Balanço 2025 do Plano Nacional de Educação: cenário geral permanece o mesmo que ano anterior, melhorias ainda não suficientes

O novo PNE precisa ser baseado nesse cenário e acelerar prazos, além de garantir monitoramento mais sólido e com prazos intermediários

 

Em 2025, o cenário geral de metas do Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2025) permanece o mesmo do ano anterior, embora com melhorias ainda insuficientes, aponta o Balanço do PNE 2025 produzido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. 

Entrevista com Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, publicada no site da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz), detalha o Balanço.

“A avaliação dos 11 anos sinaliza que só com investimento real e tirando a educação do cenário fiscalista o novo Plano poderá sair do papel”, defende Pellanda.

O Balanço do PNE 2025 mostra que, em 11 anos de vigência, apenas 4 das 20 metas (4 dispositivos do total de 38) foram ao menos parcialmente cumpridas. No conjunto do Plano, a maioria dos objetivos prescritos está em atraso.

O Balanço do PNE da Campanha apresenta anualmente dados desagregados (por unidade federativa, nível socioeconômico, localidade, raça-cor e sexo) da situação atual de cada uma das metas do Plano e avalia seu cumprimento ao longo do tempo.

Mudanças: metas 6 e 10
Embora sejam poucas e as únicas em relação ao balanço do ano passado, há mudanças nos dados das metas do PNE.

Uma delas é sobre a meta 6 – que prevê a oferta em educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos (as) alunos (as) da educação básica –, que, ainda que em atraso, passou a ter perspectiva de cumprimento em 2025.

Após passar por oscilações e retrocesso durante boa parte da vigência do PNE, a meta 6 apresenta uma recuperação parcial, porém insuficiente em relação ao necessário para seu cumprimento. Se em 2014 havia 42.665 escolas de tempo integral, em 2020 os números caíram para seu percentual mais baixo, com 20,5%, ou 27.969 das 136.423 que atendem o público-alvo da política, oferecendo efetivamente o formato. Desde então, após uma retomada consistente no indicador, foi finalmente superado o patamar de 31,4% observado em 2015 e que seguia como o ponto máximo da série até 2024. Muito abaixo do objetivo de 50% prescrito para o ano seguinte, o percentual atual é de 33%, havendo pouquíssima chance de cumpri-lo – com atraso – mesmo com o ritmo pós-2020. 

Quanto às matrículas em tempo integral, a trajetória é similar, porém o cenário é menos grave, com os níveis permanecendo mais próximos à meta durante a década que se passou. Desde 2020, o avanço sucessivo levou o percentual de 13,5% a 22,6%, formando uma tendência próxima ao necessário para que seja atingido o objetivo de 25% em 2025.

A meta 14, que determina, para 2024, que o número de mestres titulados seja igual a 60 mil, registra, no momento, valores um pouco abaixo do previsto originalmente para 2024 e estendido para 2025. Logo no ano seguinte, porém, o indicador voltou ao padrão de crescimento pré-pandemia e tende a superar confortavelmente a meta. 

Retrocessos
As metas 2, 9 e 12 estão em retrocesso e não devem ser cumpridas.

A meta 2 é a que tinha como objetivos garantir que 100% da população de 6 a 14 anos tivesse acesso ao ensino fundamental e que ao menos 95% desses alunos concluíssem o ciclo na idade adequada.

O acesso de todas as crianças de 6 a 14 anos ao ensino fundamental, que ainda não havia sido conquistado no Brasil antes da pandemia, sofreu um forte impacto em seu segundo ano, caindo a um nível menor do que o observado em 2014 e se mantendo relativamente estagnado desde então. O número estimado de crianças nessa faixa etária que não frequentam nem concluíram a etapa quase dobrou de 540 mil em 2020 para 1,072 milhão em 2021, e o valor ainda ficaria maior nos anos seguintes.

Do 1,115 milhão de crianças de 6 a 14 anos que não frequentavam o ensino fundamental em 2024, 135 mil sequer frequentavam a escola, e outras 980 mil estavam escolarizadas na educação infantil ao invés do ensino fundamental. É esse alto número de crianças na educação infantil o motivo de o indicador ainda não ter se recuperado desde a pandemia: em 2020, eram 158 mil crianças fora da escola e 382 mil atendidas, mas não na etapa adequada à idade.

