Contra a educação domiciliar, Campanha produz Nota Técnica sobre o Projeto de Lei 1.338/2022 que tramita no Senado Federal

Comissão de Educação e Cultura do Senado retoma discussão sobre homeschooling em audiência pública na segunda (04/12)

 

Contra a educação domiciliar, Campanha produz Nota Técnica sobre o Projeto de Lei 1.338/2022 que tramita no Senado PLS 1.338/2022 visa alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente para dispor sobre a possibilidade de oferta domiciliar da educação básica; Campanha e mais de 400 entidades da educação argumentam que representa um risco extremo à garantia de direitos.

O Projeto de Lei (PLS) 1.338/2022, que tramita no Senado Federal e visa alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para regulamentar a oferta domiciliar da educação básica, representa um risco extremo à garantia de direitos de crianças e adolescentes de todo o país.

É o que aponta a Nota Técnica da Campanha Nacional pelo Direito à Educação sobre o Projeto de Lei (PLS) 1.338/2022. As evidências apresentadas nesta Nota Técnica dimensionam o ataque aos direitos humanos, em especial o direito à educação, que a educação domiciliar (homeschooling) configura.

A Comissão de Educação e Cultura do Senado Federal retoma discussão sobre homeschooling em audiência pública nesta sexta-feira (01/12), às 14h. Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, participa da audiência de segunda (04/12), às 9h. Também haverá uma audiência no dia de 12 de dezembro.

Os argumentos estão sistematizados em 14 pontos (veja-os abaixo) embasados por pesquisas sistemáticas sobre o tema, que abordam desde aspectos legais até os que estão relacionados com a garantia do direito à educação e à proteção de crianças e adolescentes. 

ACESSE A NOTA TÉCNICA AQUI OU ABAIXO

O PLS 1.338/2022 tem autoria do Deputado Federal Lincoln Portela (PR/MG). Após tramitação e aprovação na Câmara dos Deputados, como PL 3.179/2012, teve parecer favorável da então relatora, Deputada Luísa Canziani (PSD/PR), e passou a tramitar no Senado Federal como PLS nº 1.338/2022, sob a relatoria da Senadora Professora Dorinha Seabra (UNIÃO/TO).

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação vem monitorando o andamento do PLS 1.338/2022 e debatendo sobre a educação domiciliar através da participação em audiências públicas e publicação de Nota Técnica anterior.

“A Campanha Nacional pelo Direito à Educação entende que o PLS 1.338/2022 não contribui para que o país avance no enfrentamento às desigualdades sociais e educacionais e evidencia a incapacidade da sociedade atual de produzir meios de convívio que conduzam a melhores formas de participação pública, tão fundamentais para o fortalecimento da democracia e para a construção de uma cultura de paz em território nacional”, diz o texto.

Mais de 400 entidades – entre elas, a Campanha – aderiram ao Manifesto contra a Regulamentação da Educação Domiciliar e em Defesa do Investimento nas Escolas Públicas, revelando a preocupação de diferentes segmentos da sociedade com a educação domiciliar e seus potenciais impactos para a garantia de direitos de crianças e adolescentes, como à educação e à proteção social.

 

NOTA TÉCNICA SOBRE O PL 1.338/2022

RESUMO EXECUTIVO

Seguindo sua tradição de colaborar para o aprimoramento técnico e político da legislação e das políticas educacionais, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação divulga nota técnica sobre o PLS nº 1.338/2022 (anterior PL 3179/2012), de autoria do Deputado Federal Lincoln Portela (PR/MG), que “altera as Leis nºs 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), e 8.069, de 13 de julho de 1990, (Estatuto da Criança e do Adolescente), para dispor sobre a possibilidade de oferta domiciliar da educação básica”.

Após tramitação e aprovação na Câmara dos Deputados, como PL 3.179/2012, teve parecer favorável da então relatora, Deputada Luísa Canziani (PSD/PR), e passou a tramitar no Senado Federal como PLS nº 1.338/2022, sob a relatoria da Senadora Professora Dorinha Seabra (UNIÃO/TO).

