GT do MEC propõe ações emergenciais para prevenir ataques às escolas
O Ministério da Educação (MEC) divulga nesta sexta (03/11) o relatório final de seu Grupo de Trabalho de Especialistas em Violência nas Escolas. O documento analisa o fenômeno contemporâneo dos ataques às escolas no Brasil e traz recomendações para a ação governamental.
Entre as propostas de enfrentamento estão a regulamentação do Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas (SNAVE) e, articuladas a esse sistema, a criação de Comissões de Proteção e Segurança Escolar (públicas e privadas) em escolas.
O relatório ainda recomenda a responsabilização das plataformas digitais sobre a circulação de conteúdo extremista e ilegal. (Veja mais propostas de ação abaixo).
O GT foi formado em abril e estabelecido pela Portaria MEC 1.089 de 12 de junho de 2023. O colegiado é composto por 68 membros.
A relatoria é do professor Daniel Cara, da Faculdade de Educação da USP e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
ACESSE O RELATÓRIO AQUI
O texto evidencia que ocorreram 36 ataques no Brasil entre o início de 2002 e outubro de 2023, acometendo 37 escolas públicas e privadas – o ataque de Aracruz (ES), ocorrido no final de novembro do ano passado, vitimou duas escolas. Ao todo, 49 pessoas morreram nos 37 ataques analisados e 115 pessoas foram feridas.
O ano de 2023 (apenas considerando os meses de janeiro a outubro) já é o que apresenta o maior número de ataques às escolas: 16, mais que o dobro do ocorrido em 2022, com sete.
A partir de 2017, houve um aumento significativo de ataques a escolas no Brasil. Dentre os ataques, 16 utilizaram armas de fogo como armamento principal; 16 fizeram uso de armas brancas; e, quatro, de outros tipos.
A letalidade dos ataques com armas de fogo é muito superior, sendo responsável por 38 das 49 mortes ocorridas, ou seja, 77,55%. Enquanto isso, armas brancas foram responsáveis por 11 mortes (22,45%).
Das 37 escolas vitimadas por ataques de violência extrema no Brasil, 30 são públicas (14 municipais e 16 estaduais) e sete são escolas privadas. Considerando que as escolas públicas atendem mais de 80% dos estudantes brasileiros e as escolas privadas atendem cerca de 20% dos estudantes, isso significa que não há diferença real entre ambos os tipos de estabelecimentos quanto ao fenômeno.
Além de apresentar as discussões mais atualizadas de pesquisas científicas sobre extremismo e violência contra as escolas, o documento identifica as possíveis causas dos ataques às escolas e propõe políticas de enfrentamento ao problema.
O extremismo é o elemento central dos ataques às escolas, afirma o relatório. A cooptação de adolescentes é comum, e a misoginia e o racismo desempenham um papel crucial nesse processo.
Fenômeno multicausal
Sem o objetivo de estigmatizar indivíduos, o relatório descreve as características de quem ataca as escolas.
Até aqui, os agressores, em 100% dos casos do sexo masculino, foram motivados por discursos de ódio e/ou comunidades online de violência extrema.
O bullying (perseguição sistemática) é parte do problema mas, sozinho, não explica a ocorrência do fenômeno da violência extrema contra a escola. O fenômeno é multicausal, ou seja, diversos fatores associados produzem a ocorrência de um ataque. Tampouco a motivação dos ataques pode ser reduzida apenas a questões de saúde mental dos perpetradores, ainda que sejam um aspecto significativo.
Os ataques às escolas, normalmente – em que pese especificidades –, são copycat crimes (crimes por imitação). Copycat crimes são delitos que se baseiam ou são inspirados em um crime anterior. Isso favorece e explica o “efeito de onda”, estabelecido no Brasil desde 2011, intensificado a partir de 2017 e exacerbado nos últimos meses.
Há forte correlação entre os ataques ocorridos nos EUA, especialmente o mais conhecido entre eles, de Columbine (1999), com os ataques ocorridos aqui. Analisar em profundidade as diferenças e semelhanças do que ocorre no Brasil e no exterior colabora substancialmente para o enfrentamento do problema, diz o texto.
