Custo Aluno-Qualidade (CAQ) é apresentado na ONU como modelo de financiamento inovador público para a educação

Campanha Brasileira, também representando Campanha Latino-Americana, reivindica mecanismo constitucionalizado pelo Brasil para referenciar Protocolo Opcional para a garantia da educação básica pública de qualidade à Convenção dos Direitos das Crianças

 

O Custo Aluno-Qualidade (CAQ) é um modelo de financiamento inovador público que pode ser referência para protocolo sobre os direitos da criança a ser criado pelo Comitê dos Direitos da Criança (CDC) da Organização das Nações Unidas (ONU).

É o que defendem a Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (Clade) e a Campanha Brasileira pelo Direito à Educação, em Genebra, nesta quarta, 03/09. 

As entidades incidem presencialmente no Conselho de Direitos Humanos, em diálogos da primeira sessão do Grupo de Trabalho Intergovernamental de Composição Aberta do Comitê dos Direitos da Criança/ONU. O objetivo das tratativas é a construção de um protocolo facultativo à Convenção referente aos direitos à educação infantil, à educação pré-escolar gratuita e ao ensino médio gratuito.

O CAQ – mecanismo de financiamento concebido pela Campanha Brasileira e constitucionalizado na Emenda Constitucional 108/2020 do novo e permanente Fundeb – foi apresentado na discussão sobre “mecanismos financeiros inovadores e sustentáveis para apoiar a implementação plena e efetiva da educação pública pré-escolar e do ensino médio gratuito para todas as crianças”.

A coordenadora geral da Campanha Brasileira, Andressa Pellanda, – que representa as entidades em Genebra, ao lado de Giovanna Modé, assessora de políticas e advocacy da Campanha Global – discursou na referida discussão destacando que o CAQ responde a uma pergunta simples, porém revolucionária: “Qual é o investimento público necessário por estudante para garantir uma educação de qualidade?”

“[O CAQ] é um parâmetro legalmente definido que calcula o custo mínimo para a dignidade, cobrindo tudo, desde salários adequados para os professores e infraestrutura até materiais de ensino e desenvolvimento profissional. Mas uma de suas características mais transformadoras é seu poder de transparência e prestação de contas. O CAQ cria um padrão claro, objetivo e mensurável contra o qual toda despesa pública em educação pode ser julgada. Para os gestores, fornece uma base técnica clara para o planejamento e a execução orçamentária, transferindo as decisões dos caprichos políticos para as necessidades objetivas. Para os Ministérios Públicos e os Órgãos de Controle, esta é precisamente a razão pela qual eles estão entre seus mais firmes apoiadores. O CAQ lhes dá um parâmetro legal e técnico concreto para auditar as contas governamentais, exigir explicações e, se necessário, tomar medidas legais para garantir que o financiamento necessário seja alocado. Ele transforma o direito à educação em uma demanda auditável. Para a sociedade civil, capacita os cidadãos a monitorar e exigir o cumprimento da obrigação do Estado”, defendeu Pellanda.

CAQ traduz em valores o quanto o Brasil precisa investir por aluno ao ano, em cada etapa e modalidade da educação básica pública, para garantir um padrão de qualidade do ensino.

Ele assegura a adequação do tamanho das turmas, formação inicial e continuada dos educadores, salários e carreira compatíveis com a responsabilidade dos profissionais da educação, instalações, equipamentos e infraestrutura adequados, como laboratórios, bibliotecas, quadras poliesportivas cobertas, materiais didáticos, entre outros.

A ideia central do CAQ é que a garantia de insumos adequados é condição necessária – ainda que não suficiente –, para o cumprimento do direito humano à educação e para a qualidade do ensino.

“Portanto, enquanto deliberamos sobre um protocolo opcional, apresento o CAQ como um modelo. Ele demonstra que o verdadeiro financiamento inovador é público, transparente e enraizado no cálculo inequívoco do direito à qualidade. É uma ferramenta que transforma uma promessa constitucional em uma linha orçamentária tangível e responsável. Sejamos ousados. Defendamos mecanismos financeiros tão fortes e garantidos quanto os direitos que foram projetados para proteger”, disse Pellanda no discurso.

Por que ter um protocolo
Em declaração conjunta, as entidades detalham o incentivo “à elaboração de um Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança, com foco no direito à educação na primeira infância, à educação pré-primária gratuita e ao ensino secundário gratuito”. A manifestação foi  endereçada à primeira sessão do Grupo de Trabalho Intergovernamental de Composição Aberta do CDC/ONU.

As entidades acreditam que a criação de um protocolo facultativo é a mais acertada e estratégica, pois reforça a importância e dá maior solidez a um tratado já existente e fundamental: a Convenção sobre os Direitos da Criança. Ele introduz um novo tema, ampliando um direito já consagrado, mas que carece de especificação e aprofundamento. O outro motivo é que o documento proporciona aos Estados a oportunidade única de discutir internamente e, subsequentemente, aderir internacionalmente a novos compromissos, de forma mais específica e vinculante.

“Ainda que facultativo, tal protocolo tende a ser altamente eficaz. Se um Estado participa ativamente de sua elaboração, assina e ratifica, demonstra um genuíno interesse em cumpri-lo. Para os Estados que, inicialmente, não o ratificarem, o protocolo servirá como uma importante ferramenta de soft law – um guia normativo a ser seguido e um instrumento crucial para que organizações da sociedade civil, tanto nacionais quanto internacionais, possam advogar e pressionar seus governos pela sua implementação e, eventualmente, pela sua ratificação”, afirmou Pellanda em representação à Campanha Brasileira e à Clade.

Para elas, o protocolo criará um novo procedimento, permitindo que indivíduos ou grupos apresentem petições ao CDC/ONU em casos de violações destes direitos por parte dos Estados signatários, fortalecendo significativamente os mecanismos de proteção e accountability.

ACESSE A DECLARAÇÃO CONJUNTA

Lacuna legal
No discurso oficial representando as entidades, Pellanda ressaltou que a Convenção sobre os Direitos da Criança garante educação primária gratuita, “mas é silenciosa quanto à educação infantil, incluindo a educação pré-primária”. Ela pontua que, para a educação secundária, há previsão por uma progressiva implementação e acessibilidade, mas não é estabelecido um direito claro e exigível à educação pública secundária gratuita para todas as crianças. “Enquanto não fecharmos esta lacuna legal, milhões de crianças permanecerão excluídas da aprendizagem”, afirma.

“O protocolo esclareceria e atualizaria as obrigações dos Estados sob o direito internacional, estabelecendo um padrão global claro e levando os governos a reexaminar suas leis, políticas e orçamentos, alinhando-os com uma visão universal de educação gratuita desde a primeira infância até o ensino médio”, detalha.

As entidades destacam que o protocolo estaria sujeito à revisão independente do Comitê dos Direitos da Criança, promovendo a responsabilização.

Pellanda lembra que a elaboração de protocolos facultativos é um processo eficiente e bem estabelecido para avançar as proteções legais internacionais. Com a vontade política e o foco dos Estados-membros presentes em Genebra, disse ela, poderíamos ver melhorias mensuráveis em apenas alguns anos – mudando a vida de milhões.

“A educação não pode esperar. Cada ano de atraso nega a milhões não apenas educação, mas também dignidade, oportunidade e esperança”, reivindica.

(Foto: Suami Dias/GOVBA)