Posicionamento público: “Novo” Novo Ensino Médio, velha dualidade

A votação do PL n. 5.230/2023 na Câmara mostrou que, na nova política nacional do Ensino Médio, a palavra de ordem é “reduzir”; por Coletivo em Defesa do Ensino Médio de Qualidade


Leia o posicionamento público do Coletivo em Defesa da Ensino Médio de Qualidade na íntegra abaixo ou em PDF.


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21 mar. 2024
 


COLETIVO EM DEFESA DO ENSINO MÉDIO DE QUALIDADE

Ana Paula Corti (IFSP | REPU), Andrea Caldas (Setor de Educação/UFPR), Andressa Pellanda (Campanha Nacional pelo Direito à Educação), Ângela Both Chagas (UFRGS), Carlos Artexes Simões (CEFET-RJ), Carlota Boto (FE/USP), Carmen Sylvia Vidigal de Moraes (FE/USP), Catarina de Almeida Santos (FE/UnB), Christian Lindberg (UFS | OBSEFIS), Cleci Körbes (UFPR | Observatório do Ensino Médio), Cristiano das Neves Bodart (CEDU/UFAL), Daniel Cara (FE/USP | Campanha Nacional pelo Direito à Educação), Elenira Oliveira Vilela (IFSC | Sinasefe | Intersindical CCT), Elizabeth Bezerra Furtado Bolzoni (UECE), Fernando Cássio (FE/USP | REPU), Filomena Lucia Gossler Rodrigues da Silva (IFC), Gaudêncio Frigotto (UERJ), Idevaldo Bodião (Faced/UFC), Jaqueline Moll (Faced/UFRGS), Jean Ordéas (FE/USP), Lucas Barbosa Pelissari (FE/Unicamp), Manoel José Porto Júnior (IFSul | Direção Nacional do Sinasefe), Márcia Aparecida Jacomini (Unifesp | REPU), Maria Ciavatta (UFF), Marise Nogueira Ramos (Fiocruz | UERJ), Mateus Saraiva (Faced/UFRGS), Monica Ribeiro da Silva (UFPR | Observatório do Ensino Médio), Nilson Cardoso (UECE), Rafaela Reis Azevedo de Oliveira (UFJF | ABECS), Salomão Barros Ximenes (UFABC | REPU), Sandra Regina de Oliveira Garcia (UEL), Sergio Stoco (Unifesp | Cedes | REPU) e Thiago de Jesus Esteves (CEFET-RJ | ABECS).

 

O Coletivo em Defesa do Ensino Médio de Qualidade expressa sua profunda preocupação em relação ao futuro do Ensino Médio no país, após votação realizada em 20 de março, na Câmara dos Deputados, do relatório substitutivo ao Projeto de Lei n. 5.230/2023, dedicado à Política Nacional de Ensino Médio, elaborado pelo deputado Mendonça Filho (União-PE).

Primeiramente é preciso reconhecer a vitória do campo educacional na aprovação da garantia das 2.400 horas mínimas para a formação geral básica, pois, segundo o artigo 205 da Constituição Federal, a missão da educação no Brasil é o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. A formação geral básica deve compreender esse tripé, e toda cidadã e cidadão brasileiro tem o direito de acessar uma formação científica, cultural e humanística comum.

Apesar desse avanço, não é possível comemorar a versão final do texto aprovado na Câmara devido a um conjunto de aspectos que não garante essa formação comum e nem mesmo um ensino de qualidade para todos/as. Além de não corresponder às demandas sociais apontadas pelo Documento Final da Conferência Nacional de Educação (CONAE) 2024, o texto aprovado:

  • Não garante uma formação geral com 2.400 horas para estudantes de cursos técnico-profissionais (que terão carga horária reduzida), criando e agravando uma segmentação interna ao sistema escolar brasileiro – um dualismo educacional que ampliará desigualdades;
     
  • Não garante que as 2.400 horas contarão com 13 disciplinas científicas obrigatórias, e abre espaço para que a formação geral básica seja permeada por “inovações” curriculares semelhantes às que foram implementadas desde 2017 com o Novo Ensino Médio. Isso significa negar aos/às estudantes o conhecimento historicamente produzido e substituir professores/as com formação por quaisquer pessoas que aceitem transmitir conteúdos nas salas de aula;
     
  • Mantém o reducionismo curricular por meio da vinculação da política do Ensino Médio à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a partir da organização em quatro áreas e suas tecnologias, além de sugerir a elaboração de Diretrizes Curriculares Nacionais para os itinerários formativos;
     
  • Abre brechas para a privatização da educação via possibilidade de oferta de cursos técnico-profissionais por organizações privadas;
     
  • Abre brechas para a oferta de ensino a distância na educação básica;
     
  • Precariza o trabalho docente por meio da autorização de contratação de profissionais com “notório saber” (não formados) para a docência nos cursos de formação técnica e profissional;
     
  • Vulnerabiliza a formação dos/as estudantes por meio do reconhecimento de aprendizagens, competências e habilidades desenvolvidas em “experiências extraescolares”, validando a Aprendizagem como carga horária letiva no Ensino Médio. Trata-se não só de risco para o trabalho infantil de uma indução à desescolarização, uma vez que estudantes trabalhadores/as poderão se matricular em escolas de tempo integral, mas não precisarão frequentá-las de fato (matrícula em tempo integral e frequência em tempo parcial);
     
  • Não garante a obrigatoriedade do ensino da Língua Espanhola, afastando a etapa do Ensino Médio de uma agenda maior de integração regional e cultural;
     
  • Induz à oferta de currículos desarticulados e sem projeto formativo definido, ao autorizar que o ensino possa ser organizado em módulos e adotar sistemas de créditos com terminalidade específica.


Em 1942, o ministro da educação e saúde Gustavo Capanema enviou uma Exposição de Motivos ao presidente Getulio Vargas para justificar a criação de uma Lei Orgânica do Ensino Secundário, afirmando que os cursos “clássico” e “científico” deveriam ser destinados à formação das elites condutoras do país. Aos demais, seria oferecido o ensino técnico e profissional.

Naquele período, a legislação brasileira institucionalizou um sistema educacional dual que foi parcialmente superado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996. O PL n. 5.230/2023 aprovado na Câmara dos Deputados recupera a velha dualidade, induzindo a uma forte segmentação no sistema escolar brasileiro e agravando ainda mais as desigualdades educacionais e sociais.

(Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)