Seminário sobre o PNE: representações nacionais e da Bahia discutem planos da educação nos níveis federal, estadual e municipal

Evento intitulado “Balanço e desafios para a próxima década, sem retrocessos e com ousadia, considerando as dimensões nacional e da Bahia” foi realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, com apoio da Uncme-BA e da SEC-BA

 

A confiança no trabalho em rede é a melhor forma de transformar sonhos em realidade – principalmente quando falamos da construção coletiva, implementação e monitoramento para o cumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE), legislação que é a espinha dorsal da educação brasileira e que induz a elaboração dos planos estaduais e municipais.

Essa é uma síntese das falas de representações da educação em âmbito nacional e da Bahia – sociedade civil organizada, fóruns de educação, Ministério Público, instâncias de poderes legislativo e executivo – no Seminário sobre o PNE “Balanço e desafios para a próxima década, sem retrocessos e com ousadia, considerando as dimensões nacional e da Bahia”, que aconteceu nesta quarta (18/10), em Salvador (BA).

O seminário fez parte do 11º Encontro Nacional “Desafios e oportunidades para o direito à educação no Brasil: Rumo ao novo PNE! Sem retrocessos e com ousadia!”, realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação entre 17 e 19 de outubro. 

O evento, que aconteceu no Hotel Fiesta, no Itaigara, teve apoio da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme-BA) – entidade que integra o Comitê Diretivo da Campanha desde a sua fundação – e da Secretaria da Educação do Estado da Bahia (SEC-BA). Assista ao seminário nos canais de YouTube da TV UNCME Bahia e da Campanha.

Adélia Pinheiro, secretária de educação do estado da Bahia, afirmou estar honrada em receber a Rede da Campanha. “Nos encontramos em um lugar que nos dá orgulho fazer parte. Esse encontro é parte do que fervilha na Bahia”, disse.

A secretária de educação descreveu as ações recentes da rede estadual baiana, dando destaque à promoção de atividades de ciência e tecnologia, educação escolar indígena, permanência estudantil, estímulo à educação em tempo integral e a relevância de infraestrutura escolar adequada. 

“A escola de hoje é uma estrutura física que reúne condições de trabalho, salas climatizadas, de conexão [à internet] nos espaços pedagógicos. (...) Num ambiente de trabalho de qualidade, para acolher o estudante e o professor”, afirmou Pinheiro.

Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha, agradeceu a acolhida da SEC-BA e da Uncme-BA e destacou que, desde a perspectiva do território até a do global, a Campanha está na luta pela educação pública de qualidade. “[Somos] rede e movimento, pois estamos sempre nesse campo de batalha para a garantia do direito à educação a todas as pessoas, sem nenhuma discriminação”, disse.

A coordenadora estadual da Uncme-BA e membro da coordenação do Comitê Bahia da Campanha, Gilvânia Nascimento, falou sobre o significado de alianças como essa. “Quando idealizávamos trazer o encontro para cá e levamos para a secretária Adélia, de prontidão ela acatou a viabilização na terra de Anísio Teixeira e, com isso, a nossa rede mostra o quanto é importante estarmos articulados com os parceiros, a exemplo do Ministério Público da Bahia, o legislativo, os fóruns de Educação e a sociedade civil”, lembrou.

Patrícia Barral, também integrante da coordenação do Comitê Bahia, destacou que o cenário político inspira um momento de força para a atuação dos movimentos sociais da educação. “Me sinto energizada sempre que a Campanha se encontra. A gente se mobiliza, a gente ganha força. E sempre lembro do esperançar de Paulo Freire. Com o desejo de alcançar a educação pública de qualidade, nos moldes que a sociedade merece. Não podemos perder essa energia de continuar lutando. Devemos continuar esperançando.”

Josevanda Franco, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação - Região Nordeste e de Sergipe, declarou apoio à iniciativa, destacando que o poder público deve cumprir aquilo que constitucionalmente está definido: uma educação pública, gratuita, universal e de qualidade a todas as pessoas. “Espero que a Conaee materialize aquilo que todos nós esperamos. A Undime sempre estará ao lado daqueles que querem uma educação pública de qualidade. Espero que os que pensam façam não um plano exequível, mas adequado”, disse.

Marcaram presença na mesa de abertura também Olívia Santana (PCdoB-BA), deputada estadual e presidente da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa da Bahia; Rosilene Vila Nova Cavalcante, superintendente de políticas para a educação básica (SUPED/SEC-BA); Iracema Lemos, representante do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Educação do Ministério Público da Bahia (CEDUC/MP-BA); e João Danilo Oliveira, coordenador do Fórum Estadual de Educação da Bahia (FEE-BA).

