Exclusão de dados do Censo Escolar é inadmissível e impede a elaboração de políticas públicas, dizem entidades

Entidades científicas, redes de pesquisa e movimentos sociais da educação afirmam que o descarte de microdados do Censo Escolar, feito pelo Inep com base na LGPD, carece de fundamento legal e interdita o desenvolvimento científico, econômico e social

 

Em posicionamento público, entidades científicas, redes de pesquisa e movimentos sociais da educação afirmam que o descarte de microdados do Censo Escolar, feito pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) com base na LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), é inadmissível, carece de fundamento legal e, como resultado, impede a avaliação e elaboração de políticas públicas que respondam às necessidades da população. 

“Teremos também enormes prejuízos às pesquisas e às Ciências da Educação, impedindo o desenvolvimento científico, econômico e social. Ainda, o impacto da pandemia na população residente em território nacional não poderá ser avaliado, impedindo que saiamos dessa crise profunda pela qual estamos passando”, diz o documento. Veja abaixo as entidades signatárias.

LEIA O POSICIONAMENTO AQUI

O Inep alega que os microdados do exame, mesmo sendo anonimizados, podem levar à identificação de alunos e professores.

As entidades da educação, por sua vez, argumentam que “é preciso proteger a privacidade, sem abdicar da transparência”.

“Utilizar a LGPD como justificativa genérica para o descarte dos microdados do Censo Escolar carece de fundamento legal. A própria LGPD deixa claro em seu artigo 7º, incisos II e III, que a administração pública pode realizar o tratamento de dados pessoais necessários ao cumprimento de obrigação legal e/ou execução de políticas públicas, sem que para isso seja necessário o prévio consentimento da/o titular destes dados”, diz o texto.

“O tratamento de dados pessoais durante o Censo Escolar pelo INEP estaria baseada, dessa forma, no cumprimento da própria Constituição Federal que determina, em seu art. 208, §3°, que o Poder Público deverá recensear educandos no ensino fundamental, bem como na Resolução nº 1 de 2018 do CNE/MEC que institui as diretrizes operacionais para a coleta e registro de dados cadastrais de estudantes e profissionais de educação que atuam em instituições públicas e privadas de ensino em todo o território nacional. Inclusive esta mesma Resolução já antecipava, mesmo antes da promulgação da LGPD, a adoção do procedimento de anonimização de dados pessoais informados aos censos educacionais, de modo a gozarem de “sigilo estatístico”, não podendo “ser divulgados de forma a possibilitar a identificação das pessoas a que as estatísticas se referirem” (art. 2, parágrafo único). Tudo isso confirma que o INEP já possuía um longo histórico de bases legais e protocolos de proteção de dados pessoais que já garantiam a privacidade de estudantes e docentes, o que torna injustificável o descarte em larga escala dos microdados do Censo Escolar.”

A coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, afirma que "essa situação é gravíssima para as pesquisas, para as políticas públicas, para o desenvolvimento socioeconômico e para os direitos humanos, notadamente o direito à educação”.

“Precisamos que os órgãos de Estado de fato comprometidos com a transparência e os preceitos constitucionais tomem atitudes à altura e com urgência", diz Pellanda. 

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação articulou a produção da nota de posicionamento, que tem 16 assinaturas de entidades:

  1. Abalf - Associação Brasileira de Alfabetização
  2. ABEH - Associação Brasileira de Pesquisa em Ensino de História
  3. ABPEE - Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial
  4. Ação Educativa
  5. ADUnB - Associação dos Docentes da Universidade de Brasília
  6. Anaí - Associação Nacional de Ação Indigenista
  7. ANFOPE – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
  8. Anpae - Associação Nacional de Política e Administração da Educação
  9. ANPEd - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
  10. Anpof - Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia
  11. Campanha Nacional pelo Direito à Educação
  12. Cedeca-Ceará – Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará
  13. Cedes - Centro de Estudos Educação e Sociedade
  14. CENDHEC - Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social
  15. Conaq - Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos
  16. FEPETI-AP - Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil do Amapá 
  17. Fineduca - Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação
  18. FNPE - Fórum Nacional Popular de Educação (e todas as suas entidades membros) 
  19. FORPARFOR - Fórum Nacional de Formação de Professores da Educação Básica
  20. Forpibid-rp Fórum Nacional de Coordenadores do Pibid e do Residência Pedagógica
  21. Inesc - Instituto de Estudos Socioeconômicos
  22. LDE - Laboratório de Dados Educacionais
  23. MIEIB - Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil
  24. MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
  25. Nzinga - Coletivo de Mulheres Negras de Minas Gerais
  26. Observatório do Ensino Médio
  27. OKBR - Open Knowledge Brasil
  28. Projeto Mandacaru-Malala 
  29. Rede EMPesquisa - Pesquisas sobre Ensino Médio
  30. Repu - Rede Escola Pública e Universidade
  31. SBEM - Sociedade Brasileira de Educação Matemática
  32. SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
  33. SBEnQ - Sociedade Brasileira de Ensino de Química
  34. Sefras - Serviço Franciscano de Solidariedade
  35. SimCAQ - Simulador de Custo Aluno-Qualidade

 

Leia o posicionamento público aqui ou abaixo.

