Mais de 100 organizações da sociedade civil apoiam Relator Especial da ONU, Léo Heller, em denúncia sobre privatização de água

Campanha Nacional pelo Direito à Educação assina a carta e reafirma compromisso com o direito à água em paralelo ao direito à educação

Mais de 100 organizações da sociedade civil manifestam apoio ao Relator Especial da ONU para os direitos humanos à água potável e ao saneamento, o brasileiro Léo Heller, reagindo à denúncia sobre interferência na Relatoria por parte da indústria de privatização de água.

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação assina a carta, que pode ser lida abaixo. Conheça todos os signatários aqui (em inglês).

O direito à água tem proximidade com o direito à educação, relação que foi exposta pela pandemia do novo coronavírus neste ano. A garantia de saneamento básico em todas as escolas contempla o direito à água e ao saneamento nas escolas, além do direito à educação.

O site da Campanha abordou o tema no início de setembro, quando a coordenadora-geral da Campanha, Andressa Pellanda, participou de evento internacional organizado pela coalizão internacional End Water Poverty e pela entidade WaterAid International que discutiu o direito à água no contexto de pandemia reunindo representantes de Estados, ONGs e órgãos das Nações Unidas.

“Para 2021, é previsto que o Fundeb traga R$ 19,6 bilhões para as escolas, aumentando gradativamente no decorrer dos próximos anos. Não é suficiente ainda para garantir um salto e um amortecimento do impacto da crise na educação, mas diante de um cenário de absoluta crise política e econômica e de submissão das áreas sociais a um teto de gastos, imposto desde 2016 e que incoerentemente ainda não foi suspenso, é um passo que consideramos muito importante e sobre o qual seguiremos atuando - agora na Lei de Regulamentação - para que possamos garantir esse recurso para os direitos à educação e a WASH, água, saneamento e higiene nas escolas”, afirmou Pellanda.

O CAQ (Custo Aluno-Qualidade), recentemente constitucionalizado na Emenda Constitucional 108 do novo Fundeb, é essencial para que o direito à água nas escolas públicas seja concretizado plenamente.

A Campanha reafirma sua posição de que o debate da reabertura das escolas em meio à pandemia não pode acontecer até que sejam garantidas condições adequadas de infraestrutura - que dizem respeito também à água, saneamento básico e higiene - para todas as escolas e todos os sujeitos de direito à educação. 

Leia mais sobre o debate de volta às aulas nos Guias COVID-19 produzidos pela Campanha.

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Nós, signatários, expressamos nosso apoio ao relatório “A Privatização dos Serviços de Água e Saneamento” do Relator Especial da Organização das Nações Unidas para os direitos humanos à água potável e ao saneamento, Léo Heller. Ele apresentará o relatório à Assembleia Geral da ONU nesta quarta (21).

Também expressamos profunda preocupação com as tentativas de um grupo de operadores de água privada em minar a independência do Relator Especial e seu trabalho.

Este novo relatório é uma importante contribuição para um debate crucial nos tempos atuais. O papel de atores privados na prestação de serviços públicos, incluindo serviços de água e saneamento, vem aumentando nas últimas décadas. Nos últimos anos, pelo menos quatro outros procedimentos especiais da ONU (pobreza extrema e direitos humanos, educação, habitação e dívida) debateram este tópico em seus respectivos relatórios. Apenas esta semana, oito atuais e ex-Relatores Especiais da ONU e especialistas independentes se reuniram em um grande evento sobre privatização reunindo centenas de pessoas online, e cinco deles lançaram um artigo de opinião publicado mundialmente sobre a importância da questão da privatização e direitos humanos.

O relatório de Heller é equilibrado e reconhece a diversidade de contexto. Seu relatório é o resultado de seu trabalho nos últimos seis anos e, notavelmente, foi elaborado por meio de várias consultas que vão muito além do que é esperado ou do que é a prática usual sob os Procedimentos Especiais da ONU.

As consultas incluíram uma ampla gama de partes interessadas, incluindo Estados e o setor privado, e foram compartilhados de forma transparente no site do mandato.

No entanto, apesar da importância desta questão e das soluções medidas e construtivas oferecidas, o Relator Especial tem enfrentado resistência considerável do Aquafed, um grupo de empresas de lobby da privatização da água, a que pertencem as empresas Veolia e Suez, por exemplo. Sabemos que a Aquafed escreveu ao Presidente do Conselho de Direitos Humanos, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, e para países. Essas cartas personalizaram a questão, questionando a imparcialidade e o respeito do Sr. Heller pelas regras aplicáveis. As questões que levantam são, no entanto, infundadas; eles visam silenciar e desacreditá-lo, em vez de discutir a substância da discussão.

Essa interferência é uma tentativa transparente e inaceitável de proteger a indústria que lucra com a exposição à realidade da experiência vivida por muitos que tiveram seus direitos humanos violados durante a privatização.

Gostaríamos de expressar nosso total apoio ao rigor e profissionalismo de Heller. Apesar dos recursos limitados, ele fez consultas amplas para este relatório e para seus relatórios anteriores.

Ao longo de seu mandato de seis anos, ele prestou atenção às comunidades afetadas e  a famílias que o fazem não usufruir dos direitos à água e ao saneamento. Em estrito cumprimento das regras de conduta e do mandato do Conselho de Direitos Humanos, ele conduziu a qualidade, com base em evidências e pesquisa. Levou em consideração as opiniões que recebeu por meio de consultas, mas agiu independentemente dos países, do setor privado e de outras partes interessadas, que é o pilar do mecanismo de procedimentos especiais das Nações Unidas.

Não há dúvidas de sua integridade, profissionalismo ou compromisso com os direitos humanos. Os signatários gostariam de expressar nosso reconhecimento pelo trabalho realizado pelo Relator Especial, empreendido nos últimos seis anos e, em particular, destacamos a importância do seu trabalho quanto à privatização. Heller faz recomendações para países, atores privados e internacionais, instituições financeiras que acreditamos merecer a devida atenção e ação.

Instamos os Estados, como detentores de deveres, a continuar colocando sua obrigação de cumprir os direitos humanos de todas as pessoas acima dos interesses financeiros de qualquer ator privado.

(Foto: Agência Brasil/EBC)