Cerca de 85% dos dispositivos de metas do Plano Nacional de Educação não devem ser cumpridos no prazo, aponta balanço

Balanço realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação indica estagnação em maioria dos dispositivos e até regressão em alguns deles

No ritmo que se tem avançado, cerca de 85% dos dispositivos das metas do Plano Nacional de Educação não serão cumpridos até o prazo de 2024. Há 4 anos do fim de vigência da principal legislação da educação nacional, a estimativa é que, dos 36 dispositivos de meta do PNE com dados para mais de um ano, apenas 6 devem ser cumpridos em seus respectivos prazos, aponta balanço da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

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Neste que é o sexto ano de vigência da Lei do PNE (nº 13.005 de 2014) - que exige a formulação de objetivos a serem cumpridos ao longo de 10 anos - o Balanço indica, a exemplo do ano passado, o descumprimento quase que total da lei. Apenas quatro metas apresentam o status de parcialmente cumpridas, e ainda apresentam ressalvas. Há indicadores em ritmo de avanço menor que o necessário, há os indicadores estagnados e existem até regressões em comparação ao avanço necessário para alcançar as metas.

“Não é novidade para ninguém que acompanha a agenda educacional no Brasil que o Plano Nacional de Educação está escanteado. Não é novidade também, infelizmente, que muitos atores da educação, para além obviamente do Governo Federal, atuem na contramão do Plano, em agendas de privatização e de conservadorismo, que não cabem dentro das diretrizes constitucionais e legais. É até vergonhoso como muitos deles não têm o menor escrúpulo em abandonar a Lei que é a espinha dorsal da educação até pelo menos 2024 e se achar na legitimidade para criar outras agendas, de revisão do Plano, por fora inclusive das instituições democráticas. Estamos vivendo a barbárie e o PNE precisa ser fortalecido enquanto norte para voltarmos a avançar em termos da garantia plena do direito à educação”, analisa Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

O documento de monitoramento que analisa anualmente a execução dos artigos, metas e estratégias com prazos intermediários revela, mais uma vez, dados alarmantes. O descumprimento do Plano, consequência dos desinvestimentos dos recursos públicos na área de educação e do escanteio da agenda, em uma tentativa frustrada de substituí-la por outras, como a BNCC ou agendas ultraconservadoras, necessita ser debatido com urgência pela sociedade e pelos tomadores de decisão.

Lançado nesta segunda-feira (22), a divulgação do Balanço encerra sequência debates diários da Semana de Ação Mundial 2020. O webinário “O Plano Nacional de Educação como norte contra barbárie na educação' conta com a participação de Andressa Pellanda, coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação; Daniel Cara, professor da FE/USP e membro do Comitê Diretivo da Campanha; Carina Vitral, ex-presidenta da União Nacional dos Estudantes; e do deputado federal Edmilson Rodrigues (PSOL/PA).

Confira abaixo alguns dos destaques do Balanço do PNE 2020, que utiliza como base dados de 2019 ou do período mais recente. Gráficos e as fontes dos dados estão no documento-síntese do Balanço que pode ser encontrado no site da Semana de Ação Mundial 2020, assim como na sua versão estendida, que contém mais detalhes, como as desagregações dos indicadores.


RETROCESSOS

META 6 - NÃO CUMPRIDA
Oferecer Educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos(as) alunos(as) da Educação Básica.

A meta 6 apresenta uma das situações mais graves em relação ao seu cumprimento, uma vez que em seus dois dispositivos os níveis caíram em relação a 2014, ao invés de subir. Se em 2014 haviam 42.665 escolas e 6,5 milhões de matrículas com jornada em tempo integral, em 2019 os números haviam caído para 32.290 escolas e 5,1 milhões de matrículas, significando uma perda de cerca de 10 mil escolas e quase um milhão e meio de matrículas. Os indicadores apontam também grande oscilação na oferta de educação em tempo integral após 2015, o que pode ser atribuído pelo menos em parte a problemas de continuidade nas políticas voltadas a esse tipo de atendimento durante o período.

META 9 - NÃO CUMPRIDA
Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015 e, até o final da vigência deste PNE, erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional

Como acontece em outros dispositivos do Plano Nacional de Educação, a taxa de 93,5% esperada para a alfabetização dos brasileiros em 2015 ainda não havia sido alcançada. Após 4 anos, em 2019, quando o número de analfabetos absolutos era de 11 milhões (um contingente de pessoas maior do que a população de muitos países) a meta também não foi alcançada. Sem uma aceleração, a perspectiva é de não cumprimento também do objetivo estabelecido para 2024. Pior ainda é o quadro do analfabetismo funcional, que avançou, quando deveria regredir. É necessária uma redução de mais de 15 pontos percentuais da taxa atual até 2024, fim do período de vigência do PNE.

META 10 - NÃO CUMPRIDA
Oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de Educação de Jovens e Adultos, nos ensinos Fundamental e Médio, na forma integrada à educação profissional.