Balanço do PNE 2023
Andressa Pellanda, dentro de sua explanação sobre o Balanço do PNE 2023 – material produzido pela Campanha anualmente que faz um diagnóstico da situação de cada uma das 20 metas do Plano e avalia seu cumprimento ao longo do tempo –, detalhou cada uma das metas e contextualizou as razões pelas quais cerca de 90% dos dispositivos dessas metas não devem ser cumpridas no prazo, segundo o Balanço.

Além do contexto de pandemia e dos retrocessos inerentes ao governo Bolsonaro, um dos principais motivos levantados pela Campanha para tamanho escanteamento do Plano são as políticas de austeridade implementadas pelo governo federal a partir de 2015 e depois recrudescidas em 2016, com a aprovação da EC 95/2016 do Teto de Gastos, que geraram subfinanciamento generalizado nas áreas sociais, incluindo a educação. 

A influência ultraliberal no executivo federal também criou políticas geradoras de desigualdades como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Novo Ensino Médio (NEM). A ascensão de forças ultraconservadoras que promovem o ensino domiciliar, as novas faces do movimento Escola Sem Partido (ESP) e a militarização das escolas também emergiram dentro desse contexto.

Com o PNE posto de lado por parte dos atores da educação, principalmente ligados às fundações empresariais, um efeito foi que estados e municípios veem o Plano como um cardápio, ao trabalharem para cumprir somente algumas das metas, e não todas como diz a Lei do PNE (13.005/2014). 

“A gente não pode aceitar a proposta de [termos apenas] um PNE exequível – que muitas vezes vem do Ministério da Educação –, [de] que seja viável e que não seja tão ousado. Porque estamos há centenas de anos em dívida com a nossa população, principalmente com as populações indígenas, negras e quilombolas”, alertou Pellanda.

A educadora representante do FEE-BA, Maria Couto Cunha, fez um balanço crítico das formas de elaboração de novos planos de educação. Ela frisou que, por vezes, estados e municípios têm metas muito modestas em seus planos, parecendo que foram feitas já para serem cumpridas.

“Precisamos rever as metas [nos âmbitos subnacionais]. Existem planos estaduais que seguem exatamente as mesmas metas do PNE. Precisamos conhecer a nossa realidade para fazermos novos planos”, ressaltou. “Há municípios que não produzem dados para suas próprias políticas, suas análises da realidade, ficam muito reféns das análises do Inep [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira].”

Ao final, Maria Thereza Marcílio, integrante do Comitê Bahia da Campanha e também do FEE-BA, fez uma apresentação sobre a Educação Infantil, salientando a necessidade da garantia de direitos e normas e a implementação de políticas que almejem o pleno desenvolvimento humano, reconhecendo modos de vida próprios de cada território, e protegendo as crianças contra quaisquer violências.

“É importante salientar que criança é sujeito pleno de direito. Ela/ele é diferente, não é menos capaz. A Educação Infantil já podia estar influenciando o resto do ensino. (...) Cuidar e educar deve ser para todo o processo educativo”, enfatizou.

Encontro nacional
Os debates do encontro nacional tiveram como objetivo fortalecer a articulação de centenas de entidades da Rede da Campanha, de todas as unidades da federação, em prol da participação no ciclo da Conferência Nacional Extraordinária de Educação (Conaee 2024). 

Considerada um dos principais instrumentos de participação social da educação, a Conaee 2024 tem caráter deliberativo e apresenta um conjunto de propostas para subsidiar a discussão e a implementação do novo Plano Nacional de Educação (2024-2034) pela União, pelos estados, Distrito Federal e pelos municípios, no contexto da criação e implementação do Sistema Nacional de Educação (SNE), abrangendo especialmente a participação social, a cooperação federativa e o regime de colaboração.

O tema da conferência é justamente "Plano Nacional de Educação (2024-2034): política de Estado para a garantia da educação como direito humano, com justiça social e desenvolvimento socioambiental sustentável". A vigência do PNE atual finda nos próximos meses.

A atuação de entidades nas etapas estaduais da Conaee é primordial para que lutas históricas, como da concretização e implementação do CAQ (Custo Aluno-Qualidade) – parâmetro de financiamento para qualidade adequada da educação e mecanismo de controle social –, estejam dentro das metas e estratégias da nova Lei do PNE. 

As falas do encontro nacional colocaram em perspectiva a atuação da Campanha, identificando desafios e oportunidades para a efetivação de sua missão de promoção do direito à educação, em seus eixos institucional, programático e político.

