Educação brasileira retrocede em metas da Agenda 2030 da ONU, mostra Relatório Luz 2023
Seis das dez metas da educação estipuladas pela ONU, dentro da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, estão em retrocesso. É o que mostra a nova edição do Relatório Luz da Sociedade Civil sobre a Agenda 2030 no Brasil, lançado na última semana.
A continuidade no subfinanciamento da educação pública, a ameaça de agravamento de desigualdades com o Novo Ensino Médio e o avanço da militarização das escolas – mesmo com o fim do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim) – são algumas das principais razões para o diagnóstico.
Outros retrocessos já apontados nas edições anteriores se repetem, como no acesso e na permanência desiguais na escola em todas as etapas de ensino, infraestrutura escolar insuficiente (avançando apenas 2,5 pontos percentuais desde a instituição do PNE), promoção insatisfatória de políticas pautadas nos direitos humanos e diversidades, entre outros.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação integra o GT Agenda 2030 – que produz o relatório – e coordena o capítulo de educação (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4).
O ODS 4 prevê que cada país deve “assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos”.
O Relatório Luz 2023 referencia o Balanço do Plano Nacional de Educação (PNE) de 2023, publicado pela Campanha, em seu diagnóstico e destaca que 13 das 20 metas do Plano Nacional de Educação estão em retrocesso. A Campanha estima que 90% delas não devem ser alcançadas em 2024.
Segundo o relatório, a distorção idade-série, as altas taxas de evasão escolar e os baixos índices de aprendizagem persistem. A privatização também avança (na contramão dos Princípios de Abidjan e da Constituição Federal de 1988), com o crescente número de instituições privadas atuando na Educação Infantil e no Ensino Superior.
“O racismo é evidente: 30% da juventude preta e parda entre 15 e 17 anos não frequentou ou não concluiu no tempo correto o Ensino Médio entre 2012 e 2022, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2022, o número de jovens deste grupo com acesso à educação na idade correta era equivalente ao que a juventude branca brasileira alcançou 10 anos antes. O Novo Ensino Médio ameaça ampliar esse abismo”, afirma o documento.
Docentes dos anos finais do Ensino Fundamental com formação adequada não passam de 59% na média nacional, com porcentagens abaixo de 50% no Norte, no Nordeste e nas zonas rurais brasileiras.
"Há retrocessos e avanços muito lentos para a garantia do cumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE), que é na verdade a materialização dos ODS na educação brasileira -- já que o PNE é mais avançado que o próprio ODS 4", afirmou Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
"[É um] ano de construção do novo PNE e a gente espera que a garantia do financiamento da educação seja feita com fôlego, para garantia do novo Plano, sem retrocessos, que garanta os avanços que a gente precisa para chegar em 2030 com os ODS cumpridos no Brasil, especialmente o ODS do direito à educação."
O Relatório Luz é feito pelo GT Agenda 2030, grupo de organizações da sociedade civil. A Agenda 2030 é um acordo de países coordenado pela ONU para o desenvolvimento sustentável. O Brasil é signatário.
Nesta edição do relatório, considerando todos os ODSs (17 objetivos que abrigam 168 metas), 102 metas (60,35%) estão em situação de retrocesso, 14 (8,28%) estão ameaçadas, 16 (9,46%) estão estagnadas em relação ao período anterior, 29 (17,1%) estão com progresso insuficiente, apenas 3 (1,77%) estão com progresso satisfatório e 4 (2,36%) delas estão sem dados suficientes para classificação, sendo que uma meta (0,59%) não se aplica ao Brasil. O ano de comparação é 2015, quando os ODSs foram lançados.