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação vem monitorando o andamento do PLS 1.338/2022 e debatendo sobre a educação domiciliar através da participação em audiências públicas e publicação de Nota Técnica sobre o tema. Dito isto, destacamos a importância de um debate amplo e aprofundado sobre educação domiciliar, analisando os possíveis impactos para a sociedade e o Estado brasileiro, caso seja aprovado, considerando que:

  • A defesa da educação domiciliar é sintoma de uma sociedade cada vez mais individualista que desacredita nas construções coletivas, como a educação. Dessa forma, a educação domiciliar implica restrições para a garantia do direito à educação de uma maneira geral, não limitando-se apenas às crianças e adolescentes que estarão nesta modalidade. A educação domiciliar afeta a sociedade e a democracia como um todo. (Carta à Sociedade Brasileira, divulgada em 18 de maio de 2022, por ocasião da aprovação do projeto de lei);
     
  • O Estado, por suas características, não é uma instituição onisciente e onipresente, e suas possibilidades para a garantia de direitos são reduzidas devido às limitações nos orçamentos de políticas sociais, especialmente no contexto político e econômico dos últimos seis anos. Por isso, mais difícil se torna fiscalizar, acompanhar e certificar famílias e casas, que são ambientes privados, logo, não estão abertos para escrutínio de funcionários públicos. (Nota Técnica)
     
  • Mais de 400 coalizões, redes, entidades sindicais, instituições acadêmicas, fóruns, movimentos sociais, organizações da sociedade civil e associações que atuam no campo da educação já assinaram o Manifesto contra a Regulamentação da Educação Domiciliar e em Defesa do Investimento nas Escolas Públicas, por considerarem a possível autorização e regulamentação da educação domiciliar (homeschooling) é um fator de extremo risco e constitui mais um ataque ao direito à educação como uma das garantias fundamentais da pessoa humana.

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação chega a essas conclusões a partir de pesquisa sistemática sobre educação domiciliar, que abordou desde aspectos legais até os que estão relacionados com a garantia do direito à educação e à proteção de crianças e adolescentes. Portanto, o objetivo da presente nota técnica é apresentar às senadoras e aos senadores que votarão a matéria os argumentos contrários à regulamentação da educação domiciliar no Brasil.
 

PLS 1338/2022 - Contribuições da Campanha Nacional pelo Direito à Educação 

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação considera que autorizar e regulamentar a Educação Domiciliar colocará em risco o direito à educação como direito humano fundamental e aumentará a desigualdade social e educacional no nosso país, assim como colocará em risco de violências e desproteções milhões de crianças e adolescentes. A regulamentação será fator agravante da crise que vivemos e há uma série de medidas e investimentos a serem feitos com urgência e nenhum deles passa pela regulamentação do homeschooling.

A aprovação da educação domiciliar também fere os princípios democráticos, implicando contradição radical com a concepção constitucional de democracia e garantia de direitos, como defendido por Marcele Frossard no artigo intitulado “Homeschooling (educação domiciliar) e democracia: uma contradição radical?”, o que demonstra a complexidade do tema e a necessidade de evitar sua regulamentação. 

Para a análise da proposta e posterior elaboração do parecer legislativo, é preciso considerar 14 pontos que justificam a contrariedade da Campanha Nacional pelo Direito à Educação em relação à regulamentação da educação domiciliar: 

1. A garantia da prioridade à legislação vigente para a implementação e o orçamento públicos. O orçamento disponível atual sequer é suficiente para o cumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE)  vigente e coloca em risco a efetiva implementação do novo PNE (2024-2034). Nesse sentido, o Congresso Nacional precisa priorizar o debate em curso sobre o Relatório Preliminar da PLDO 2024 e das emendas apresentadas. Não há espaço para aprovar uma nova política, que atenda à demanda de um grupo pequeno e que exige desvio da dedicação orçamentária para planejamento, monitoramento, avaliação, e sistema dedicado.

2. A exclusão escolar como um dos efeitos perversos da pandemia na educação e na proteção de crianças e adolescentes. O país tem, aproximadamente, 5,5 milhões de crianças e adolescentes sem matrículas ou vínculo com escolas. Muitos também órfãos de seus pais e/ou responsáveis como consequência da pandemia de COVID-19, o que os coloca em situação de vulnerabilidade social e escolar.

3. As decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e a Proteção Integral e Atenção Prioritária. Há um conjunto de julgados recentes, a partir de 2020, que evidenciam a inconstitucionalidade da educação domiciliar em território nacional e que reconhece as responsabilidades específicas e inerentes ao Estado como garantidor dos direitos de crianças e adolescentes, considerando suas condições peculiares de desenvolvimento, o que se aplica também para a efetiva garantia do direito à Educação.

4. A inversão sobre o direito das famílias e/ou responsáveis versus de estudantes. Usar o argumento do direito dos pais para retirar dos filhos o direito à educação escolar, para além dos processos formativos culturais, morais e religiosos que ocorrem no seio familiar, é afronta direta ao modo como o direito à educação foi pactuado em nossa Constituição, sua vocação para a formação de cidadãos autônomos e aptos ao convívio democrático com a diferença e a pluralidade. Segundo artigo da Procuradora Maria Mona Lisa Duarte Aziz, a Corte Europeia de Direitos Humanos entendeu que a frequência escolar compulsória não viola a liberdade religiosa, tampouco o direito de educar os filhos, uma vez que tais liberdades restam asseguradas através do direito de escolher a instituição de ensino na qual essas crianças vão estudar e do direito de recusa a frequentar as aulas de religião, que não podem ser obrigatórias. A legislação brasileira está em sintonia com tais marcos internacionais. Em nenhum momento a legislação presume interferência do Estado na educação das famílias.

