Por justiça tributária global e local, Campanha participa presencialmente da 4ª Conferência Internacional sobre o Financiamento do Desenvolvimento (FfD4) da ONU, na Espanha

Para fortalecer a defesa por uma reforma estrutural no sistema tributário global e local, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação participa presencialmente, de 30 de junho a 3 de julho, da 4ª Conferência Internacional sobre o Financiamento do Desenvolvimento (FfD4) da Organização das Nações Unidas (ONU), em Sevilha, na Espanha.
Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha, e Helena Rodrigues, coordenadora-executiva da Campanha, integram a programação de eventos oficiais e paralelos à Conferência. A Campanha compõe comitiva com a Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (Clade).
O fórum é um dos mais representativos para a incidência nas políticas de financiamento entre os Estados-Membros da ONU, e junto a delegados, parlamentares e autoridades de organismos multilaterais.
Os principais objetivos da Campanha, alinhados aos da Campanha Global pela Educação (saiba mais abaixo), são pressionar por políticas robustas para acabar com as desigualdades sociais e garantir que os Estados cumpram suas obrigações em matéria de direitos humanos.
O documento de posicionamento público da GCE apresenta as principais demandas e recomendações para garantir que a educação seja reconhecida como fundamental para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, promover os direitos humanos e fomentar a igualdade de gênero e a paz global.
Os principais destaques do posicionamento incluem:
- Um apelo por reformas ambiciosas nas finanças globais para enfrentar o subfinanciamento crônico da educação e combater as desigualdades econômicas.
- Demandas por mobilização progressiva de recursos internos, investimento público robusto em educação e financiamento transformador em termos de gênero.
- Defesa da justiça nas relações de dívida entre países, da eficácia da ajuda internacional e de um sistema financeiro global justo e descolonizado que fortaleça o Sul Global.
- Ênfase na urgência de governos e doadores garantirem o direito à educação e investirem em sistemas de educação pública universais, inclusivos e de qualidade.
Os eventos oficiais da Conferência vão ser transmitidos pela TV ONU. A programação dos eventos paralelos pode ser acessada aqui, e a de eventos especiais aqui.
Abaixo, veja alguns dos eventos que terão participação das representantes da Campanha.
- Na sexta-feira (27/06), acontece o evento de alto nível da Iniciativa Global por Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (GI-ESCR) com o tema "Financiamento dos Serviços Públicos: Cumprindo os Direitos Humanos e Construindo uma Sociedade do Cuidado". Há participação pelo Zoom.
- Nos dias 27 e 28 de junho será realizado o Fórum Feminista com o tema “Para e além da Quarta Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD4)”.
- Em 28 e 29 de junho acontece o Fórum da Sociedade Civil, que vai tratar do Mecanismo da Sociedade Civil para o FfD. As declarações finais dos fóruns serão publicadas neste link após o evento.
- Na segunda (30/06) acontecem as reuniões da Campanha Global pela Educação; o evento da GPE/UNESCO “Impulsionando a mudança transformadora no financiamento de serviços públicos essenciais: o caso da educação”; a mesa-redonda sobre multistakeholders 1 “Mobilizando e alinhando recursos públicos domésticos”; e a reunião com o Consórcio Global sobre Privatização da Educação e Direitos Humanos (PEHRC).
- Na terça (01/07), são realizados o Evento Paralelo do Governo Brasileiro “Inovando a cultura de financiamento para o desenvolvimento: perspectivas do Sul Global para o Futuro Pacto”; a mesa-redonda sobre multistakeholders 2: “Aproveitando o setor empresarial e as finanças privadas”; e a mesa-redonda sobre multistakeholders 3: “Revitalizando a cooperação internacional para o desenvolvimento”.
- Na quarta (02/07) há o evento do Malala Fund “Financiando futuros: colocando a educação no centro da reforma da arquitetura financeira internacional”; a mesa-redonda sobre multistakeholders 4: “Defendendo o sistema multilateral de comércio e aproveitando o potencial da ciência, tecnologia e inovação”; e a mesa-redonda sobre multistakeholders 5: “Construindo uma arquitetura da dívida soberana orientada para o desenvolvimento”.