O indicador de monitoramento da meta 10 denuncia, junto aos indicadores da meta 9, o abandono da educação de jovens e adultos (EJA) por parte dos governos. A meta estabelece que ao fim da vigência do Plano Nacional de Educação 25% das matrículas na modalidade de EJA estejam vinculadas à educação profissional. Se em 2014 a situação já era distante da desejada, com apenas 2,8%, ou 101.714 das 3.653.530 matrículas nessa modalidade integradas à profissionalização, o que ocorreu desde então foi a queda nessa porcentagem para 1,6%, ou 53.392 das 3.273.668 matrículas de EJA.



RITMO INSUFICIENTE

META 8 - NÃO CUMPRIDA
Elevar a escolaridade média da população de 18 a 29 anos, de modo a alcançar no mínimo 12 anos de estudo no último ano de vigência deste Plano, para as populações do campo, da região de menor escolaridade no País e dos 25% mais pobres, e igualar a escolaridade média entre negros e não negros declarados à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

A meta 8 tem tido diferentes níveis de sucesso entre seus dispositivos, ainda que nenhum deles esteja avançando o suficiente para ser cumprido no prazo. Desde 2014, se observa um crescimento maior da escolaridade média do Nordeste, região onde esse indicador apresenta o menor nível, enquanto no campo e entre os 25% mais pobres da população brasileira há uma evolução menor. A equiparação do status educacional entre as populações negra e não-negra, por sua vez, é o objetivo que avança mais lentamente. Os resultados evidenciam que ainda permanece o olhar desigual para as parcelas menos privilegiadas da sociedade brasileira, especialmente na realidade escolar.


META 15 - NÃO CUMPRIDA
Garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo de 1 ano de vigência deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os professores e as professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam.

Em nenhuma das etapas da educação básica o avanço no percentual de docências com formação adequada tem sido rápido o suficiente para que se atinja até 2024 o nível estipulado no plano. Na educação infantil, seria necessário o aumento em 5,58 pontos percentuais ao ano, mas desde o início do Plano Nacional de Educação o crescimento anual tem sido pouco superior a 2 p.p.. Nos anos iniciais do ensino fundamental o aumento tem sido de 1,9 p.p., quando o necessário seria em torno de 4,3 p.p.. Nas etapas mais avançadas da educação básica, o cenário é ainda menos animador, com o percentual de docências com formação adequada avançando em média 0,7 pontos percentuais por ano tanto nos anos finais do ensino fundamental quanto no ensino médio, enquanto o cumprimento da meta dentro do prazo pressupõe um aumento de 5 p.p. no percentual dos anos finais e 4 p.p. no ensino médio. Em 2017, o Ministério da Educação lançou a Política Nacional de Formação de Professores, estabelecendo para o currículo dessa formação uma Base Nacional de Formação Docente. A política foi definida de forma impositiva pelo MEC, sem diálogo com as Instituições de Ensino Superior (IES), com os profissionais da educação básica ou com as entidades que os representam. Isso consiste em grave retrocesso para a efetivação de um Sistema Nacional de Educação e de um PNE que levem em consideração a articulação entre formação inicial, formação continuada e condições de trabalho, de salário e de carreira dos profissionais da educação. Tal política pretende esconder a falta de ações concretas do Governo Federal para assegurar os recursos necessários à formação desses profissionais.


META 16 - NÃO CUMPRIDA
Formar, em nível de pós-graduação, 50% dos professores da Educação Básica, até o último ano de vigência deste PNE, e garantir a todos os(as) profissionais da Educação Básica formação continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de ensino.

Um dos objetivos estabelecidos na meta 16 do Plano Nacional de Educação é que a porcentagem de docentes da educação básica pós-graduados seja igual a 50% em 2024. Nos 5 anos entre 2014 e 2019, essa porcentagem tem aumentado a cerca de 2 pontos percentuais a cada ano, o que é maior do que o ritmo de 1,9 p.p. anuais necessários para atingir o nível disposto no PNE, mas para isso é necessário manter o ritmo observado.

Por outro lado, o objetivo de prover formação continuada a todos os profissionais do magistério da educação básica está distante do cumprimento. Em 2019, dos 2.259.309 docentes em atividade na educação básica, 1.393.469 não haviam recebido qualquer tipo de formação continuada. Sem mudanças na trajetória de evolução deste indicador, deve-se chegar a 2024 ainda muito distante da meta.


META 17 - NÃO CUMPRIDA

Valorizar os(as) profissionais do magistério das redes públicas da Educação Básica, a fim de equiparar o rendimento médio dos(as) demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano da vigência deste PNE.

Em 2013, o rendimento médio dos professores precisava aumentar em R$ 1.651,00, ou seja, quase 50% para ser equiparado ao dos demais profissionais, demonstrando significativa distância em relação cenário projetado no Plano Nacional de Educação junto à sociedade. A ausência de um salário digno é um dos principais, senão o principal, fator da desvalorização da carreira docente. A reversão desse quadro é fundamental para que a carreira tenha maior atratividade.

Mais informações

Renan Simão
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comunicacao@campanhaeducacao.org.br
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