5. A diversidade no país de instituições escolares, públicas e privadas, e de projetos político-pedagógicos. O argumento de que a não regulamentação é um cerceamento da liberdade não procede, uma vez que o Estado brasileiro oferece uma ampla gama de possibilidades de escolhas no momento de definir a escola de seus filhos, considerando os processos formativos culturais, morais e religiosos de cada núcleo familiar.

6. As famílias já são livres para a escolha da religião. Não há na legislação nenhuma interferência do Estado na educação das famílias. É importante destacar que o ensino é obrigatório em instituição escolar pública ou particular, laica ou confessional, comunitária ou filantrópica, conforme escolha da família e/ou responsáveis.

7. A gestão democrática como princípio fundamental do direito à educação, emancipatória e crítica. Para a construção de uma sociedade justa e solidária, o exercício de uma cultura de paz, de alteridade se faz na relação com o outro. A educação como prática da liberdade exige um espaço de debate sobre os temas da sociedade, inclusive os mais sensíveis. Só através de uma educação democrática, com espaço para o debate plural, com suas contradições ou consensos, e através do diálogo respeitoso é que será possível ser e conviver.

8. Os estudantes têm direito a serem respeitados e de participar ativamente da construção de sua educação. É a gestão democrática que possibilita aos sujeitos da educação a construção crítica do processo educacional. A educação domiciliar não pode ser utilizada como alternativa para uma educação de qualidade, uma vez que o debate sobre qualidade na educação ocorre no bojo da gestão democrática e participativa do processo pedagógico. O debate precisa ser aprofundado, com efetivo processo de escuta dos estudantes, pois o tema diz respeito diretamente a eles.

9. A educação como uma relação de ensino e aprendizagem, em que a figura do educador, formado cientificamente e pedagogicamente, é central. Ensinar e aprender é um processo complexo que está presente na prática docente e nas atividades escolares. Pais, responsáveis ou tutores não têm formação em todas as ciências e/ou em pedagogia. 

10. A educação domiciliar desloca a responsabilidade para o autodidatismo dos estudantes e é meritocrática. É preciso garantir o conhecimento científico que se desenvolve por meio do adequado trabalho pedagógico e não deslocar a responsabilidade para o autodidatismo dos estudantes.

11. A educação domiciliar impossibilita a educação como prática da liberdade e a educação inclusiva. Não se pode reduzir a escola a um espaço de transmissão de conteúdos. A escola é espaço de convivências e vivências. A educação inclusiva ocorre na convivência com a diversidade. A escola é, por excelência, espaço de experimentação social, em que se aprende a viver entre pares e em comunidade. Uma sociedade inclusiva começa pelo ambiente escolar. Regulamentar a educação domiciliar significa restringir o acesso à escola e não reconhecer a importância da convivência com as diversidades.

12. A educação não é mercadoria. A educação domiciliar fere a educação como bem público e é uma forma de privatização da educação, em que prevalece o interesse privado em detrimento do interesse público, ampliando ainda mais o mercado, altamente lucrativo, de empresas privadas na educação.

13. A visão estreita da avaliação dos estudantes proposta pelos defensores da educação domiciliar. Uma avaliação baseada em provas é uma perspectiva conservadora e ultrapassada que desconsidera outras dimensões do processo educativo que efetivamente precisam ser consideradas.

14. Há massiva contrariedade à educação domiciliar. Uma pesquisa nacional do Datafolha, realizada pelo Cesop-Unicamp, sob a coordenação de Ação Educativa e Cenpec, revela que oito em dez pessoas são contrárias a que pais tenham o direito de tirar seus filhos da escola para ensiná-los em casa. Os dados da pesquisa demonstraram que a população brasileira compreende que a escola é importante para a socialização das crianças e adolescentes, inclusive para a convivência com crianças com deficiência. A adesão de mais de 400 entidades ao Manifesto contra a Regulamentação da Educação Domiciliar e em Defesa do Investimento nas Escolas Públicas também revela a preocupação de diferentes segmentos da sociedade com a educação domiciliar e seus potenciais impactos.

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação entende que o PLS 1338/2022 não contribui para que o país avance no enfrentamento às desigualdades sociais e educacionais e evidencia a incapacidade da sociedade atual de produzir meios de convívio que conduzam a melhores formas de participação pública, tão fundamentais para o fortalecimento da democracia e para a construção de uma cultura de paz em território nacional.
 

(Foto: Hederson Alves/Governo do Paraná)