Com relação à meta 9, a taxa de 93,5% esperada para a alfabetização dos brasileiros em 2015 não foi cumprida no prazo. Só 2 anos depois, em 2017, isso aconteceu. Nos anos seguintes, o indicador passou por um crescimento muito lento até 2021, quando atingiu 95%, o valor máximo da série. Pelo dados da Pnad Contínua, do IBGE, o saldo em 2024 é de 9,1 milhões de pessoas que não sabem ler e escrever. A meta não foi cumprida.

Para cumprir a meta 12, seria preciso que em 2025 o número de pessoas de qualquer idade que frequentam ou já concluíram cursos de graduação seja igual a 50% do total de pessoas de 18 a 24 anos. 

O insuficiente ritmo de avanço deste indicador pouco se alterou ao longo do Plano, oscilando ao redor de uma tendência incompatível com o atingimento do objetivo. Restando aproximadamente 7 pontos percentuais para serem avançados no ano, quando nos 9 anos anteriores o crescimento foi inferior a isso, não há perspectivas de cumprimento – mesmo com atraso – do pactuado em 2014.

“O fechamento de escolas rurais e turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) nos últimos anos representa um retrocesso civilizatório, com impactos diretos no cumprimento das metas 8 e 9 do PNE. A meta 8, que previa elevar a escolaridade média da população de 18 a 29 anos, especialmente em grupos historicamente marginalizados, esbarrou na precarização da EJA, com fechamento em massa de turmas e reduzida a programas sucateados e desconectados das realidades laborais dos estudantes. Já a meta 9, que visava superar o analfabetismo absoluto e reduzir o funcional em 50%, foi sabotada pelo desmonte de políticas nacionais como o Programa Brasil Alfabetizado”, analisa Pellanda.

Ela lembra que os dados do Balanço do PNE revelam que, enquanto as taxas de analfabetismo persistem inaceitavelmente altas, especialmente em regiões como o Nordeste, o Brasil teve uma perda de mais de um milhão de matrículas de EJA desde o início do PNE. 

“É um cenário completamente inaceitável de várias camadas de violação de direitos ano após ano. A projeção para os próximos anos é sombria: sem uma reestruturação urgente que inclua transporte escolar, financiamento adequado e maior para o campo e para EJA, valorização dos profissionais do campo e de EJA, e currículos contextualizados, o país consolidará um apartheid educacional, onde idosos e adultos trabalhadores, especialmente rurais, serão condenados à marginalização por um Estado que deveria emancipá-los”, alerta.

ACESSE O BALANÇO DO PNE 2025

“O não cumprimento do plano atual cria uma dívida educacional histórica, que será herdada pelo próximo decênio, limitando seu horizonte de ambição. Em vez de avançar, o próximo PNE pode ficar refém da necessidade de remediar falhas estruturais, como a universalização do acesso à educação infantil e a superação do analfabetismo de adultos, assim como uma maior equalização do direito à educação entre os grupos sociais, questões que já deveriam há muito estar resolvidas”, afirma Andressa Pellanda. 

Ela defende que o novo PNE – cujo PL 2.614/2024 tramita no Congresso Nacional – precisa ser baseado nesse cenário e acelerar prazos, além de garantir monitoramento mais sólido e com prazos intermediários.

“O perigo é que o novo plano se torne um ‘PNE 2.0’, apresentando retrocessos e repetindo metas não cumpridas com prazos estendidos, em vez de propor avanços qualitativos e quantitativos condizentes com as demandas atuais da sociedade brasileira. A falta de um salto de qualidade no financiamento e na gestão democrática educacional pode perpetuar um ciclo de baixa efetividade, em que cada novo plano carrega o fardo do descumprimento do anterior”, destaca Pellanda.

Entre as três metas parcialmente cumpridas (metas 7, 11 e 13) estão aquelas que já estavam avançadas no momento da aprovação da Lei em 2014, não indicando propriamente progresso do sistema educacional. Elas dizem respeito à participação da rede pública na expansão de matrículas da educação profissional e tecnológica; ao percentual de docentes no ensino superior privado com mestrado e doutorado; ao número de mestres nos país; e ao percentual de professores da educação básica com pós-graduação.

A renovação do PNE – legislação que é considerada espinha dorsal da educação – está sendo discutida no Congresso Nacional neste ano. No contexto da tramitação do Projeto de Lei (PL 2.614/2024), enviado pelo Poder Executivo, uma série de audiências públicas sobre o PNE estão sendo realizadas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, além de seminários estaduais nas casas legislativas das unidades federativas do país. A Campanha e sua Rede e entidades parceiras participam dos eventos oficiais.

A Campanha e as entidades defendem que a atualização da Lei do PNE deve acontecer sem retrocessos e com ousadia para a garantia de uma educação pública de qualidade a todas as pessoas.