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Posicionamento Público

Brasil, 22 de fevereiro de 2022.

 

É com extrema preocupação e inquietação que nós, movimentos e entidades da educação, recebemos a notícia, publicada no dia de ontem no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) acerca dos microdados do Censo Escolar, de que o “formato de apresentação do conteúdo dos arquivos, que reúnem um conjunto de informações detalhadas relacionadas à pesquisa estatística e ao exame, foram reestruturados”, sob a justificativa de que seria para “suprimir a possibilidade de identificação de pessoas, em atendimento às normas previstas na Lei n.º 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD)”.

Proteger a privacidade, sem abdicar da transparência
É preciso proteger a privacidade, sem abdicar da transparência. Utilizar a LGPD como justificativa genérica para o descarte dos microdados do Censo Escolar carece de fundamento legal. A própria LGPD deixa claro em seu artigo 7º, incisos II e III, que a administração pública pode realizar o tratamento de dados pessoais necessários ao cumprimento de obrigação legal e/ou execução de políticas públicas, sem que para isso seja necessário o prévio consentimento da/o titular destes dados. 

O tratamento de dados pessoais durante o Censo Escolar pelo INEP estaria baseada, dessa forma, no cumprimento da própria Constituição Federal que determina, em seu art. 208, §3°, que o Poder Público deverá recensear educandos no ensino fundamental, bem como na Resolução nº 1 de 2018 do CNE/MEC que institui as diretrizes operacionais para a coleta e registro de dados cadastrais de estudantes e profissionais de educação que atuam em instituições públicas e privadas de ensino em todo o território nacional. Inclusive esta mesma Resolução já antecipava, mesmo antes da promulgação da LGPD, a adoção do procedimento de anonimização de dados pessoais informados aos censos educacionais, de modo a gozarem de “sigilo estatístico”, não podendo “ser divulgados de forma a possibilitar a identificação das pessoas a que as estatísticas se referirem” (art. 2, parágrafo único). 

A medida do INEP de reduzir drasticamente o detalhamento dos dados da última edição do Censo, além de remover todas as bases históricas, é desproporcional e não está alinhada às melhores práticas internacionais de avaliação de risco e impacto de publicação de dados previstas na própria LGPD. Como exposto, os benefícios  decorrentes do uso dos microdados por diversos setores da sociedade vêm tendo seu valor comprovado há mais de uma década e estão amplamente disponíveis para avaliação. Eventuais riscos de reidentificação, por outro lado, tendem a ser isolados e seu impacto não foi demonstrado pelo órgão, já que estudos e pareceres técnicos não foram tornados públicos. Uma política séria de proteção de dados também precisa ser transparente e garantir a preponderância do interesse público.

Ética em pesquisa
Este caminho também se encontra equivocado frente ao sistema de ética em pesquisa no país, estruturado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) que elabora e atualiza as diretrizes e normas para a proteção dos participantes de pesquisa e coordena o Sistema CEP/Conep, possuindo autonomia para a análise ética de protocolos de pesquisa de alta complexidade e, conforme a Resolução nº 510, de 07 de abril de 2016 protege a utilização de dados, nas ciências humanas, considerando  que  a  ética  em  pesquisa  implica  o  respeito  pela  dignidade  humana  e a  proteção devida  aos participantes das pesquisas científicas envolvendo seres humanos, o que significa reconhecer a necessidade de publicidade dos dados como informações  de  acesso  público,  nos  termos  da  Lei  no 12.527, de  18 de  novembro de  2011.

Prejuízo ao acesso de dados detalhados
Fora a suspensão do acesso ao detalhamento dos anos anteriores, impossibilitando análises em série histórica, as informações referentes ao ano de 2021 estão ​​organizadas como uma sinopse estatística ampliada, desagregada no nível de escola (perdendo o caráter de microdados) que, apesar de conter informações relevantes, não se compara às possibilidades dos microdados para as pesquisas, direcionamento de políticas e monitoramento do Plano Nacional de Educação (PNE). Apesar de informações sobre o quantitativo de matrículas, docentes, turmas essas estão agregadas em algumas variáveis específicas, impedindo seu maior detalhamento e cotejamento. 

