Posicionamento público em defesa de um Sistema Nacional de Educação justo, equitativo e efetivo: um chamado em 10 pontos ao Senado Federal

"É imperativo que o Senado corrija as graves distorções imprimidas ao texto, retomando as conquistas já consolidadas e garantindo que a lei cumpra seu papel de organizar a cooperação federativa para superar as históricas desigualdades educacionais"

 

Em defesa de um Sistema Nacional de Educação justo, equitativo e efetivo: um chamado em 10 pontos ao Senado Federal (PDF)

Brasil, 08 de setembro de 2025.

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, rede que articula centenas de organizações e movimentos em defesa da educação pública brasileira, vem a público manifestar profunda preocupação com o substitutivo ao Projeto de Lei que institui o Sistema Nacional de Educação (SNE), aprovado na Câmara dos Deputados. A construção do SNE é um marco civilizatório e não pode ser aprovada de forma acelerada, sem o devido e qualificado debate com a sociedade e especialistas. 

É imperativo que o Senado Federal corrija as graves distorções imprimidas ao texto, retomando as conquistas já consolidadas e garantindo que a lei cumpra seu papel de organizar a cooperação federativa para superar as históricas desigualdades educacionais do país. 

Apresentamos, portanto, propostas de melhorias que nada mais são do que ajustes necessários para devolver ao texto sua força original e seu potencial transformador.

1. Do financiamento adequado e justo da educação pública brasileira

(a) É fundamental que o Custo Aluno Qualidade (CAQ) garanta insumos necessários como um piso salarial para os profissionais da educação, política de carreira, número adequado de crianças/ estudantes por turma, biblioteca e sala de leitura, laboratório de ciências, internet banda larga, quadra poliesportiva coberta, alimentação nutritiva, transporte escolar digno, banheiros, água potável, acesso a tratamento de água e esgoto, energia elétrica, ventilação adequada, infraestrutura sustentável baseada na natureza.

(b) A supressão do dispositivo que determinava à União a suplementar recursos para entes que não atingissem o CAQ esvazia o caráter redistributivo do sistema. Sem essa referência explícita, a complementação financeira perde seu foco na equalização e no padrão mínimo de qualidade, perpetuando desigualdades regionais, e deve ser reintegrada.

(c) É crucial distinguir claramente o custeio da educação (vinculado ao CAQ e ao padrão mínimo de qualidade constitucional) da avaliação educacional. A fusão desses conceitos no texto gera riscos - inclusive sob o conceito de “padrão de qualidade” - de aprofundamento das desigualdades.

(d) O financiamento deve seguir parâmetros nacionais do CAQ, com variação apenas na aplicação dos valores de acordo com as diversidades territoriais, e não na definição dos insumos essenciais.

(e) No ensino superior, a proposta de “padrões de qualidade” é potencialmente interessante, mas a ausência de detalhamento sobre seu vínculo com o financiamento e a falta de debate de uma proposição tão nova com ampla participação das comunidades acadêmica e científica é um risco e precisa ser melhor balizado.

2. Do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SINAEB)

(a) O SINAEB, estabelecido pela EC 108/2020, representa um avanço ao ampliar o conceito de avaliação para além de testes padronizados, incorporando dimensões como qualidade, equidade, eficiência, condições de oferta, contextos territoriais e a escuta/participação da comunidade escolar.

(b) A retirada do termo “Sistema” do texto esvazia esse avanço, uma vez que o sistema indica um conjunto de elementos/conceitos interdependentes para fortalecer o todo, quanto ao direito à educação com qualidade e equidade. É imperativo restabelecer a redação que trata de um sistema de avaliação, e não apenas de políticas avaliativas pontuais.

(c) Ainda, os princípios do SINAEB devem incluir: o caráter ético, político, público e republicano nos processos avaliativos; o respeito à identidade e à diversidade dos sistemas e redes de ensino e suas instituições de educação básica; a regularidade na coleta e disponibilização de dados, séries históricas, informações e outros documentos orientadores produzidos pelo SINAEB; a transparência na divulgação dos objetivos, das metodologias e dos resultados das avaliações; a promoção do acesso e do uso das evidências produzidas pelo SINAEB para gestores, legisladores, órgãos governamentais e sociedade em geral, com vistas ao aprimoramento das políticas educacionais das diferentes esferas de governo; o estabelecimento de formas de colaboração entre os sistemas, redes de ensino e as instituições de educação básica para a construção de metodologias participativas e dialógicas para os processos de avaliação, a utilizar dimensões avaliadas, com apoio de instituições de educação superior, de organizações de pesquisa e da sociedade civil; a articulação com o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - SINAES; a articulação com o Custo Aluno Qualidade (CAQ), de modo a fornecer indicadores para a avaliação dos padrões mínimos de qualidade do ensino. ação das informações produzidas e o aprofundamento do entendimento dos aspectos e dimensões avaliadas, com apoio de instituições de educação superior, de organizações de pesquisa e da sociedade civil.

(d) Suas diretrizes devem priorizar a universalização do atendimento escolar, a melhoria da qualidade do aprendizado, a valorização dos profissionais da educação, a gestão democrática, e a superação das desigualdades educacionais.

3. Do fortalecimento da gestão democrática

(a) É vital fortalecer a participação social nas instâncias de governança, por meio do reconhecimento e acompanhamento dos fóruns de educação, do CNE, e da garantia de realização das Conferências Nacionais de Educação com participação efetiva da comunidade educacional e da sociedade civil. Nesse sentido, o texto aprovado em 2022 no Senado é mais completo e necessita ser retomado.

