Campanha contribui para criação de metodologia que concilia divulgação de dados públicos com garantia à privacidade

Em workshop organizado por Open Knowledge Brasil e Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, organizações da sociedade civil ofereceram insumos para proposta de metodologia que possa balizar a abertura de dados em diferentes áreas de políticas públicas

 

Em fevereiro deste ano, diversas organizações da sociedade civil – entre elas, entidades científicas, redes de pesquisa e movimentos sociais da educação, como a Campanha – posicionaram-se publicamente contra a retirada do ar das bases históricas com microdados sobre o Censo Escolar e o Enem, feita pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) com base na LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais). 

A autarquia apenas havia divulgado versões menos detalhadas das bases do Censo da Educação Básica de 2021 e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020, e retirado todas as demais do site oficial, sem oferecer qualquer possibilidade de diálogo com a sociedade civil.

Alegando a necessidade de adequação à LGPD, o principal argumento do Inep gira em torno da possibilidade de reidentificação de indivíduos mediante cruzamento de microdados disponíveis na série histórica da instituição. 

No entanto, os relatórios usados como justificativa pelo Inep deixam de lado a discussão fundamental sobre os benefícios e importância da publicação desses dados para a formulação, monitoramento e avaliação de políticas educacionais e accountability do governo.

A decisão pouco dialógica do instituto desencadeou reações do campo de acesso à informação e da educação.

O documento, articulado pela Campanha e assinado, entre outras entidades, pela OKBR - Open Knowledge Brasil, dizia que o ato é inadmissível, que carece de fundamento legal e, como resultado, impede a avaliação e elaboração de políticas públicas que respondam às necessidades da população.

À época, a coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, afirmou que "essa situação é gravíssima para as pesquisas, para as políticas públicas, para o desenvolvimento socioeconômico e para os direitos humanos, notadamente o direito à educação”.

Workshop

Frente a isso, a Open Knowledge Brasil e a Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa organizaram o workshop fechado “LGPD e microdados: avançando em metodologias para avaliar riscos e garantir a transparência”, com representantes de diversos setores, entre eles, a sociedade civil organizada.

A iniciativa buscou coletar insumos para a posterior elaboração de uma proposta de metodologia que possa balizar a avaliação da publicação de microdados de outras áreas de políticas públicas sem perder de vista o direito à proteção de dados pessoais e à privacidade.

“As principais informações e documentos foram compilados neste relatório. O objetivo é orientar pesquisas e tomadas de decisão em casos similares, de modo que a proteção de dados pessoais e transparência pública caminhem em harmonia. A cronologia dos fatos permite uma visão expandida do cenário para que diferentes setores não limitem análises apenas aos riscos iminentes, mas também nas potencialidades de seus usos para inovação cívica e desenvolvimento científico”, dizem Associação Data Privacy BR de Pesquisa e Open Knowledge Brasil.

Principais recomendações

É preciso encontrar um meio termo, diz o relatório produzido com diversas análises de especialistas, inclusive dos participantes do workshop, entre a privacidade e o interesse público na disponibilização de dados, principalmente quando se prejudica a realização de estudos de modelagem quantitativa.

A proposta de metodologia – ainda em construção – busca, justamente, esse equilíbrio. 

“Diante da multiplicidade de interesses envolvidos, dados pessoais tratados e finalidades para cumprimento de políticas públicas, buscamos uma metodologia eficaz para ponderar os riscos e benefícios em cada caso, garantindo equilíbrio na efetivação dos direitos constitucionalmente garantidos, segurança jurídica e eficiência nas tomadas de decisão pelo poder público.para ponderar os riscos e benefícios em cada caso, garantindo equilíbrio na efetivação dos direitos constitucionalmente garantidos, segurança jurídica e eficiência nas tomadas de decisão pelo poder público.”

Um ponto importante é que é possível a implementação e o aprimoramento de técnicas de anonimização de dados pessoais a serem tornados públicos com usos e fins legítimos. Mas o documento chama atenção para a necessidade de se aprofundar a discussão sobre a anonimização. 

“É possível falar em infalibilidade de técnicas de anonimização? Basta que alguém consiga identificar um único indivíduo, inclusive a si mesmo, para uma base de dados não ser considerada anonimizada?”, questionam as entidades no documento.

“A LGPD não estabeleceu a anonimização como condição técnica para a divulgação pública ou compartilhamento de dados pessoais (...) por entidades e órgãos públicos, mas sim a identificação da extensão dos riscos e salvaguardas e de medidas de mitigação proporcionais aos riscos identificados por parte do controlador”, argumentam as entidades com base em Nota Técnica da Autoridade Nacional de Proteção de Dados.

Pontos de alerta

Entre os maiores pontos de cuidado está a constatação de que medidas de mitigação de riscos envolvidos na abertura de dados são imprescindíveis. E elas precisam ser discutidas e elaboradas de forma democrática, com participação ampla da sociedade civil.

“Riscos e benefícios vinculados à publicação de dados e informações não podem ser calculados apenas do ponto de vista técnico e computacional. É preciso haver uma análise qualitativa também. E apenas o debate público democrático é capaz de iluminar a determinação de quais riscos e benefícios, enquanto sociedade, estaremos dispostos a aceitar.”

“A partir desse caso, fica evidente tanto a necessidade da adoção de uma metodologia capaz de balancear o dever de transparência ao direito à proteção de dados pessoais em processos de abertura de dados, como o estabelecimento de diálogos, espaços de escuta e oportunidades de participação de diferentes setores da sociedade ao longo da avaliação.”

Acesse o relatório com a proposta de metodologia aqui.

Com informações de Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa e Open Knowledge Brasil