RECOMENDAÇÕES DO RELATÓRIO LUZ
1. Revogar o Novo Ensino Médio, Lei 13.415/2017 e implementar efetivamente as Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, para garantir uma educação antirracista e diversa;
2. Financiar adequadamente a educação, cumprindo os mínimos constitucionais e o Custo Aluno-Qualidade (CAQ);
3. Investir adequadamente no ensino superior, na ciência e no desenvolvimento tecnológico;
4. Regulamentar a ação do setor privado na educação, com base nos Princípios de Abidjan;
5. Garantir plena regulamentação do Fundeb, ajustando fatores de ponderação para financiar adequadamente a educação de jovens e adultos e modalidades mais necessitadas tais como a educação no campo, quilombola e indígena;
6. Reabrir turmas de EJA em todo o país, com qualidade, e garantir acesso e permanência à população foco dessa política;
7. Suspender, pelo STF, as Leis que restringem o debate sobre gênero e orientação sexual nas escolas e rejeitar os mais de 200 projetos de lei nas Casas Legislativas do país, com o mesmo teor;
8. Desmilitarizar, imediatamente, as escolas militarizadas.
Metas do ODS - 4
4.1 [RETROCESSO] Até 2030, garantir que todas as meninas e meninos completem o ensino primário e secundário livre, equitativo e de qualidade, que conduza a resultados de aprendizagem relevantes e eficazes.
4.2 [RETROCESSO] Até 2030, garantir que todos os meninos e meninas tenham acesso a um desenvolvimento de qualidade na primeira infância, cuidados e educação pré-escolar, de modo que eles estejam prontos para o ensino primário.
4.3 [RETROCESSO] Até 2030, assegurar a igualdade de acesso para todos os homens e mulheres à educação técnica, profissional e superior de qualidade, a preços acessíveis, incluindo universidade.
4.4 [RETROCESSO] Até 2030, aumentar substancialmente o número de jovens e adultos que tenham habilidades relevantes, inclusive competências técnicas e profissionais, para emprego, trabalho decente e empreendedorismo.
4.5 [RETROCESSO] Até 2030, eliminar as disparidades de gênero na educação e garantir a igualdade de acesso a todos os níveis de educação e formação profissional para os mais vulneráveis, incluindo as pessoas com deficiência, povos indígenas e as crianças em situação de vulnerabilidade.
4.6 [RETROCESSO] Até 2030, garantir que todos os jovens e uma substancial proporção dos adultos, homens e mulheres, estejam alfabetizados e tenham adquirido o conhecimento básico de matemática.
4.7 [ESTAGNADA] Até 2030, garantir que todos os alunos adquiram conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, inclusive, entre outros, por meio da educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de gênero, promoção de uma cultura de paz e não-violência, cidadania global, e valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável.
4.a [AMEAÇADA] Construir e melhorar instalações físicas para educação, apropriadas para crianças e sensíveis às deficiências e ao gênero e que proporcionem ambientes de aprendizagem seguros e não violentos, includentes e eficazes para todos.
4.b [RETROCESSO] Até 2020 substancialmente ampliar globalmente o número de bolsas de estudo para os países em desenvolvimento, em particular, os países menos desenvolvidos, SIDS e os países africanos, para o ensino superior, incluindo programas de formação profissional, de tecnologia da informação e da comunicação (TIC), técnicos, de engenharia e científicos programas científicos em países desenvolvidos e outros países em desenvolvimento.
4.c [AMEAÇADA] Até 2030, substancialmente aumentar o contingente de professores qualificados, inclusive por meio da cooperação internacional para a formação de professores, nos países em desenvolvimento, especialmente os países menos desenvolvidos e SIDS.
Sobre o Relatório Luz
O Relatório Luz da Sociedade Civil sobre a Agenda 2030 no Brasil teve sua série iniciada em 2017. Busca, por meio da coleta e análise de dados, responder como os indicadores das metas da Agenda 2030 estão sendo aplicados na realidade brasileira, tomando por base os dados oficiais disponíveis.
“A participação ativa da sociedade civil tem se mostrado essencial para pressionar por mudanças, monitorar políticas públicas e garantir que ninguém seja deixado para trás. É verdade que o saldo da série histórica não tem sido positivo para nós. Estamos levando um 7 x 1 no campo das desigualdades. Mas, por incrível que pareça, ainda temos chances de virar esse jogo. Ainda que o atual governo tenha o imenso desafio de trocar pneus com o carro andando, é possível reverter muitos desses indicadores, a depender das escolhas que faça", escreveu Alessandra Nilo, coordenadora geral da ONG Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero, e co-facilitadora do GT Agenda 2030, em artigo no Congresso em Foco.
(Foto: Claudio Rabelo/CMBH)