(b) É fundamental também que no SINAEB a participação social seja garantida, por meio do tripartismo na educação, bem como o acesso à informação e à transparência com sujeição aos controles interno, externo e social, em consonância com a Lei 12.527/2011.

4. Das competências dos Entes Federados

(a) A competência da União em financiar diretamente as instituições federais de ensino deve ser restabelecida com clareza para evitar ambiguidades jurídicas e garantir a segurança orçamentária dessas instituições, fundamentais para o desenvolvimento nacional.

(b) A competência da União em assegurar a oferta educacional para populações do campo, indígenas, quilombolas, dos povos das águas e das florestas,  sem prejuízo das contrapartidas locais, é uma obrigação constitucional de equidade. Sua retirada representa um grave retrocesso social e deve ser revertida.

(c) A obrigação dos Estados de equalizar a oferta educacional com referência explícita ao CAQ é central para o regime de colaboração. Sem essa referência, a redistribuição de recursos perde seu caráter técnico e pode perpetuar a meritocracia, privilégios e negligências.

(d) A competência municipal de elaborar seus planos de educação com ampla participação social deve ser mantida e reforçada, assegurando que os planos sejam pactos sociais legítimos e factíveis. É igualmente crucial prever assistência técnica e financeira para municípios com menor capacidade institucional.

5. Das Instâncias Normativas no Sistema Nacional de Educação

(a) A exclusão da Câmara de Apoio Normativo (CAN) foi acertada, pois preserva as instâncias consolidadas (MEC, CNE, Conselhos Estaduais e Municipais) e evita sobreposições e conflitos de atribuição.

(b) A proposta de integrar conselhos de controle social (como FUNDEB e alimentação escolar) como câmaras dos Conselhos de Educação carece de maior debate, pois se não bem regulado pode fragilizar a autonomia e a função específica desses conselhos.

6. Das Instâncias de Participação e Controle Social

(a) A composição dos Fóruns de Educação deve ser detalhada e plural, como previa o texto do Senado, evitando a redação genérica que abre espaço para manipulação e exclusão de segmentos sociais representativos; esvaziando a participação social representativa.

(b) As atribuições do FNE devem ser substantivas, incluindo “monitorar e avaliar” o PNE, e não apenas “acompanhar”, garantindo um controle social efetivo.

(c) Garantias orçamentárias e de funcionamento para os fóruns são essenciais para que não se tornem instâncias fantasma, dependentes da vontade política momentânea e, sim, para pautar e respeitar os princípios da educação brasileira e a garantia do direito à educação.

(d) As conferências municipais e estaduais devem ser etapas obrigatórias para a nacional, com organização e representatividade definidas, para assegurar um processo democrático e descentralizado; mantendo o princípio republicano e de participação social.

7. Dos instrumentos ou funções integradoras do SNE

(a) A organização do SNE em cinco funções integradoras (Governança, Planejamento, Padrões de Qualidade, Financiamento e Avaliação) é um avanço conceitual.

(b) Entretanto, a exclusão de menções específicas ao “planejamento e avaliação periódicos e participativos” e aos “mecanismos automáticos de redistribuição de recursos” representa um retrocesso que precisa ser revisto, pois fragiliza o princípio constitucional do direito à educação.

8. Do Planejamento da Educação Nacional

(a) Um calendário articulado para a elaboração dos planos decenais em todos os níveis é fundamental para a sincronia federativa, um acerto do Senado, retirado na Câmara.

(b) Mecanismos robustos de monitoramento e avaliação, com prazos e componentes obrigatórios definidos nacionalmente, são necessários para evitar que os planos não saiam do papel.

(c) A participação social deve ser ampla e diversificada, indo além das conferências, e o planejamento deve estar explicitamente vinculado à assistência técnica e financeira.

9. Dos Territórios Etnoeducacionais Indígenas e Quilombolas, dos povos das águas e das florestas

(a) O texto deve restabelecer mecanismos concretos de participação e controle social, como fóruns permanentes de negociação e a exigência de anuência das comunidades para decisões sobre escolas em seus territórios. Ainda, a terminologia e o conceito de Territórios Etnoeducacionais deve ser retomado.

(b) É imperativo prever processos avaliativos específicos que respeitem as particularidades da educação indígena e quilombola, dos povos das águas e das florestas garantidos no texto anterior, do Senado.

10. Diante de todos esses pontos, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação conclama o Senado Federal a promover as correções necessárias, com ênfase e respeito à participação democrática, para que o Sistema Nacional de Educação seja, de fato, um instrumento de promoção da justiça federativa, da equidade e da qualidade social da educação para todas as pessoas no Brasil. Contamos com a sensibilidade e o compromisso dos Senadores e Senadoras com o futuro da educação pública brasileira para todas as pessoas. Estamos à disposição para colaborar com os debates e subsidiar tecnicamente a construção de um texto que honre esse projeto tão crucial para o país.

 

Assina o Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Ação Educativa
ActionAid Brasil
Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação - Fineduca
Centro de Cultura Luiz Freire - CCLF
Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará - Cedeca/CE
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação - CNTE
Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil - Mieib
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST
Rede Escola Pública e Universidade - REPU
União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação - Uncme
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação - Undime
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Andressa Pellanda, coordenadora geral
Daniel Cara, coordenador honorário
Cássia Jane, Instituto Campanha
Alcir Braga, região Norte
Patrícia Maltez dos Santos, região Nordeste
Mariete Felix Rosa, região Centro-Oeste
Maria Teresa Avance, região Sudeste
Cris Mainardi, região Sul

 

(Foto: Henderson Alves/SEED-PR)