Piso mínimo emergencial: proposta mostra que educação precisa de mais R$ 36,8 bilhões que o previsto no PLOA 2021
Coalizão com mais de 200 representações da sociedade civil, a qual a Campanha Nacional pelo Direito à Educação é integrante, apresenta conjunto de propostas para a criação de um piso mínimo emergencial que busca elevar o orçamento do governo federal em 2021 para serviços públicos essenciais, em razão do contexto de pandemia.
“O governo ainda não entendeu que só conseguiremos superar essa crise aumentando os investimentos nas áreas sociais e nos serviços públicos - e não reduzindo”, analisa Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. “Essa é a recomendação de diversos estudos e organismos internacionais e é também o que fizeram os países que melhor responderam à pandemia até agora”.
A educação precisa de mais R$ 36,8 bilhões, demonstram cálculos de nota técnica da Coalizão Direitos Valem Mais, passando de R$ 144,5 bilhões — conforme previsto no PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2021 — para R$ 181,4 bilhões, no total, de acordo com o piso mínimo emergencial.
“Estamos vivendo uma crise dentro da crise na educação. Já não tínhamos condições de qualidade sem um cenário de emergência sanitária. Neste momento, precisamos, portanto, enfrentar dois grandes problemas estruturais: a falta de infraestrutura histórica e os efeitos da pandemia na educação. Para isso, precisamos de muito mais recursos que o que está proposto no PLOA”, comenta Andressa.
As propostas para o piso mínimo emergencial — que visam incidir na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e na LOA 2021 — são para as áreas de saúde, educação, assistência social e segurança alimentar e nutricional.
O total de repasses planejado pelo governo federal para essas áreas corresponde a apenas 58% (R$ 374,5 bilhões) do que a nota técnica propõe (R$ 665 bilhões ao todo). Veja os valores para cada área no quadro abaixo.
Ainda assim, o documento atesta que o valor do piso mínimo emergencial está “muito distante das necessidades urgentes ampliadas pela pandemia”, argumentando com estudo do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) que aponta o PLOA 2021 “não prevendo os impactos da pandemia no próximo ano, deixando a população ainda mais vulnerável”.
Os cálculos têm base no princípio constitucional de vedação de retrocessos em direitos fundamentais, reafirmado pelo STF na decisão ARE-639337/2011, e na garantia de condições para o enfrentamento do rápido crescimento do desemprego, da miséria e da fome no país, acirrado pela COVID-19.
Insegurança Alimentar e Merenda Escolar
Pesquisa de Orçamento Familiar divulgada neste mês pelo IBGE mostrou o avanço da insegurança alimentar grave, ou fome, que passou a alcançar 10,28 milhões de pessoas, atingindo mais fortemente lares chefiados por mulheres negras, fazendo com que o Brasil apresentasse o pior patamar desde 2004. O desemprego durante a pandemia deu um salto: somente entre maio a agosto de 2020, cresceu de 10,1 milhões para 12,9 milhões de desempregados. Todos os indicadores sociais do país revelam um quadro desesperador para a população, sobretudo a mais pobre, negra e indígena.
O piso mínimo emergencial também contempla o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar). A nota técnica aponta que, desde 2014, a execução orçamentária com o PNAE passou por período de queda e paralisação, reduzindo de R$ 4,9 bilhões em 2014 para R$ 4 bilhões em 2019, em vez de ampliar para atender o aumento de sua demanda.
Nesta semana, carta assinada por redes, movimentos e organizações que denunciou violação do direito à alimentação escolar de estudantes da rede pública do Estado do Rio de Janeiro durante a pandemia da COVID-19. E nesta quinta (1/10) acontece audiência popular sobre o tema com relator especial da ONU para o direito à alimentação.
Educação e pandemia
A verba extra para educação viabilizaria a retomada das aulas presenciais nas escolas com menor número de alunos por turma (segundo a OCDE, o Brasil é um dos países com o maior número de estudantes por turma), maior número de profissionais de educação, adequação das escolas para o cumprimento de protocolos de segurança e proteção, ampliação da cobertura de acesso à internet de banda larga para os estudantes da educação básica e ensino superior no país, retomada dos programas de assistência e permanência estudantil na educação básica e no ensino superior.
“O mecanismo do Custo Aluno-Qualidade, que está previsto em Lei desde 2014, nunca foi regulamentado. Com ele, não estaríamos nesse nível de precariedade na infraestrutura das escolas. Precisaremos, então, recuperar rápido esses tempo e investimentos perdidos”, analisa a coordenadora da Campanha.
A nota já considera o aumento da complementação da União no Fundeb — indo de 10% para 12% em 2021 —, o aumento do montante destinado ao PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola) para adequação das escolas às medidas de segurança e a migração de estudantes de escolas privadas para a educação pública, decorrente da perda de poder aquisitivo das famílias de classe média diante do aumento do desemprego e da crise econômica.
Segundo Andressa Pellanda, a aprovação do novo Fundeb colabora com esse investimento em manutenção e desenvolvimento do ensino, mas não é suficiente para dar uma resposta à altura do desafio.
A necessidade de mais verba também vem de um estado de deterioração da educação nacional, diz a nota técnica, mostrando a redução brusca e ano a ano do orçamento.
