Programas de assistência social devem ser financiados com recursos suplementares à MDE, diz Fineduca
A Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação) se pronuncia contrariamente à proposta contida no Projeto de Lei n° 1049/2023, apresentado no dia 09/03/2023 na Câmara dos Deputados, que “acrescenta o inciso IX ao art. 70 e altera e altera a redação do inciso IV do art. 71 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996 para considerar os programas suplementares de alimentação destinados à merenda escolar, despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino”.
A associação, que faz parte do Comitê Diretivo da Campanha, entende que a inclusão das despesas com alimentação escolar em despesas com MDE conduzirá à diminuição dos recursos a serem aplicados no ensino, já insuficientes para que o Brasil melhore as suas condições para a oferta de uma educação de qualidade, com a definição de um Custo Aluno-Qualidade (CAQ) compatível com as necessidades nacionais.
"Assim, a posição da Fineduca é contrária à proposição do Projeto de Lei n° 1049/2023, pelos argumentos apresentados, mas, em especial, quanto à proteção de recursos para as atividades que correspondem à função fundamental da escola – garantia do ensino com qualidade social", diz o texto.
LEIA NA ÍNTEGRA A MANIFESTAÇÃO DA FINEDUCA
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A desigualdade social precisa ser combatida sem retirar recursos do ensino brasileiro: os programas de assistência social devem ser financiados com recursos suplementares à MDE [1]
Manifestação pública da Fineduca sobre a proposta de inclusão das despesas com Alimentação Escolar nos gastos com a Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE)
A Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (FINEDUCA) se pronuncia contrariamente à proposta contida no Projeto de Lei n° 1049/2023, apresentado no dia 09/03/2023 na Câmara dos Deputados, que “Acrescenta o inciso IX ao art. 70 e altera e altera a redação do inciso IV do art. 71 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996 para considerar os programas suplementares de alimentação destinados à merenda escolar, despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino”.
A vinculação de recursos oriundos da receita de impostos a serem aplicados em despesas com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), definida pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 212, foi uma conquista dos movimentos e entidades que atuam na defesa da educação pública e percorreu um longo caminho de avanços e retrocessos, até chegar à definição que se tem atualmente.
Na Constituição da República, o parágrafo 4º do art. 212 estabelece: Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários. Ou seja, este parágrafo retira a possibilidade de financiar a alimentação escolar e a assistência à saúde dos educandos com os recursos da receita resultante de impostos vinculados a Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (art. 212, §4º). Este preceito é reafirmado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394/1996. Por isso, é preciso enfatizar que o custeio de despesas com alimentação escolar com recursos da MDE é inconstitucional.
A especificação das despesas que podem ou não ser consideradas como de MDE foi estabelecida nos artigos 70 e 71 da LDB. Tal especificação responde a uma histórica necessidade da clara definição do que, de fato, constitui e o que não constitui despesas com o ensino, compreendido este como a ação precípua da escola e da administração das redes de ensino públicas. Assim, a importância da definição de despesas com MDE reside na proteção de uma parte significativa dos recursos financeiros para a garantia das atividades diretas com o ensino e, consequentemente, a ampliação de recursos financeiros, inclusive oriundos de outras fontes, para financiar atividades que não correspondam aos objetivos específicos da instituição escolar – o ensino – mas que com ele colaboram.
E é nessa perspectiva que a LDB, em seu Art. 71, inciso IV, é explícita ao incluir, entre as despesas que não constituem MDE, aquelas realizadas com “programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social.” Ou seja, tais despesas não se destinam diretamente ao ensino, mas constituem despesas de assistência social, necessárias para o bom desenvolvimento do ensino em uma sociedade marcada por profundas desigualdades sociais, na qual parte significativa das famílias apresentam limitações para garanti-las. Em condições contrárias, tais ações não se fariam necessárias. Assim, tais tarefas se apresentam como necessárias de serem executadas pela escola, mas não podem se confundir com sua ação precípua de garantia do ensino, tarefa que não poderá ser exercida por outras instituições em seu lugar.
Deve-se observar ainda que, o artigo 70 da LDB nº 9.394/1996, ao incluir a “realização de atividades-meio necessárias ao funcionamento dos sistemas de ensino” nas despesas consideradas como de MDE, vincula tais atividades “ao funcionamento dos sistemas de ensino”, o que significa atividades típicas da administração dos órgãos gestores da educação, tais como secretarias de educação, conselhos de educação, escolas, bem como as secretarias das escolas entre outros. Logo, despesas com alimentação escolar não correspondem ao “funcionamento dos sistemas de ensino”, mas a uma ação de assistência ao educando.
E por reconhecer a necessária ação complementar da escola na garantia de assistência social diante das condições de pobreza que afeta parte significativa dos estudantes da escola pública, o legislador assegurou fontes complementares de recursos financeiros, como salário-educação e, mais recentemente, os royalties oriundos da exploração do petróleo e gás. Assim, a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 212, §4º, determinou como um dos destinos do salário-educação o financiamento da alimentação escolar.
Entendemos que a inclusão das despesas com alimentação escolar em despesas com MDE conduzirá à diminuição dos recursos a serem aplicados no ensino, já insuficientes para que o Brasil melhore as suas condições para a oferta de uma educação de qualidade, com a definição de um Custo Aluno-Qualidade (CAQ) compatível com as necessidades nacionais.
Assim, a posição da Fineduca é contrária à proposição do Projeto de Lei n° 1049/2023, pelos argumentos apresentados, mas, em especial, quanto à proteção de recursos para as atividades que correspondem à função fundamental da escola – garantia do ensino com qualidade social.
Goiânia, 11 de maio de 2022.
[1] Documento elaborado pelos associados da Fineduca: Cacilda Cavalcanti, Nelson Cardoso Amaral, Nalú Farenzena, Marcia Jacomini, Rubens Barbosa de Camargo.
(Foto: Arquivo/FNDE)