A falta de controle sobre discursos e práticas de ódio se disseminam ainda mais facilmente por meios digitais. A cooptação desses adolescentes ocorre, principalmente, em interações virtuais, cujas estratégias incluem humor, estética e linguagem violentas, especialmente misóginas, machistas e racistas, em plataformas de Internet utilizadas pelos grupos extremistas com fins de organizar comunidades de ódio e mobilizar ataques, resultando em impunidade por conta do anonimato.
Frente a uma exacerbação do extremismo na sociedade brasileira, grupos extremistas recrutam com base em ressentimentos emocionais e valores reacionários.
Ferramentas de controle parental e postura crítica para não adesão a tal tipo de chamamento, apesar de eficazes no enfrentamento ao problema, têm baixa incidência devido aos insuficientes letramento informacional e educação crítica midiática da população em geral.
Ações emergenciais que devem ser promovidas pelo Estado brasileiro para prevenir os ataques às escolas - extraídas do relatório
1 - Desmembrar e enfrentar a formação e a atuação de subcomunidades de ódio e extremismo, inclusive com ações de apoio aos jovens que são cooptados por esses grupos;
2 - Promover a cultura de paz; implementar um controle rigoroso sobre a venda, o porte e o uso de armas de fogo e munições; e desenvolver ações para monitorar clubes de tiros e similares, inclusive proibindo o acesso de crianças e adolescentes a armas e a tais espaços;
3 - Responsabilizar as plataformas digitais sobre a circulação de conteúdo extremista e ilegal;
4 - Responsabilizar as pessoas que compartilham vídeos de ataques e informações sobre os autores;
5 - Atualizar as leis sobre crimes de ódio (Lei nº 7.716/1989) e bullying (13.185/2015);
6 - Regulamentar e implementar o Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas - SNAVE (Lei 14.643/2023) e a Lei 14.644/2023, sobre a instituição de Conselhos Escolares e de Fóruns de Conselhos Escolares;
7 - Melhorar a convivência e o ambiente de acolhimento nas instituições educacionais brasileiras, inclusive garantindo boa infraestrutura física e um espaço de interrelações dialógicas e inclusivas, com ênfase na gestão democrática, na promoção da convivência democrática e cidadã, e na resolução pacífica de conflitos;
8 - Garantir que as escolas possam funcionar a partir das determinações constitucionais e legais, com profissionais da educação valorizados, com adequadas formações inicial e continuada (inclusive sobre o tema em questão), e boas condições de trabalho;
9 - Promover políticas de saúde mental nas escolas, aumentando os investimentos na expansão e no fortalecimento da rede de atenção psicossocial, promovendo a saúde mental dos estudantes e dos profissionais da educação;
10 - Expandir espaços comunitários destinados ao lazer, à socialização, aos esportes e à cultura;
11 - Elaborar diretrizes, orientações e protocolos adequados à realidade brasileira para atuação após os ataques;
12 - Acordar com os veículos de comunicação e plataformas digitais protocolos sobre a cobertura dos casos de violências nas escolas e contra as escolas, evitando o estímulo a novos ataques, por meio do efeito contágio ou efeito de onda;
13 - Ampliar e aperfeiçoar o setor de inteligência sobre os crimes de ódio, além de estabelecer ações federativas articuladas sobre o tema dos ataques às escolas.
GT executivo
Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha, integrou o executivo do GT, e contribuiu com a construção do relatório.
Zara Figueiredo, secretária da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão - Secadi-MEC, e Yann Evanovick, coordenador-geral de Políticas Educacionais para a Juventude da Secadi-MEC, foram, respectivamente, coordenadora e coordenador-executivo do GT executivo.
Além dos citados, os membros do GT executivo são: Amanda Vargas (FNDE); Cléber Santos (Secadi/MEC); Cybele Oliveira (SEB/MEC); Fernanda Pacobahyba (FNDE); Gabriel Medina (psicólogo e especialista em políticas públicas de juventude); Irlane Medeiros (Secadi/MEC); Laura Eli Padilha (Secadi/MEC); Madalena Guasco Peixoto (CONTEE e PUC-SP); Maria Rebeca Otero Gomes (UNESCO); Miriam Abramovay (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais); Rodrigo Luppi (Secadi/MEC); Rosilene Corrêa Lima (CNTE); Sarah Carneiro (psicóloga com experiência em situações críticas e luto) e Victor Henrique Grampa (professor, especialista em educação e segurança pública; e Ouvidoria das Polícias do Estado de São Paulo).
(Foto: SEDUC/PI)