Presidente da Campanha Global pela Educação defende reforma dos sistemas tributários e fim de fluxos financeiros ilícitos

É preciso, urgentemente, ampliar a base tributária por meio de reformas fiscais progressivas, do âmbito global para o local. Em paralelo, é imprescindível acabar com os fluxos financeiros ilícitos – como a evasão fiscal, a transferência de lucros por corporações e a corrupção – que drenam bilhões anualmente de economias já pressionadas financeiramente, aprofundando a desigualdade e limitando o acesso à educação, saúde e infraestrutura.
Quem faz essa defesa é Refat Sabbah, presidente da Campanha Global pela Educação (CGE), em artigo publicado no blog da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), na quarta (09/07).
“Hoje, os governos perdem cerca de 480 bilhões de dólares por ano devido a abusos fiscais”, escreve o palestino, membro do Comitê de Alto Nível da ONU para o Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4, da educação.
“Receitas significativas podem ser geradas com a implementação de impostos progressivos sobre a riqueza—políticas que poderiam, de forma fundamental, transformar o modo como financiamos a educação pública. (...) Como enfatizamos ao longo da preparação para a 4ª Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento [FfD4, da ONU]: reformar a arquitetura financeira global é essencial. Sem isso, os países não terão espaço fiscal para investir na educação pública”, afirmou.
“Para realmente romper os ciclos de exclusão, o financiamento da educação deve ser conscientemente direcionado ao fortalecimento da justiça social por meio da educação pública”, reforçou.
Sabbah participou da FfD4 representando a sociedade civil global em eventos oficiais. A Campanha Brasileira pelo Direito à Educação, que compôs comitiva com a CGE e a Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (Clade), também participou presencialmente, em Sevilha, na Espanha, na última semana.
Abaixo, leia a tradução para o português do texto de Sabbah.
*
Reforma dos sistemas tributários e fluxos financeiros ilícitos
Por Refat Sabbah, presidente da Campanha Global pela Educação e membro do Comitê de Alto Nível para o ODS 4
Os Estados são responsáveis por garantir o direito à educação para todas as pessoas. Para cumprir essa obrigação, devem financiar a educação ao máximo de seus recursos disponíveis, conforme consagrado no direito internacional dos direitos humanos. Isso significa garantir um financiamento público adequado, sustentável e de longo prazo, colocando o investimento em uma educação pública e inclusiva no centro das prioridades nacionais.
Transformar o financiamento da educação exige ir além dos compromissos atuais. Precisamos de soluções universais, sustentáveis e sistêmicas para mobilizar mais recursos, aumentar a equidade e a eficiência nos gastos, além de melhorar os dados e a responsabilização no financiamento da educação.
Uma das principais prioridades que temos enfatizado consistentemente ao longo dos anos é a necessidade urgente de ampliar a base tributária por meio de reformas fiscais progressivas. Hoje, os governos perdem cerca de 480 bilhões de dólares por ano devido a abusos fiscais. Os fluxos financeiros ilícitos—como a evasão fiscal, a transferência de lucros por corporações e a corrupção—drenam bilhões anualmente de economias já pressionadas financeiramente, aprofundando a desigualdade e limitando o acesso à educação, saúde e infraestrutura.
Receitas significativas podem ser geradas com a implementação de impostos progressivos sobre a riqueza—políticas que poderiam, de forma fundamental, transformar o modo como financiamos a educação pública.
Esse chamado à ação foi claramente articulado pelo movimento educacional durante a Cúpula sobre Transformação da Educação, há três anos. Devemos manter o compromisso com a obtenção de índices adequados de arrecadação tributária em relação ao PIB, por meio de reformas fiscais ambiciosas e progressivas—acompanhadas de compromissos claros de investimento na educação pública. Esses esforços devem incluir a destinação protegida de recursos para a educação, bem como o aumento do investimento por estudante. É inaceitável que países de baixa renda gastem atualmente apenas 55 dólares por aluno por ano, em comparação com 8.532 dólares nos países de alta renda.
As negociações em curso para uma nova Convenção-Quadro da ONU sobre Tributação representam uma oportunidade crítica. Se bem conduzidas, podem permitir que todos os países ampliem suas receitas tributárias de maneira justa e equitativa. Iniciativas ousadas como a proposta do G20 de um “imposto sobre bilionários” coordenado internacionalmente também devem ser levadas adiante. As receitas geradas devem ser direcionadas ao investimento no setor público, especialmente na educação.
Como enfatizamos ao longo da preparação para a 4ª Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento: reformar a arquitetura financeira global é essencial. Sem isso, os países não terão espaço fiscal para investir na educação pública.
Isso também exige a reforma dos sistemas de dívida—eliminando condições prejudiciais que obrigam cortes na educação. Hoje, 50% dos países de baixa renda gastam mais com o pagamento da dívida do que com a educação.
Precisamos com urgência de cancelamento de dívidas e de uma reestruturação fundamental da arquitetura global da dívida—é por isso que apoiamos fortemente o estabelecimento de uma Convenção-Quadro da ONU sobre Dívida.
Por fim, o financiamento da educação jamais deve ser desconectado do propósito da própria educação. Não basta simplesmente aumentar os orçamentos. Se esses investimentos não forem guiados por princípios de equidade, participação e justiça, correm o risco de reforçar—em vez de desmantelar—as desigualdades existentes. Para realmente romper os ciclos de exclusão, o financiamento da educação deve ser conscientemente direcionado ao fortalecimento da justiça social por meio da educação pública.
(Foto: Divulgação/Campanha Global pela Educação)