A Semana de Ação Mundial 2025 é uma mostra dessa mobilização, que engaja milhares de pessoas em todas as regiões do país.

Valorização docente
Quatro metas do plano que se referem à formação e valorização dos profissionais da educação básica estão distantes do cumprimento e não devem ser cumpridas até o final de 2025: a meta 15 fala em assegurar formação adequada em nível superior aos professores da educação básica; a 16 busca formar 50% desses professores em nível de pós-graduação até 2025; a meta 17 busca equiparar o rendimento dos docentes da educação básica nas redes públicas ao de profissionais com escolaridade equivalente; e a meta 18 busca assegurar a existência de planos de carreira para os professores da educação básica e superior nas redes públicas de todos os sistemas de ensino. 

Pellanda ressalta que o fracasso no cumprimento dessas metas “expõe a negligência histórica com a valorização docente, um dos pilares essenciais para qualquer avanço educacional”. 

“A meta 15, que previa formação superior para todos os professores, esbarra na falta de acesso mais democrático ao ensino superior e na precarização das licenciaturas, muitas vezes oferecidas a distância sem o devido rigor pedagógico, e que tem sofrido processo de alinhamento a um modelo precarizado de educação, reprodutivista e conteudista, vinculado à [Base Nacional Comum Curricular] BNCC, via tentativas de implantação da [Base Nacional Comum para a Formação Inicial e Continuada de Professores da Educação Básica] BNC-Formação”, afirma. 

“A meta 16, que almejava 50% dos professores com pós-graduação, foi minada pela falta de políticas de incentivo à continuidade dos estudos, como bolsas e liberação remunerada para qualificação, assim como pelos reincidentes e graves cortes no ensino superior, cujo orçamento ainda não foi restabelecido adequadamente.”

“Já as metas 17 e 18, que tratam da equiparação salarial e dos planos de carreira, enfrentam uma precarização generalizada do trabalho, com a Reforma Trabalhista, e a resistência de governos em priorizar o investimento no magistério, com salários que permanecem aviltantes e carreiras desestruturadas. Os entraves são conhecidos: subfinanciamento crônico, descontinuidade de políticas públicas e a ausência de um pacto federativo que responsabilize todos os entes pela valorização docente. Para os próximos anos, sem uma mudança radical de prioridades, o cenário será de perpetuação da desprofissionalização, com impactos diretos na qualidade da educação ofertada e na sustentabilidade de nosso quadro de profissionais, que têm adoecido física e emocionalmente neste cenário.”

Financiamento
O cumprimento da meta 20, que define o percentual de 10% do PIB que deveria ser destinado à educação ao final da vigência do PNE 2014-2025, é estratégico para o cumprimento do plano como um todo. O Balanço do PNE 2025 da Campanha mostra, no entanto, a estagnação do gasto público em educação em 5,1% do PIB desde 2015.

Na meta 20, os efeitos da PEC de desobrigação dos gastos mínimos constitucionais começaram a aparecer. No ano de 2021, houve a maior queda no gasto na educação pública desde a aprovação do Plano, mas em 2022 houve apenas retomada aos níveis anteriores. Ao invés disso, o pico foi nos gastos públicos na educação privada.

“A meta 20 é a base estrutural do PNE, pois sem recursos adequados as demais metas se tornam letra morta. A estagnação em 5,1% do PIB desde 2015, agravada pela Emenda Constitucional 95/2016 (Teto de Gastos), inviabilizou na prática a execução de políticas educacionais transformadoras”, destaca Pellanda. 

Ela traz o exemplo da meta 1, que previa a universalização da pré-escola e a ampliação de creches: no final da vigência do Plano, apenas 40,1% das crianças de 0 a 3 anos estavam atendidas, muito abaixo dos 50% previstos. 

Outro caso emblemático trazido pela coordenadora geral da Campanha é o da meta 6, que buscava expandir a educação em tempo integral para 50% das escolas públicas; em 2024, apenas 33% cumpriam o requisito.

“A falta de investimento também impactou a formação docente (meta 15), a infraestrutura escolar (estratégia 7.18) e a inclusão de pessoas com deficiência (meta 4), assim como a superação das desigualdades (identificadas no balanço desagregado em todas as metas), evidenciando como o subfinanciamento estrangulou o sistema educacional como um todo. Sem recursos, o PNE tornou-se um plano sem lastro material para sair do papel”, conclui.

LEIA A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA NO SITE DA EPSJV/FIOCRUZ

(Foto: Gabriel Rosa/AEN)