- Na quinta (03/07) há o evento oficial da Global por Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (GI-ESCR) “Financiamento de Serviços Públicos: Cumprindo os Direitos Humanos e Construindo uma Sociedade do Cuidado”; a mesa-redonda multissetorial 6: “Reformando a arquitetura financeira internacional e enfrentando questões sistêmicas”; e a Oitava Sessão Plenária da FfD4 e o encerramento da Conferência.
Leia abaixo a íntegra do posicionamento público da Campanha Global pela Educação, que a Campanha Brasileira segue.
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Documento de Posição da Campanha Global pela Educação (GCE) para o FFD4
Apelo aos Estados-Membros para que se comprometam com reformas estruturais da arquitetura financeira global e com o financiamento dos direitos humanos, em Sevilha e além
A 4ª Conferência Internacional sobre o Financiamento do Desenvolvimento (FfD4), organizada pelo Governo Espanhol em Sevilha, de 30 de junho a 3 de julho de 2025, representa uma oportunidade crucial para os Estados assumirem compromissos com reformas estruturais na arquitetura financeira global, acordando um documento ambicioso e transformador que estabeleça as bases para a realização dos direitos humanos para todas as pessoas e acelere a implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
No momento em que os governos debatem e buscam consenso sobre um novo marco global de financiamento para o desenvolvimento sustentável, a Campanha Global pela Educação (GCE) exorta os líderes mundiais a reconhecerem que o financiamento adequado, sustentável, inclusivo e equitativo da educação pública é essencial para o alcance de todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), o avanço dos direitos humanos, a promoção da igualdade de gênero e a consolidação da paz global.
A FfD4 ocorre em um contexto de agravamento das crises globais. As mudanças climáticas, a instabilidade geopolítica, o aumento dos conflitos, o enfraquecimento das instituições democráticas, o avanço do populismo autoritário e da militarização, bem como o aprofundamento das desigualdades, ameaçam a coesão social e os direitos humanos. Nesse cenário, é fundamental garantir que o principal marco político global para o financiamento do desenvolvimento enfrente as desigualdades econômicas e promova a justiça.
É inegável que a educação é uma força transformadora pela igualdade. No entanto, no rascunho do documento final atualmente em negociação e que será adotado na FfD4, a referência à educação é mínima. A educação é mencionada apenas como um dos serviços públicos essenciais, sem qualquer compromisso adicional quanto ao seu financiamento. O subfinanciamento crônico continua comprometendo o direito à educação. Injustiças estruturais, como a tributação regressiva, o endividamento e a imposição de políticas de austeridade por instituições como o FMI, têm restringido o espaço fiscal dos países em desenvolvimento e agravado as desigualdades.
- Um déficit anual de 97 bilhões de dólares impede que países de baixa e média-baixa renda cumpram o ODS 4. Como consequência, 41% desses países não atendem aos referenciais internacionais de investimento entre 4% e 6% do PIB ou entre 15% e 20% dos orçamentos públicos em educação.
- As desigualdades representam um obstáculo fundamental. Em 2022, governos de países de baixa renda gastaram apenas 55 dólares por estudante ao ano, em comparação com 8.543 dólares em países de alta renda. Em muitos países de baixa renda, as famílias arcam com mais de um terço dos custos com educação, aprofundando a exclusão.
- Injustiça fiscal: Sistemas tributários regressivos, evasão fiscal e fluxos financeiros ilícitos continuam drenando receitas nacionais. Reformas progressivas são frequentemente bloqueadas por normas fiscais globais dominadas por países ricos. Governos também são responsáveis por políticas fiscais prejudiciais, como a redução de alíquotas ("corrida para o fundo") para atrair investimentos, em detrimento das receitas a longo prazo, e pela ausência de mecanismos de transparência fiscal.
