Decisão histórica: ONU aprova por consenso agenda de justiça fiscal global

Por meio de pressão de movimentos sociais como a Tax Justice Network, a Organização das Nações Unidas vai incluir países em fóruns democráticos para que possam reivindicar, de forma inédita, seus direitos tributários em cooperação internacional

 

A Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) aprovou nesta quarta (23/11), por consenso, a proposta do Grupo Africano – que compõe 54 países da União Africana – para que discussões sobre cooperação fiscal internacional aconteçam em fóruns democráticos da organização.

Na prática, a resolução indica que a ONU deve liderar as discussões sobre a regulação de impostos globais, desbancando assim o protagonismo da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) como um dos principais influenciadores de decisões sobre o tema no mundo.

Há mais de duas décadas, os países em desenvolvimento vêm reivindicando um processo de negociação tributária intergovernamental na ONU, que permita a todos os países participar em pé de igualdade das discussões e tomadas de decisões relacionadas à tributação. 

“Essa aprovação, por consenso, na ONU, que impacta a OCDE e a evasão fiscal diretamente, é um marco da vitória do decolonialismo, dos direitos humanos, da justiça social sobre um mercado global pouco regulado e muito injusto. Congratulamos os movimentos sociais responsáveis por essa pressão política e qualificação técnica em anos de incidência!”, afirmou Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

“Esta é uma vitória histórica para a justiça tributária e para o movimento mais amplo de justiça econômica e um grande passo para combater os fluxos financeiros ilícitos e o abuso fiscal”, disse Dereje Alemayehu, coordenador executivo da Aliança Global pela Justiça Fiscal (Global Alliance for Tax Justice).

A Aliança Global pela Justiça Fiscal e a Rede de Justiça Fiscal (Tax Justice Network) são duas das principais coalizões que incidiram politicamente na decisão, atuando em prol de uma governança fiscal inclusiva, transparente e liderada pela ONU.

“A decisão histórica provavelmente marcará o início do fim do reinado de 60 anos da OCDE como principal legislador mundial sobre impostos globais e agora dará início a uma luta pelo poder entre as duas instituições com implicações para economias globais e locais, negócios e pessoas em todos os lugares nas próximas décadas”, afirma em comunicado a Rede de Justiça Fiscal.

A Rede de Justiça Fiscal reúne coalizões de movimentos da sociedade civil e envolve ainda mais entidades em diversas ações globais – com os quais, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação colabora frequentemente – para incidir politicamente sobre a defesa dos direitos fiscais.

Os países em desenvolvimento são os mais afetados por empresas multinacionais não pagadoras de impostos. Esse abuso resulta na perda de pelo menos US$ 483 bilhões em impostos todos os anos. Parte desse valor é deixado de fora da tomada de decisões sobre as regras fiscais globais. Até agora, a tomada de decisões sobre questões tributárias globais foi liderada pela OCDE, e mais de um terço dos países do mundo não participou das discussões controladas pelo chamado "clube dos países ricos".

Saiba mais sobre a resolução da ONU aqui.

Reforma tributária global
Com a deliberação da ONU, os países poderão debater possíveis reformas no sistema tributário global, incluindo a criação de uma convenção tributária da ONU que revisaria as regras fiscais globais para acabar com o abuso fiscal global por parte de corporações multinacionais e dos super-ricos.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, foi encarregado de apresentar um relatório sobre essa e outras questões relacionadas.

“Para a maior parte do mundo, transferir a regulação sobre impostos globais para a ONU significará suspender o controle que as antigas potências coloniais continuaram a exercer por meio da OCDE sobre as regras fiscais globais desde a dissolução de seus impérios”, afirma a Tax Justice Network.