É necessário destinar mais 0,5% no PIB à educação básica para viabilizar padrão de qualidade, por meio do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) para 2024

Entidades atualizam valores do sistema CAQi/CAQ; os dados mostram que 80% dos recursos da complementação seriam destinados às redes municipais com maior proporção de alunos com níveis socioeconômicos mais baixos

 

Dentro de uma previsão de financiamento com padrão mínimo de qualidade para as escolas, o governo federal precisaria destinar R$ 49,9 bilhões a mais para a educação básica em 2024. 

Esse valor representa um aumento de 12% do que os estados e municípios brasileiros devem ter disponível para investir nesse ano em educação, cerca de R$ 408 bilhões.

O adicional de Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) representa 0,5% do PIB brasileiro em 2022, calculado em R$ 9,9 trilhões.

Essa estimativa está na atualização de valores do CAQi 2024, demonstrados a partir de cálculos e publicados em Nota Técnica produzida pela Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e o Laboratório de Dados Educacionais.

ACESSE A NOTA TÉCNICA AQUI

A Nota Técnica foi detalhada em reportagem da Folha de S.Paulo do último domingo (13/10).

Os novos valores são necessários para a garantia plena do direito à educação a todas as pessoas. Hoje, em média, o investimento público anual em cada aluno da educação básica pública é um terço do valor investido pelos países ricos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), segundo o relatório Education at a Glance 2024.

Para serem realidade, os aumentos dependem primordialmente da complementação da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

Atualmente, o Fundeb prevê um mínimo de 23% de complementação da União em três modalidades, cada qual composta por um percentual mínimo que tem como referência o montante da contribuição de estados e municípios e do DF aos fundos estaduais e distrital: VAAF: 10%; VAAT (mínimo de 10,5% até 2026) e VAAR (2,5% até 2026).

As organizações que produzem a Nota Técnica propõem a ampliação da complementação federal ao Fundeb de tal forma que o país possa sair do VAAT mínimo (VAATmin) para chegar ao CAQi. 

“Assim, o financiamento deixará de funcionar na ‘lógica dos recursos disponíveis’ do sistema atual e operará na ‘lógica dos recursos necessários’”, resume a nota.

O sistema CAQi/CAQ reflete as diferenças das condições de qualidade requeridas em cada etapa e modalidade da educação, área de localidade (urbana ou rural) e jornada diária (parcial ou integral), conforme estabelece a legislação. 

Seu objetivo é garantir a equalização das oportunidades e o padrão mínimo de qualidade do ensino no âmbito de cada escola do país por meio do provimento de insumos necessários. Alguns dos principais insumos são: tamanho das turmas, formação, salários e carreira compatíveis com a responsabilidade dos profissionais da educação, instalações, equipamentos e infraestrutura adequados, laboratórios, bibliotecas, quadras poliesportivas cobertas, materiais didáticos, salas de aula climatizadas, conectividade, entre outros.

Embora previsto no arcabouço legal federal (na Constituição Federal de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e no Plano Nacional de Educação - 2014-2024), o CAQi ainda não está regulado e, muito menos, implementado pelo governo federal. 

“Com vistas à regulamentação para o cumprimento do previsto na Emenda Constitucional nº 108/2020 e na Lei nº 14.113/ 2020, publicamos este estudo com o intuito de contribuir para fazer avançar o financiamento da educação no Brasil”, declaram as organizações.

Financiar mais e melhor
Como mostra a Nota Técnica, de maneira geral, os valores do CAQi são expressivamente superiores ao valor-aluno ano estimado para o Fundeb 2024 (VAAF).

Para as entidades, há a necessidade de pensar os custos e fatores de ponderação com diferenciação para escolas urbanas e rurais, considerando o maior custo dessas últimas, especialmente por conta da economia de escala (que ocorre em escolas com maior número de matrículas) e da necessidade de pensar custos específicos para essa localidade (adicional para professores).

Os custos da creche e pré-escola apresentam um fator de ponderação superior ao das demais etapas, o que tensiona os atuais fatores de ponderação do Fundeb. 

Tal característica decorre da menor relação de estudantes por turma nessa etapa e da garantia do mesmo nível de formação e salário para todos os docentes.

“Os números evidenciam que a garantia das condições de qualidade para a creche tem custos mais elevados do que as demais etapas. Isso ocorre, principalmente, por requerer menor relação de estudantes por turma e a garantia do mesmo nível de formação e salário para todos os docentes”, explicam as entidades.

Há hoje, também, uma concentração de matrículas no ensino fundamental e a necessidade de pensar a ampliação do acesso à escola, especialmente no que tange à creche e, no caso do ensino médio, à permanência.

