano à Constituição, às leis infraconstitucionais e à evidência técnica, protegendo o financiamento público, elevando padrões de qualidade (CAQ), garantindo direitos e reduzindo desigualdades históricas por raça, território, gênero, deficiência e condição socioeconômica.
“Reiteramos, portanto, a recomendação de acolhimento das emendas e ajustes propostos neste documento durante a fase de emendas e no parecer final, para que o PNE que chegará ao plenário e ao Senado seja, de fato, um pacto nacional por uma educação pública, gratuita, laica, inclusiva, equitativa e de qualidade socialmente referenciada — capaz de entregar aprendizagem com dignidade para todas as pessoas e de sustentar o desenvolvimento soberano do país na próxima década”, pontuam as entidades.
Leia o posicionamento na íntegra aqui e, abaixo, veja o resumo-executivo do documento.
Assina o Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação:
Ação Educativa
ActionAid Brasil
Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação - Fineduca
Centro de Cultura Luiz Freire - CCLF
Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará - Cedeca/CE
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação - CNTE
Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil - Mieib
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST
Rede Escola Pública e Universidade - REPU
União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação - Uncme
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação - Undime
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Andressa Pellanda, coordenadora geral
Daniel Cara, coordenador honorário
Cássia Jane, Instituto Campanha
Alcir Braga, região Norte
Patrícia Maltez dos Santos, região Nordeste
Mariete Felix Rosa, região Centro-Oeste
Maria Teresa Avance, região Sudeste
Cris Mainardi, região Sul
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RESUMO EXECUTIVO
Sugestões prioritárias de aperfeiçoamento ao PNE 2026–2036 (PL 2.614/2024)
Demanda: preservar os avanços do substitutivo (CAQ/infraestrutura, metas de acesso e inclusão, governança bienal, PNAE e VAAT) ao PL 2.614/2024, incorporando integralmente as sugestões abaixo para sanar fragilidades de financiamento, qualidade, direitos humanos e gestão democrática.
1) Financiamento e CAQ
- Restabelecer 10% do PIB em gasto público em educação ao final da vigência, com trajetória anual e marcos intermediários verificáveis.
- Excluir do texto qualquer confusão entre gasto público e gasto privado das famílias (remover a referência a 11% “total” com 3,5% privados).
- Implementar o CAQ com cronograma nacional, padrões por etapa/modalidade/jornada/tipo de escola e plano federativo de equalização (responsabilidades e transferências da União).
- Anexar fontes públicas (Cf. Eixo VI da Conae 2024): royalties/participações especiais de petróleo e gás, fundo soberano, revisão de renúncias fiscais ineficientes, vinculações e fundos setoriais — com blindagem anticontingenciamento.
- Vedação explícita a instrumentos de financeirização/privatização (vouchers, PPPs que onerem receitas educacionais, endividamento atrelado à oferta educacional) e adoção dos Princípios de Abidjan como referencial regulatório.
- Afirmar que gestão e planejamento da rede pública são funções exclusivamente públicas (vedada a terceirização da gestão escolar/pedagógica e da avaliação sistêmica).
2) Governança, revisão de metas e avaliação
- Incluir cláusula de não-retrocesso: qualquer revisão em 2030 não pode reduzir direitos, cobertura, qualidade ou financiamento.
- Exigir justificativa técnico-orçamentária, participação social qualificada e quórum qualificado para alterações e/ou revisões.
- Instituir o Sinaeb, integrando avaliações externas com avaliação institucional e autoavaliação institucional, indicadores de contexto (CAQ, infraestrutura, condições de trabalho) e foco formativo.
- Fixar metas de aprendizagem com equidade (redução de desigualdades raciais, territoriais e por públicos da inclusão), não só médias agregadas.
3) Currículo, direitos humanos, gênero e sexualidade
- Reincluir explicitamente agendas de diversidade, gênero, sexualidade e educação sexual integral como eixo transversal: acesso, permanência, conclusão, formação docente, currículo, materiais pedagógicos, protocolos de prevenção e resposta a violências (racistas, de gênero, LGBTfóbicas, capacitistas).
- Manter “empreendedorismo” apenas no marco de formação integral e politécnica, com educação econômica crítica e direitos trabalhistas.
4) Educação Digital, conectividade e dados
- Garantir conectividade significativa (metas de banda/latência/dispositivos/suporte técnico-pedagógico) para todas as escolas e estudantes.
- Afirmar autonomia e soberania tecnológicas e priorizar Recursos Educacionais Abertos e soluções de código aberto, com acessibilidade universal.
- Alinhar uso de IA às diretrizes do CNE/2025 (transparência algorítmica, mitigação de vieses, proteção de dados, etc.).
