Crise nos países de renda média é generalizada, mas não insolúvel, dizem debatedores na ONU
Os países de renda média sofrem com uma crise generalizada. Ela é traduzida como um choque de dívida, inflação e subfinanciamento nas áreas sociais, inclusive a educação. Essa realidade, porém, não é insolúvel.
Esse é o diagnóstico geral apontado por debatedores especializados em financiamento público no Fórum Político de Alto Nível da ONU, em Nova York.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação está acompanhando e pautando os debates in loco no evento enquanto representante da sociedade civil, nas figuras de Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha, e Daniel Cara, professor da FE-USP e membro do Comitê Diretivo da Campanha. A Campanha também faz parte do GT da Agenda 2030 e da Campanha Latino-americana pelo Direito à Educação, acompanhando com essas redes a agenda localmente.
“O Brasil, mais uma vez, esteve mudo. Achava que nesse iriam estar presentes. Mas estão surpreendentemente muito quietos”, disse Andressa Pellanda, que é membro do GT da Agenda 2030 e da Clade (Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação).
Shermaine Barrett, que representou o Grupo de Educação e Academia da Sociedade Civil, o qual a Campanha parte, avaliou que os países de média renda são muitos e variados, mas têm desafios comuns: enfrentam lacunas financeiras, recursos limitados pela estrutura colonial ainda presente e pelas consequências trazidas pelos mecanismos muitas vezes tidos como "inovadores" e que têm impactos negativos. Para enfrentar a situação, defendeu a melhoria do acesso à educação para todos em todos os níveis – incluindo adultos e especialmente para os mais vulneráveis, assim como transparência e responsabilidade, garantindo boa governança e, claro, promover participação e engajamento da sociedade civil.
Nesta segunda, apontamos que, para a ONU, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 (da educação) não deve ser alcançado até 2023 se 79 países de renda baixa e média-baixa ainda enfrentarem uma lacuna de financiamento anual média de US$ 97 bilhões. As áreas sociais, como um todo, sofrem com essa falta de financiamento.
Para atingir o Objetivo 4, o financiamento da educação deve se tornar uma prioridade de investimento internacional e também nacional, avalia Andressa Pellanda.
Pellanda fez avaliações sobre as principais contribuições desta sessão temática do Fórum – que seguem abaixo.
Homi Kharas, senior fellow do Center for Sustainable Development Brookings, ressaltou que estamos em um choque temporário e que é preciso garantir reforma dos bancos multilaterais de desenvolvimento.
Rola Dashti, secretária-executiva do Economic and Social Commission for Western Asia, defendeu renegociação de dívidas; e Fiona Tregenna, representante da Cátedra de Pesquisa da África do Sul em Desenvolvimento Industrial, da Universidade de Johannesburg, chamou atenção para a "armadilha da renda média" – parecendo que há mais financiamento – mas com falta de atenção política e financiamento para financiamento social e para um desenvolvimento industrial inclusivo, em uma industrialização transformadora, social e politicamente. Defendeu a transferência de tecnologia genuína e redução das barreiras comerciais.
Adrian Lasimbang, membro do board do Right Energy Partnership with Indigenous Peoples, da Malásia (MGoS), trouxe uma perspectiva de povos indígenas, afirmando que há um fosso digital, pobreza e desigualdade atingindo os povos indígenas. E que é preciso focar a inovação em novos modelos de prestação de serviços para povos em áreas remotas, como construindo sistemas de água para garantir acesso a todos. Ainda, reiterou que as ONGs desempenham um papel vital – defendendo os direitos dos povos indígenas e advogando por políticas focadas –, defendendo financiamento direto para essas organizações. Por fim, em sua fala forte, defendeu aumento de recursos domésticos, para as áreas sociais, com tributação progressiva e fomento a indústrias locais.
Mishell Naomi Cabezas Vilela, advogado do Estudio Juridico Merchan /Merchan Law Firm, do Equador, trouxe o direito à educação como central para o avanço dos ODSs nos países de média renda. Segundo ela, é preciso garantir educação de qualidade, acesso para todos, formação inicial e continuada de profissionais, infraestrutura nas escolas, e capacitar gerações para um pensamento crítico e transformador.
México e Chile também defenderam investimentos em educação – de forma genérica, o que implica não compreendermos que tipo de financiamento defendem, a despeito de sabermos como têm funcionado as políticas neoliberais em alguns dos países da América Latina e o Caribe.
(Foto: ONU/Divulgação)