Relatoria da ONU para o direito à educação incorpora denúncias do Brasil sobre violações à liberdade de cátedra

Campanha Nacional pelo Direito à Educação, junto de entidades que lutam pela garantia dos direitos humanos, fez alertas que se referem a ataques a gênero e sexualidade, liberdade religiosa e militarização das escolas

 

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, ao lado de entidades que atuam pela garantia dos direitos humanos em solo brasileiro, teve contribuições incorporadas ao novo relatório da Relatora Especial da ONU pelo Direito à Educação, Farida Shaheed, sobre denúncias de ataques à liberdade de cátedra e à liberdade de expressão nas instituições educacionais. 

Com a mesma temática, a Campanha participou da construção de dois documentos enviados à Relatoria: um com o Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH); e outro com Ação Educativa, Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação, Clínica de Políticas Públicas e Direitos Humanos da UFABC, Observatório Nacional da Violência contra Educadora/es, Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil, Professores Contra o Escola Sem Partido e Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação.

As contribuições das entidades, publicizadas nesta semana e registradas com citações diretas ao Brasil, manifestam preocupação com o “crescimento da militarização dos sistemas educacionais, quando a administração das escolas regulares foi parcial ou totalmente transferida para as forças armadas, com a consequente adoção da disciplina militar e a restrição dos direitos humanos na educação. Isso compromete a liberdade acadêmica e a autonomia institucional”.

“No Brasil, segundo contribuições, os tópicos que são mais frequentemente alvo de censura estão relacionados a questões de gênero e sexualidade, muitas vezes usados para provocar pânico moral com base em notícias falsas; outros tópicos incluem racismo e história e cultura afrobrasileira e indígena, laicidade do Estado e o direito humano à liberdade religiosa, exploração colonial, ditadura militar, teoria da evolução, vacinação, uso de agrotóxicos, mudanças climáticas e destruição ambiental”, aponta o relatório.  

“Em alguns países, a situação é descrita em termos muito graves, com grupos da sociedade civil denunciando uma ‘perseguição sistemática de educadores’ ou ‘uma atmosfera escolar desfavorável e ameaçadora para os educadores’, sendo os professores vítimas de uma ‘campanha de ódio’, inclusive nas mídias sociais”, diz o texto, tomando como fonte a contribuição do grupo de entidades brasileiras.

A Relatoria analisa o direito à liberdade acadêmica sob a perspectiva do direito à educação, como parte do direito de ofertar a educação de qualidade em todos os níveis de ensino.

Shaheed ressaltou que “a liberdade acadêmica é ‘o direito humano de adquirir, desenvolver, transmitir, aplicar e se envolver com uma diversidade de conhecimentos e ideias por meio de pesquisa, ensino, aprendizado e discurso’. Os professores da educação básica também devem ter o direito de ensinar e se envolver em sala de aula de uma maneira que considerem adequada aos padrões e normas do trabalho educativo”. 

Ainda, pontua que, na perspectiva do direito à educação, os Princípios de Abidjan – marco jurídico global para a regulação da atuação privada na educação – enfatizam que “o respeito às liberdades acadêmicas e pedagógicas deve fazer parte dos padrões mínimos aplicáveis  que os Estados devem definir e aplicar às instituições educacionais de ensino privado”.

Escola Sem Partido
Na comunicação das entidades realizada em fevereiro, respondendo a um chamado da Relatoria, o grupo de organizações salientou que “a perseguição aos educadores é um fenômeno que antecede o governo anterior. A deslegitimação do conhecimento escolar e acadêmico, o avanço do negacionismo e a perseguição de educadores por meio de centenas de projetos de lei de censura possibilitaram a ascensão de um governo de extrema direita. Portanto, esse não é um problema novo. No entanto, o Estado brasileiro ainda não implementou políticas para proteger os professores”.

“Em 2014, o movimento Escola Sem Partido se fortaleceu e se expandiu por todo o país, defendendo um maior controle sobre as práticas pedagógicas sob o pretexto de proteger as crianças da suposta doutrinação ideológica de esquerda e da ‘ideologia de gênero’”, disseram Campanha e IDDH no documento. “Isso levou a propostas legislativas popularmente conhecidas como ‘Lei da Mordaça’, que supostamente alegavam defender a neutralidade na educação, livre de conteúdo político. Entretanto, na realidade, essas propostas visavam promover um sistema educacional controlado e orientado por princípios conservadores de moralidade religiosa.”

As representações brasileiras ressalvam que, embora, em nível federal, o Brasil tenha hoje um presidente e ministros progressistas, o mesmo não pode ser dito sobre o Poder Legislativo, os estados e os governos municipais. “Com os membros mais conservadores em ambas as casas (Câmara dos Deputados e Senado), tememos as dificuldades para possíveis avanços progressistas. A educação pode enfrentar ameaças, especialmente em nível estadual. Há casos, como em Santa Catarina (SC), em que os governadores trabalham para restringir a liberdade acadêmica e o direito à educação por meio de medidas como a censura de livros nas bibliotecas estaduais”, alertam.

Mapeamento Educação Sob Ataque no Brasil
Uma importante referência para a produção do relatório de Campanha e IDDH foi o Mapeamento Educação sob Ataque no Brasil, produzido pela Campanha com apoio da Terre des Hommes Suisse. Lançado em novembro de 2023, o levantamento mostra proposições legislativas em todo o território nacional, casos concretos e estudos de referência com o objetivo de apresentar o avanço dessas ideias negadoras de direitos.

O mapeamento legislativo cobriu, de janeiro de 1989 até setembro de 2023, as proposições legislativas da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Assembleias Legislativas dos 26 estados e da Câmara Legislativa do Distrito Federal, chegando ao total de 1.993 proposições legislativas que abrangem tanto proposições que representam ataques e ameaças quanto, em menor escala, oposições progressistas relevantes em resistências a tais ameaças. 

Foram mapeados casos dos últimos 10 anos, de 2013 (ano que marca a primeira ação sobre o Escola Sem Partido) a 2023. São 201 casos de repercussão local, em busca sistemática nacional, em veículos locais ou que circularam em redes de escolas. Há uma média de 18 casos de ataques por ano. A maioria se concentra na região Centro-Oeste. 

As principais palavras-chave buscadas neste mapeamento de legislação, casos e referências, que estão relacionadas com o avanço dos ataques nas políticas educacionais, são: Escola sem Partido; Militarização; Raça; Gênero; Homeschooling e Educação Domiciliar; Livros Didáticos; Laicidade e Religião; Agronegócio e Mineração.


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