No que tange à matrícula, análises por idade, comparação entre idade e etapa não são possíveis, inviabilizando, por exemplo, o cálculo da taxa de matrícula líquida. Nota-se também ausência de informações sobre transporte escolar. Em relação a análise de grupos específicos, não se tem informação sobre as categorias de deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, e altas habilidades/superdotação. Há um total de matrículas da educação especial incluídas, não podendo aferir em quais etapas/modalidades esses estudantes se encontram. Há um total de matrículas exclusivas, sem distinção entre classe exclusiva ou escola exclusiva. 

No que tange às informações de docentes, consta no banco apenas a quantidade total de docentes e por etapa, sem informações de vínculo, formação, raça/cor, idade. Dados sobre número de alunos por turma e turno da turma também não poderão ser aferidos. Por fim, dados coletados sobre diretores/gestores não estão contemplados no banco de dados. A forma de organização impede cotejamentos de variáveis e limita o conhecimento da realidade educacional por parte da sociedade civil. Além disso, como os dados estão agregados, deveriam ser incluídas informações sobre filtros e agregações utilizadas, não havendo transparência dos dados disponibilizados. O Brasil, que é referência internacional na produção de dados em educação, sofre uma imensa perda com essa ação, no mínimo, irresponsável.

Prejuízos à transparência, às avaliação e elaboração de políticas públicas, e à pesquisa
Sem tais dados, não somente retrocedemos imensamente em termos de transparência da administração pública, como também teremos um impacto incomensurável em termos de avaliação educacional, que impede a elaboração de políticas públicas que respondam às necessidades da população. Teremos também enormes prejuízos às pesquisas e às Ciências da Educação, impedindo o desenvolvimento científico, econômico e social. Ainda, o impacto da pandemia na população residente em território nacional não poderá ser avaliado, impedindo que saiamos dessa crise profunda pela qual estamos passando.

O apagamento de dados significa, por fim, o apagamento dos direitos à educação e a tantos outros de nossas crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos do país. Nos últimos anos, o INEP tem sofrido com sucessivos desmontes de sua estrutura, que afetam a capacidade da autarquia ligada ao MEC de cumprir suas funções, isso quando não é alvo de intervenções político-ideológicas, como ocorreu no processo do ENEM 2021. O INEP está sob desgaste do governo Bolsonaro desde o início da sua gestão. Isto é inadmissível e precisa, com urgência, de providências para ser solucionado, com ação firme dos órgãos de Estado que têm como dever garantir os preceitos constitucionais, a transparência e o serviço público, gratuito e com qualidade.

Assinam este posicionamento conjunto:

  1. Abalf - Associação Brasileira de Alfabetização
  2. ABEH - Associação Brasileira de Pesquisa em Ensino de História
  3. ABPEE - Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial
  4. Ação Educativa
  5. Anaí - Associação Nacional de Ação Indigenista
  6. ANFOPE – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
  7. Anpae - Associação Nacional de Política e Administração da Educação
  8. ANPEd - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
  9. Anpof - Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia
  10. Campanha Nacional pelo Direito à Educação
  11. Cedeca-Ceará – Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará
  12. Cedes - Centro de Estudos Educação e Sociedade
  13. CENDHEC - Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social
  14. Conaq - Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos
  15. FEPETI-AP - Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil do Amapá 
  16. Fineduca - Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação
  17. FORPARFOR - Fórum Nacional de Formação de Professores da Educação Básica
  18. Forpibid-rp Fórum Nacional de Coordenadores do Pibid e do Residência Pedagógica
  19. Inesc - Instituto de Estudos Socioeconômicos
  20. LDE - Laboratório de Dados Educacionais
  21. MIEIB - Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil
  22. MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
  23. Nzinga - Coletivo de Mulheres Negras de Minas Gerais
  24. Observatório do Ensino Médio
  25. OKBR - Open Knowledge Brasil
  26. Projeto Mandacaru-Malala 
  27. Rede EMPesquisa - Pesquisas sobre Ensino Médio
  28. Repu - Rede Escola Pública e Universidade
  29. SBEM - Sociedade Brasileira de Educação Matemática
  30. SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
  31. SBEnQ - Sociedade Brasileira de Ensino de Química
  32. Sefras - Serviço Franciscano de Solidariedade
  33. SimCAQ - Simulador de Custo Aluno-Qualidade

(Foto: Divulgação/Inep)