“De um orçamento de R$ 114,9 bilhões em 2015, a Educação conta uma previsão orçamentária para 2021 de R$ 70,6 bilhões, uma redução de 38,6%, causando grave retrocesso social no direito à educação da população brasileira”, destaca o texto.
O piso mínimo emergencial quer impedir o agravamento deste cenário de deterioração orçamentária, seguindo objetivos como o cumprimento da Lei do PNE (Plano Nacional de Educação), que tem metas que exigem aporte de novos recursos financeiros. A Meta 20, que se refere ao percentual do PIB (Produto Interno Bruto) destinado à educação, é uma das centrais. O PNE determina a ampliação do investimento público em educação para atingir 7% do PIB em 2019 (um aumento de 40% no gasto atual), e valores equivalentes a 10% do PIB até 2024.
Saúde e Assistência Social
Com o piso mínimo emergencial dos serviços sociais, será possível interromper o processo de desfinanciamento acelerado e garantir condições melhores para que:
● O Sistema Único de Saúde (SUS) enfrente o contexto da pandemia e do pós-pandemia, com a aquisição de medicamentos e vacinas; que considere os efeitos crônicos de saúde gerados pela Covid-19; responda à demanda reprimida por saúde de 2020, decorrente do adiamento de cirurgias eletivas e exames de maior complexidade, bem como da interrupção no tratamento de doenças crônicas.
● Retomada das condições de manutenção dos serviços e a ampliação da cobertura do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) para atender a demanda gerada pela pandemia, aumento do desemprego e de diversas violações de direitos, bem como garantir maior efetividade do programa Bolsa Família por meio de uma rede de serviços integrados. O desfinanciamento progressivo e a insegurança nos repasses federais de recursos ordinários ao SUAS comprometem o atendimento de mais 40 milhões de famílias referenciadas e os mais de 21 milhões de atendimento realizados anualmente, nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) de pessoas e famílias afetadas pelo desemprego, fome, fragilidade nos vínculos familiares e iminência de violência doméstica; diminuição dos atendimentos a pessoas em situação de rua, migrantes e idosos; e a drástica redução do atendimento a crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil ou em exploração sexual nos serviços especializados.
● Enfrentamento do crescimento acelerado da fome e da desnutrição no país por meio da retomada das condições de financiamento do Programa Aquisição de Alimentos (PAA), que fornece alimentos saudáveis por meio da agricultura familiar, beneficiando aproximadamente 185 mil famílias de agricultores familiares e milhões de famílias em situação de vulnerabilidade social que recebem esses alimentos por meio de uma rede de 24 mil organizações socioassistenciais; do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) que atende cerca de 41 milhões de estudantes no país; da ampliação do acesso à água para abastecimento humano e produção de alimentos com cisternas no semiárido brasileiro para uma população de 1,8 milhão de famílias; de recursos federais para a manutenção de 152 restaurantes populares no país, que fornecem alimentação para famílias de alta vulnerabilidade social. Atualmente, o país possui uma rede de restaurantes populares construída pelo governo federal que se encontra subutilizada em decorrência da falta de recursos municipais para a sua manutenção.
Rejeição à PEC 188 e o fim do Teto de Gastos
Na nota técnica, a Coalizão Direitos Valem Mais alerta parlamentares, gestoras e gestores públicos e candidatos às eleições municipais deste ano para o grande risco ao país imposto pela PEC do Pacto Federativo.
“A PEC 188/2019, também relatada pelo Senador Márcio Bittar (MDB/AC), responsável pela relatoria da LOA 2021, representa o efetivo desmonte da capacidade do Estado brasileiro de garantir direitos, proteger a população e enfrentar nossas profundas desigualdades sociais. Caso tal PEC seja aprovada, os resultados práticos serão a implosão do pacto federativo brasileiro, com o fim da solidariedade fiscal entre os entes da federação e uma radical e acelerada precarização da oferta de serviços públicos com aumento das desigualdades regionais”, diz a nota.
No documento, a Coalizão retoma sua defesa do fim do Teto de Gastos e a necessidade urgente de adoção de medidas fiscais de segunda geração no Brasil como realizada por muitos países; a importância de uma reforma tributária progressiva – solidária, justa e sustentável socioambientalmente – com a tributação emergencial dos setores mais ricos para ampliação das condições de financiamento das políticas públicas e garantia da renda básica permanente, como propõe a Campanha Renda Básica que Queremos e mudanças nas lei de responsabilidade fiscal.
Coalizão Direitos Valem Mais
Criada em 2018, a coalizão é um esforço intersetorial que atua por uma nova economia comprometida com os direitos humanos, com a sustentabilidade socioambiental e com a superação das profundas desigualdades do país e por isso defende o fim do Teto de Gastos, aprovado em dezembro de 2016 pelo Congresso como Emenda Constitucional 95. A EC 95 é definida pela ONU como a medida econômica mais drástica contra direitos sociais do planeta. Atualmente, duas propostas de emenda revogatória da EC 95 tramitam no Congresso Nacional: a PEC 54/2019 e a PEC 36/2020.
(Gráficos: reproduções dos dispostos na nota técnica).
(Foto: Luis Macedo/Agência Câmara)