- Prever dados abertos e microdados desagregados, com relatórios públicos bienais e planos de correção de rumos.
5) Desafios de equidade
- Educação indígena, do campo e quilombola: recolocar a qualidade como atributo da oferta; criar doutorados específicos; ampliar Procampo e Pronera, com financiamento dedicado e participação de organizações representativas.
- EJAI: meta de universalização da conclusão da educação básica para jovens, adultos e idosos; busca ativa intersetorial; itinerários flexíveis; reconhecimento de saberes; permanência (bolsas, creches, transporte, alimentação, oferta noturna).
- Privação de liberdade e socioeducativo: metas específicas de acesso, permanência, certificação e transição educacional/profissional; ambientes pedagógicos adequados; equipe formada; integração com saúde e assistência.
- Educação infantil: construir uma educação de qualidade universal para a primeira infância, com especial atenção aos bebês (0-2 anos) e à etapa da creche (0-3 anos).
- Alfabetização na “idade certa” (articulação EI-EF)
- Revisão da diretriz de alfabetização precoce; foco no ciclo da alfabetização, apoio intensivo à EI e monitoramento formativo para evitar pressões de alfabetização e empobrecimento curricular na Educação Infantil.
- Infraestrutura e ambientes educativos
- Padrões CAQ para espaços da EI (salas, banheiros infantis, pátios/áreas externas, brinquedotecas, parquinhos, ambientes sensoriais); segurança, conforto ambiental e equipes multiprofissionais.
- Territórios e modalidades específicas
- Qualidade e financiamento dedicado para EI indígena, do campo e quilombola; ampliação de programas estruturantes (Procampo/Pronera) e formação/pós-graduação para profissionais dessas redes.
- Oferta, acesso e jornada:
- Universalização da pré-escola (4–5) e expansão de creches (0–3), com busca ativa, organização da rede sob planejamento público e ampliação gradual da jornada integral.
- Mudar “o quintil de renda”, para “quartil de renda”, que é utilizado pelo IBGE como padrão . Permanecer “quintil”, pode impactar na dificuldade de cruzamento e metrificação no monitoramento da meta 1b.
6) Educação Profissional e Tecnológica (EPT)
- Priorizar EPT integrada; restringir concomitância a exceções com salvaguardas de qualidade.
- Ampliar substancialmente a participação pública (acima de 50%), com expansão federativa, laboratórios, estágios com direitos e métricas de inserção laboral digna.
- Reverter a lógica de expansão em instituições privadas: usar contratação apenas suplementar e temporária, com cláusulas de qualidade, transparência de custos, resultados e saída.
7) Ensino superior
- Elevar metas de acesso para 18–24 e 25–30 anos; expandir vagas públicas e interiorizar a oferta.
- Tornar a assistência estudantil um direito com financiamento estável e critérios de equidade.
8) Educação Especial — ajustes estruturantes
- Fixar AEE exclusivamente no contraturno (caráter suplementar/complementar).
- Excluir AEE remoto e serviços de rede de apoio à distância.
- Retirar observatórios/rede nacional paralela; recentrar formação e monitoramento nos entes federados, em regime de colaboração, e na escola comum.
- Vincular a avaliação biopsicossocial ao mapeamento de barreiras e organização de suportes; vedar uso para segregar/categorizar/impedir acesso.
- Transversalizar deficiência e acessibilidade em todo o PNE (da EI à pós, formação docente, gestão e financiamento).
9) Valorização e trabalho
- Trajetória de equiparação ao Salário Mínimo Necessário (Dieese) para o magistério, com marcos anuais.
- Instituir piso nacional para demais profissionais da educação.
- Elevar vínculo estável para ≥90% no magistério e estabelecer metas para as demais categorias; concursos periódicos; carreiras atrativas.
- Incentivar dedicação em uma única escola, tutoria entre pares, formação em serviço e jornada com tempo para planejamento.
10) Gestão democrática e desmilitarização
- Garantir participação da comunidade na escolha de diretores (eleição/lista tríplice com critérios técnicos).
- Tornar grêmios estudantis e conselhos escolares obrigatórios em todas as unidades, com meta específica.
- Assegurar financiamento regular para fóruns e conselhos de educação (funcionamento, formação, logística).
- Implementar plano de desmilitarização responsável onde houver escolas militarizadas, com cronograma e apoio técnico.
Recomendação final: a Comissão Especial do PNE e o relator devem incorporar integralmente estas sugestões no parecer final e no texto do substitutivo, garantindo um plano público, gratuito, laico, inclusivo, equitativo e de qualidade socialmente referenciada, com financiamento público suficiente (≥10% do PIB), CAQ efetivo, direitos humanos no centro, valorização das equipes e gestão democrática real para a próxima década.
(Foto: Divulgação/Seduc-SP)