Múltiplas crises globais estão na raiz e retroalimentam a financeirização da educação; aula na Escola Nacional Florestan Fernandes, do MST, aprofunda a discussão

Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, dividiu aula presencial com Valter de Jesus Leite, membro da coordenação nacional do setor de educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), nesta segunda (07/07), na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), do MST.
Os especialistas foram convidados pela instituição de ensino para ministrar um seminário sobre a financeirização da educação nos âmbitos internacional, nacional e da educação do campo à turma “Maria Carolina de Jesus” do mestrado em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe. O curso, da área de Geografia, é constituído por meio de convênio com a Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a Cátedra Unesco de Educação do Campo.
Crítica à teoria do capital humano
Pellanda detalhou as origens e particularidades das reformas neoliberais no mundo e no Brasil. Descreveu como conjuntos de medidas tomadas por organismos internacionais em conjunto com a elite de países ricos, particularmente das que compuseram o Consenso de Washington, influenciam políticas públicas de inspiração tecnocrática e de austeridade fiscal.
A doutora em Ciências do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo (USP) destacou que a atual crise da ordem liberal global, que leva à queda das democracias liberais e à ascensão de governos populistas e autoritários, promove um vácuo de compromissos internacionais. Esse cenário fragiliza a cooperação e a governança global baseada em regras compartilhadas multilateralmente, principalmente aquelas de garantia em direitos humanos.
Para ela, no cenário educacional, mesmo dentro dessas crises, um dos principais efeitos é o avanço da defesa da agenda de capital humano – conceito batizado pelo Banco Mundial e utilizado para embasar políticas utilitaristas –, que está presente no desenho de políticas neoliberais, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a reforma do Ensino Médio.
Uma das principais consequências dessas políticas é o agravamento de desigualdades educacionais, especialmente no campo e entre populações vulnerabilizadas. Pellanda reforça que a visão do capital humano é completamente oposta à formação integral da pessoa e, portanto, é contrária ao direito à educação.
Precarização e fechamento de escolas do campo
Valter de Jesus Leite, que representa o MST e o Fórum Nacional de Educação do Campo (Fonec), contextualizou as últimas décadas de políticas direcionadas à educação do campo, que são afetadas pelas políticas de financeirização.
Leite abordou como a precarização das condições de ensino e o fechamento massivo de escolas rurais estão ligadas a políticas neoliberais. Ele destacou que esse processo gera grande piora nas condições de trabalho das/os docentes, dando o exemplo da Base Nacional Comum para a Formação de Professores (BNC-Formação), que promove uma padronização e tecnicização da formação de professoras/es, e não considera especificidades culturais, sociais e materiais das comunidades rurais.
Um levantamento do Fonec aponta que, entre 2002 e 2022, foram encerradas 155.383 escolas em todo o Brasil. Desse total, quase 50 mil estavam em áreas urbanas, enquanto 106.410 eram localizadas em zonas rurais.
Nesse sentido, Leite ressaltou que a luta por financiamento adequado em todos os territórios precisa enfrentar o lobby do capital privado em espaços de poder, em especial no Congresso Nacional.
ENFF/MST
Situada em Guararema (a 70 km de São Paulo), a ENFF/MST, inaugurada em 23 de janeiro de 2005, foi construída entre os anos de 2000 e 2005, graças ao trabalho voluntário de mais de mil trabalhadores sem terra e apoiadores.
Sua missão é a de atender às necessidades da formação de militantes de movimentos sociais e organizações que lutam por um mundo mais justo.
Os recursos para a sua construção foram obtidos com a venda de fotos de Sebastião Salgado e do livro “Terra” (fotos de Sebastião Salgado, texto de José Saramago e música de Chico Buarque), e mediante a contribuição de entidades da classe trabalhadora do Brasil, da América Latina e de várias partes do mundo.
Os recursos para a sua manutenção e funcionamento são obtidos por meio de financiamento de projetos nacionais e internacionais, por doações de organizações e movimentos sociais, além da colaboração individual voluntária de um número crescente de mulheres e homens que apoiam o projeto.
Formação
Já passaram pela ENFF/MST mais 24 mil pessoas que participaram de cursos, seminários, conferências e visitas, oriundas de movimentos sociais do campo e da cidade, de todos os Estados do Brasil, de outros países da América Latina e da África.
Mais de 500 professores voluntários (do Brasil, demais latino-americanos e de outras regiões) apoiam a escola nas áreas de Filosofia Política, Teoria do Conhecimento, Sociologia Rural, Economia Política da Agricultura, História Social do Brasil, Conjuntura Internacional, Administração e Gestão Social, Educação do Campo e Estudos Latino-americanos.
Além disso, oferece cursos superiores e de especialização, em convênio com mais de 35 universidades (por exemplo, Serviço Social e Direito) e o mestrado e doutorado em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe.
A ENFF também mantém convênio com mais de 15 escolas de formação em outros países.
(Foto: Campanha Nacional pelo Direito à Educação)