- Crise da dívida: Mais de 54 países enfrentam crises de endividamento. A dívida pública média nos países de baixa renda representa 72% do PIB. Muitos desses países gastam mais com o serviço da dívida do que com educação. A austeridade imposta pelo FMI e os tetos salariais limitam o investimento em educação e o recrutamento de docentes qualificados. Essas crises têm raízes profundas em estruturas econômicas herdadas do colonialismo, em políticas globais injustas e nos persistentes desequilíbrios de poder do sistema financeiro internacional.
- Privatização: O subfinanciamento dos serviços públicos torna os governos vulneráveis a pressões pela comercialização, privatização e adoção de parcerias público-privadas (PPPs) assimétricas, que priorizam o lucro em detrimento do interesse público. PPPs e prestadores privados comprometem a equidade, transferem os custos para as famílias e enfraquecem a responsabilidade pública. Os cuidados e a educação na primeira infância (EAPI), a educação não formal, o ensino alternativo para jovens fora da escola, do trabalho e da formação (NEET), bem como a educação e formação de adultos (EFA), são especialmente impactados, agravando as desigualdades.
- A dívida, a austeridade e o subfinanciamento dos sistemas públicos afetam de forma desproporcional mulheres, meninas, pessoas negras e indígenas, pessoas com deficiência e populações marginalizadas. Apesar dos compromissos assumidos para proteger direitos, promover equidade e inclusão, e combater todas as formas de estigma, discriminação e exclusão na educação, os Estados-Membros têm sido lentos em legislar e financiar uma educação inclusiva e transformadora. Normas sociais impõem às mulheres e meninas a responsabilidade de suprir a ausência de serviços por meio de trabalho e cuidados não remunerados, aprofundando a desigualdade de gênero. A orçamentação sensível ao gênero e o investimento em sistemas educativos inclusivos são fundamentais para romper ciclos de exclusão e alcançar a justiça de gênero.
- Enquanto a Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (AOD) está em queda — especialmente na área da educação — os gastos militares globais continuam a crescer, atingindo o recorde histórico de 2,443 trilhões de dólares em 2023, um aumento de 6,8% em relação ao ano anterior. Esse contraste é profundamente injusto: mesmo uma fração desses recursos militares poderia transformar os sistemas públicos de educação em todo o mundo.
Nosso apelo à ação
A FfD4 representa um marco político estratégico para que os governos reafirmem sua obrigação de mobilizar o máximo de recursos disponíveis para realizar os direitos humanos — em especial, o direito à educação, conforme estabelecido na Convenção sobre os Direitos da Criança, no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, na Convenção da UNESCO contra a Discriminação na Educação e em outros tratados internacionais.
Da mesma forma, as áreas de ação da FfD4 devem fazer referência aos compromissos assumidos pelos Estados-Membros com o ODS 4, às medidas previstas no Apelo à Ação pelo Financiamento da Cúpula “Transformar a Educação” (2022), e reiteradas na Declaração de Fortaleza (2024), conclamando os governos a investir mais, de maneira mais justa e eficiente, em educação.
A GCE defende uma arquitetura financeira global justa e descolonizada, com mecanismos sob a égide das Nações Unidas nos quais os países do Sul Global tenham maior poder de decisão e voz ativa na formulação de políticas financeiras. Ao corrigir o desequilíbrio de poder e enfrentar políticas econômicas extrativas e exploratórias sustentadas por países dominantes, os países em desenvolvimento terão melhores condições para cumprir suas obrigações em matéria de direitos humanos, como o direito à educação e ao desenvolvimento.
Reivindicamos a responsabilização dos governos e doadores para garantir o direito à educação, financiando adequadamente um ensino público gratuito, de qualidade, universal, inclusivo e sensível à perspectiva de gênero, adotando estratégias de financiamento equitativas que priorizem o bem público, e não o lucro.
Isso inclui:
Mobilização de recursos internos
- Elevar a relação entre arrecadação de tributos e o PIB por meio de reformas fiscais progressivas, tributação justa sobre grandes fortunas e multinacionais, e taxação de bens e atividades prejudiciais, ao mesmo tempo em que se combate a evasão fiscal e os fluxos financeiros ilícitos.