Estudo sobre EJA e educação indígena de mulheres
No último dia do encontro nacional (19/10), as representações do direito à educação de diversos estados fizeram uma revisão do plano estratégico produzido, dentro de uma assembleia da Campanha. Ao final, o movimento realizou, em parceria com a Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (CLADE), com apoio da Oxfam Ibis, o pré-lançamento de um estudo sobre Educação de Jovens e Adultos (EJA) na educação indígena de mulheres. A transmissão aconteceu no canal do YouTube da Campanha e da Clade.

CONFIRA AQUI O "ESTUDO SOBRE OFERTAS EDUCATIVAS PÚBLICAS PARA MULHERES INDÍGENAS JOVENS E ADULTAS"

O objetivo do estudo é realizar um diagnóstico sobre ofertas educacionais públicas para mulheres indígenas jovens em quatro países da América Latina: Brasil, Colômbia, Guatemala e Paraguai. 

Além de Andressa Pellanda e Marcele Frossard, coordenadora de programa e políticas da Campanha, participaram da mesa Ana Paula Ferreira Lima, coordenadora na Associação Nacional Indigenista (Anaí), Shayres Pataxó, professora indígena e integrante da Anaí, da aldeia pataxó Coroa Vermelha, e Vanderlete da Silva, professora da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). 

Andressa Pellanda pontua que existem muitas comunidades indígenas sem escolas, e que a escola é fundamental para o reconhecimento do território da própria comunidade, e de levar outros direitos para ali por meio do direito à educação.

“Em Roraima, fui para Boa Vista e a gente atravessou o estado quando fomos para Pacaraima, e a gente passou por diversas comunidades indígenas, fora os venezuelanos que estão chegando pela fronteira ali, muitas escolas tinham placas na beira da estrada contra o marco temporal. Para vermos com as lutas por direitos se entremeiam”, contou Pellanda. Ela ressaltou o como o Projeto Euetu - Grêmios e Coletivos Estudantis, da Campanha, incorpora a importância desse pertencimento que a escola confere ao território. 

Exclusão
As entrevistas do estudo realizadas reafirmam o processo de desmonte da política de EJA no Brasil nos últimos anos, assim como a falta de escolas das diferentes etapas de ensino nos territórios indígenas. 

O impacto imediato para os jovens e adultos é não continuar os estudos, porque exige deslocamento ou, no caso dos que mudam, o enfrentamento da falta de recursos e do preconceito.

“Ao analisar os dados de monitoramento e avaliação sobre a EJA nos últimos anos no Brasil, observamos que não é uma queda de matrículas em EJA devido à falta de interesse ou de condições dos adultos e idosos em se formarem. A principal explicação está relacionada a um massivo fechamento de turmas de EJA em todo o país. É uma tendência discriminatória, que reflete a preocupação com lucros e não com a garantia de direitos”, mostrou Marcele Frossard em sua apresentação.

Os estudos encontrados denunciam as violências sistemáticas sofridas pelas/os indígenas, assim como a ameaça constante ao direito à terra e a afirmação de suas culturas e identidades.

Ana Paula Lima apontou que a população indígena aumentou consideravelmente a partir do último censo, variando de 1 milhão a quase 2 milhões de indígenas. “Esse crescimento não é demográfico, mas de autoidentificação racial. Sobretudo de mulheres indígenas que são 50% da população indígena do Brasil”, destaca. 

Shayres Pataxó trouxe relatos de ser uma jovem professora indígena. Falou sobre as condições adequadas para que exista o processo de ensino-aprendizagem, em especial a questão da fome entre estudantes indígenas que costumavam ir para escola para se alimentar. 

“Eu estudei na escola indígena municipal. Era péssimo por conta da falta de merenda, de transporte, de água, de estrutura. Não podia usar o banheiro porque a porta não fechava, porque as paredes estavam caindo”, disse.

Enquanto docente e mãe, Shayres ressalta também que a exclusão de mulheres mães indígenas na escola é um desafio a ser enfrentado, pois a maioria dos estudantes que estudam na EJA são mulheres indígenas mais velhas que se matriculam, geralmente, após seus companheiros concluírem os estudos.

Ela afirma a importância do direito originário à terra como garantia de todos os outros direitos interdependentes: o direito à educação e direito à saúde.

A Campanha Nacional realizará o lançamento oficial do estudo em novembro, e vai mostrar um aprofundamento desse diagnóstico do Brasil e dos outros países participantes. 

Campanha Nacional pelo Direito à Educação
A Campanha é a articulação mais plural e ampla no campo da educação básica. É uma rede que articula mais de 300 entidades de todo o Brasil, incluindo sindicatos, movimentos sociais, organizações não-governamentais, universidades, grupos estudantis, juvenis e comunitários e muitas outras pessoas que acreditam que um país cidadão somente se faz com uma educação pública de qualidade. O movimento completa 25 anos em 2024.

(Foto: Campanha Nacional pelo Direito à Educação)