Complementação da União
A atual complementação da União (VAAT-CAQi) prevê 49 bilhões, além dos R$ 29,9 bilhões da complementação realizada em 2022.

“A complementação da União com o adicional para financiar o CAQi (R$ 79,8 bilhões) representaria 35,6% do montante da receita realizada do Fundeb de 2022 (R$ 224,3 bilhões) e 32,8% do montante da receita estimada do Fundeb de 2024 (R$ 243 bilhões) (Brasil, 2024).Vê-se, portanto, que o atual desenho da complementação federal do Fundeb, mesmo considerando o crescimento do VAAT até 2026, é insuficiente para garantir os valores do CAQi para todas das escolas brasileiras, ressaltando-se que o CAQi busca assegurar padrão mínimo de qualidade na educação”, demonstra a Nota Técnica.

O adicional CAQi representa 0,5% do PIB brasileiro em 2022, calculado em R$ 9,9 trilhões.

Embora exista hoje uma progressiva queda na matrícula pública da educação básica e, como resultado, os recursos por aluno automaticamente tendem a crescer e diminuir a necessidade de complementação federal, as entidades defendem o aumento no financiamento.

“Para um país sem as demandas educacionais do Brasil isso não seria um problema. Mas estamos no penúltimo ano do PNE 2014-24, que teve sua vigência estendida para 2025, com boa parte de suas metas de ampliação de atendimento (educação infantil e ensino médio), ampliação de modalidades (educação profissional, educação de jovens e adultos, alfabetização de adultos e educação do campo) e ampliação da jornada escolar diária não cumpridas.”

Além disso, segundo os cálculos, docentes com graduação em Licenciatura (40/h) devem receber no mínimo R$ 5.868 por mês. 

Atualmente, o valor mínimo estabelecido pelo governo federal para o salário de um professor no exercício de 2024 é de R$ 4.580,57, e a remuneração dos profissionais do magistério – que é o principal componente do CAQi – está praticamente congelada, tendo crescimento real de apenas R$ 250 (5%) entre 2012 e 2023.

Caráter redistributivo por região e UF
As redes municipais devem receber complementação para financiar o CAQi por nível socioeconômico (NSE) dos estudantes de cada localidade, bem como o montante da complementação. 

Os dados mostram que 80% dos recursos da complementação seriam destinados às redes municipais com maior proporção de alunos com NSE mais baixos (baixo, médio/baixo e médio).

“Isso reforça o caráter equalizador do CAQi, uma vez que, no sistema atual, os municípios com alunos com NSE mais alto, em geral, têm maior capacidade de financiamento”, afirmam as entidades.

Os cálculos sugerem que 58,7% do total da complementação CAQi, hoje estimada em R$ 49,9 bilhões, devem ser destinados aos estados do Nordeste; 15,2% para os estados do Norte; 13,8% para o Sudeste; 8,9% para o Sul e 3,4% para o Centro-Oeste. Em estados como AL, BA, MA e PI, os aportes da complementação significariam um incremento de pelo menos 30% nas receitas vinculadas para a Educação Básica. Em termos absolutos, os maiores valores da complementação iriam para Bahia (R$ 8,2 bilhões), seguida por Maranhão (R$ 5,1 bilhões) e Ceará (R$ 4,8 bilhões). Já em termos relativos, o maior impacto (38,1%) seria no PI, seguido por Maranhão (34,7%) e Alagoas (34,5%). Somente o DF não receberia complementação.

Constata-se ainda que 39,4% dos entes terão um acréscimo superior a 30% nos recursos atualmente disponíveis e, para 22,3% deles, esta ampliação é superior a 45%. Todos os estados têm pelo menos alguns entes federativos cujo adicional representaria mais de 30% da receita vinculada atual.

O levantamento categorizou 4.431 redes destinatárias dos recursos da complementação CAQi segundo o porte populacional dos municípios (com base nas categorias utilizadas pelo IBGE). 

Dever constitucional e CAQi Amazônico
As organizações que assinam a Nota Técnica comprometem-se a contribuir com a garantia do padrão mínimo de qualidade do ensino em cada escola do país. A cada ano, afirmam, “publicaremos os valores do CAQi e da complementação federal necessária para viabilizá-lo, o que contribuirá efetivamente para a elaboração de um CAQ a ser implementado em todo o país”.

“Será feito esforço adicional de estudos, a posteriori, de forma a acrescer os fatores de equidade de raça-etnia e do CAQi Amazônico, entre outros que se mostrarem necessários, bem como de incluir nas simulações os desafios de analisar os custos da implementação das metas de atendimento do plano nacional de educação no padrão CAQi.”

(Foto: Eloi Correa/GovBA)