- Apoiar a adoção de uma Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Cooperação Fiscal Internacional, com o objetivo de criar um sistema fiscal global mais transparente, justo, equitativo e responsável, que permita aos países financiar, de forma sustentável, a educação pública de qualidade e outros serviços essenciais.
- Apoiar a proposta do G20 de criação de um imposto global sobre bilionários, com a destinação das receitas a investimentos públicos, incluindo a educação.
Investimento público para fortalecimento dos sistemas públicos de educação
- Destinar pelo menos 4% a 6% do PIB ou 15% a 20% dos orçamentos nacionais à educação, assegurando financiamento adequado por estudante, remuneração e condições de trabalho justas para profissionais da educação, bem como planos de financiamento de longo prazo que garantam a sustentabilidade dos investimentos, especialmente em tempos de crise.
- Adotar uma regulação pública rigorosa sobre os agentes privados envolvidos na oferta de serviços essenciais, como a educação, garantindo Estados fortes, transparentes e responsáveis no financiamento e prestação dos serviços, para reduzir desigualdades e assegurar o acesso universal à educação de qualidade, com base em direitos humanos.
- Assegurar que modelos e instrumentos de financiamento inovadores estejam alinhados com os direitos humanos e com o fortalecimento dos sistemas públicos, com foco explícito na superação das desigualdades.
- Garantir que receitas de recursos naturais sejam investidas, de forma transparente e sustentável, na educação e demais serviços públicos.
Equidade e inclusão
- Priorizar, nos orçamentos públicos, estudantes historicamente marginalizados ou mal atendidos, como meninas, pessoas negras e indígenas, pessoas com deficiência, populações afetadas por crises e comunidades rurais. Os fundos públicos devem ser direcionados intencionalmente para superar desigualdades, assegurar o direito à educação e promover um futuro justo, democrático e sustentável.
- Garantir que o financiamento da educação promova a igualdade de gênero, com apoio a currículos inclusivos, formação docente, ambientes de aprendizagem seguros e investimentos que fortaleçam a equidade em todos os níveis de ensino.
Justiça da dívida
- Implementar o cancelamento da dívida para ampliar o espaço fiscal dos países.
- Apoiar a proposta da sociedade civil de criação de uma Convenção-Quadro da ONU sobre Dívida Soberana, com base em acordos justos de empréstimos, transferindo o poder de decisão do FMI para um órgão representativo das Nações Unidas.
- Eliminar condições de empréstimo prejudiciais, como cortes orçamentários na educação e tetos salariais no setor público que limitam a contratação e retenção de profissionais qualificados.
Eficácia da ajuda
- Cumprir a meta de 0,7% da RNB destinada à AOD, com pelo menos 20% voltados à educação, alinhando a ajuda aos planos nacionais do setor, com base nos princípios da eficácia da ajuda e sem agendas impostas por doadores.
- Proteger e ampliar o financiamento internacional para a educação, revertendo cortes recentes e reafirmando a centralidade da educação como setor prioritário. A ajuda internacional deve ser entendida como uma questão de justiça global, assegurando o direito de crianças, jovens e adultos à educação ao longo da vida. A narrativa da ajuda deve migrar de uma lógica de caridade para uma de reparação histórica.
- Assegurar o aumento e a previsibilidade do financiamento da cooperação multilateral (como a Parceria Global pela Educação e o fundo Education Cannot Wait), que apoia sistemas públicos de ensino e garante o direito à educação em contextos de crise climática, conflitos e outras emergências.
A GCE conclama os Estados-Membros, delegações governamentais na FfD4, parlamentares, organizações multilaterais e demais autoridades políticas a promoverem uma transformação da arquitetura de financiamento global que enfrente as desigualdades dentro e entre os países e assegure o cumprimento das obrigações dos Estados em relação aos direitos humanos. Apelamos para que os apelos urgentes das coalizões da educação, dos movimentos de professores, juventude e estudantes sejam incorporados ao documento final da FfD4 e às deliberações oficiais. A educação é fundamental para enfrentar crises múltiplas e a base para promover inclusão, justiça, igualdade de gênero, coesão social e paz.
(Foto: Divulgação/ONU)