Reformar a reforma? Ataques ao direito à educação têm como causa reformas neoliberais, dizem especialistas em colóquio

Educadoras/es da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e pesquisadores discutiram em colóquio da Conae 2024 o fracasso das políticas de austeridade e das reformas de Estado na educação, e apresentaram alternativas de ação

 

Os ataques ao direito à educação têm como causa primordial a implementação de reformas de austeridade promovidas nos últimos anos por políticas neoliberais. Os reflexos são políticas educacionais que geram desigualdades – como o Novo Ensino Médio (NEM),  entre outras – e que precarizam a educação como visto, também como parte desse processo, no escanteamento do Plano Nacional de Educação (PNE - 2014-2024).

Esses foram alguns dos temas discutidos no Colóquio 8, do Eixo II, proposto pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e pelo CEDES - Centro de Estudos Educação e Sociedade, que aconteceu em auditório lotado da UnB no segundo dia (29/01) da Conferência Nacional de Educação (Conae) 2024.

O colóquio chamado “O direito à educação sob ataque no Brasil: reformas educacionais e alternativas de ação” debateu como políticas educacionais neoliberais, influenciadas por fundações empresariais, têm impactos negativos na educação pública.

A mediadora da discussão, Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha, apontou que, na última década, as reformas que reduziram o papel do Estado brasileiro na garantia de direitos prejudicaram gravemente avanços nas áreas sociais conquistados e precarizaram os serviços públicos – incluindo a educação pública. “Esses ataques à educação pública são fruto das reformas educacionais neoliberais”, afirma.

A Campanha publicou um estudo chamado “Não é uma crise, é um projeto: os efeitos das Reformas do Estado entre 2016 e 2021 na educação”, que mostra como essas reformas atacam as bases do funcionalismo público, reduzem a capacidade do Estado brasileiro de atender sua população e prejudicam de forma acentuada mulheres e meninas negras.

Pellanda lembra que outros estudos da Campanha, como o “Mapeamento Educação Sob Ataque no Brasil”, apresentam a correlação entre o crescimento de ataques violentos às escolas e a implementação da política neoliberal do Novo Ensino Médio.

“Como a gente vai prevenir as violências às escolas se a gente não tem gestão democrática? Se a gente não tem aula de filosofia e sociologia? Nossos estudos já demonstraram que o Novo Ensino Médio contribui fortemente para o aumento das violências às escolas”, afirmou Pellanda.

Ela integrou o executivo do GT Executivo do Grupo de Trabalho de Especialistas em Violência nas Escolas do MEC, e contribuiu com a construção do relatório Ministério da Educação “Ataques às Escolas no Brasil”. A relatoria foi do professor Daniel Cara, da Faculdade de Educação da USP e coordenador honorário da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Cara contribui para o colóquio trazendo uma perspectiva mundial para a questão. Para ele, apenas países com projeto de desenvolvimento nacional claro (caso de alguns países asiáticos, como a Coreia do Sul) vêm avançando na garantia de condições de ensino e de aprendizado. “O Brasil abdicou do debate do desenvolvimento. A gente resolve alguns problemas da educação ou da saúde, mas não temos um projeto de política de desenvolvimento nacional”, observa.

“Com o PNE, nós precisamos retomar a ideia de que o projeto nacional da educação é um projeto de desenvolvimento nacional”, argumenta. “As ciências da educação é que devem pautar a política educacional. Não a economia, não as fundações empresariais.”

Sérgio Stoco, presidente do CEDES - Centro de Estudos Educação e Sociedade, lembra que políticas educacionais devem ser formuladas de acordo com fundamentos pedagógicos e com a participação do campo da educação, não apenas em círculos fechados da política institucional.

“A decisão de aumentar ou reduzir a carga horária da Formação Geral Básica [(FGB), do Ensino Médio] não pode ser discutida apenas em uma mesa. É uma questão da formação integral do sujeito, de direito, de igualdade”, diz.

Para ele, reformas como a do Novo Ensino Médio oferecem algo que não entregam: vendem uma liberdade de escolha curricular que, de fato, não existe; apostam na educação em tempo integral sem que sejam garantidas as condições materiais para sua plena concretização. “O resultado é exclusão, não tem como gerar outra coisa”, afirma.

Fernando Cássio, professor da FE-USP, membro da Rede Escola Pública e Universidade (REPU) e do Comitê Diretivo da Campanha, ressalta que está demonstrado que o Novo Ensino Médio é uma “política fracassada e mentirosa”, sendo altamente desorganizadora das redes de ensino muito por conta da profusão dos chamados “itinerários formativos” que tomaram o espaço de disciplinas da FGB.

“Foram as fundações empresariais que elaboraram o Novo Ensino Médio, foi a direita empresarial que fez. O Consed implementou o NEM, não foi o Bolsonaro”, pontua.

“O neoliberalismo quer transformar o Estado em um corretor. Obriga o Estado a se regular. Faz engenharias sociais, experimentos sociais. A Reforma do Ensino Médio deu errado, e agora eles querem a alternativa de reformar a reforma. Eles têm os remédios para os males que produzem”, diz Cássio.

Mônica Ribeiro, professora da UFPR e coordenadora do Observatório do Ensino Médio da universidade, destacou que a Reforma do Ensino Médio foi também uma reforma da Educação Profissional de Nível Médio. Para Ribeiro, ao oferecer uma formação profissional de baixa qualidade, que separa a formação geral da profissional, a precarização da etapa revela “uma disputa sobre qual o Ensino Médio oferecer para essa juventude”.

“No final do século 20, menos de um quarto de pessoas eram formadas no Ensino Médio. A Reforma não começa com a MP [do governo Temer]. Começa com uma juventude que nunca ocupou essa etapa”, aponta.

“A Reforma nem sequer prepara para o emprego: prepara para o desemprego. Porque o eixo é o empreendedorismo, ‘aprender a empreender’. Formar para o desemprego, aprender a se virar.”

Jade Beatriz, presidenta da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), reafirmou a importância da construção coletiva da Conae 2024 para concretizar as demandas dos estudantes e dos diversos segmentos educacionais. “Não adianta apenas eleger um governo democratico, é preciso pressionar”, disse. “Esse é um espaço dos estudantes também. Não existe educação pública sem a nossa presença.”

Beatriz também criticou o NEM, defendendo a aprovação do PL do governo federal, para que os estudantes possam ter “um trabalho digno e não o subemprego, e também possam trilhar um caminho para o ensino superior”.

“A educação básica do Brasil está sendo destruída pela Reforma do Ensino Médio.”