Carta à Sociedade Brasileira | Contra os retrocessos na Educação propostos na PEC 45/2024 e na nova emenda da Câmara dos Deputados: o FUNDEB não pode pagar alimentação escolar
Carta à Sociedade Brasileira
Contra os retrocessos na Educação propostos na PEC 45/2024 e na nova emenda da Câmara dos Deputados: o FUNDEB não pode pagar alimentação escolar (PDF)
Brasil, 19 de dezembro de 2024.
Em consonância com a Bancada da Educação do Senado Federal, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação alerta para mais um novo e grave ponto na tramitação da PEC 45/2024, recentemente introduzido no relatório da Câmara dos Deputados, que precisa ser revertido, assim como insta as/os parlamentares a rejeitarem todas as alterações ao novo Fundeb propostos na supracitada PEC, preservando os recursos da Educação.
A nova emenda autoriza estados e municípios a usarem recursos do Fundeb para complementar o financiamento da alimentação escolar. Essa medida desvirtua a destinação original do Fundeb, que é garantir a manutenção e o desenvolvimento do ensino (MDE) e a valorização dos profissionais da educação, conforme trecho da emenda abaixo:
"§ 4º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão destinar recursos dos fundos referidos no inciso I do caput deste artigo para complementar os recursos recebidos da União para financiamento de programas de alimentação escolar para a educação básica. (NR)"
É preciso resguardar o financiamento da MDE frente à necessária ampliação dos programas suplementares de alimentação, evitando que a necessária ampliação de aportes nestes programas venha a prejudicar as demais atividades. Nesse sentido, a argumentação em favor da contabilização de despesas com alimentação escolar em MDE tem como propósito prático a redução dos recursos vinculados para o ensino em todos os entes federativos, o que afastaria o Estado brasileiro do cumprimento dos dispositivos constitucionais.
De fato, a alimentação escolar constitui o que a Constituição nomeia como programa suplementar, ou seja, são ações de assistência ao educando que oferecem apoio às atividades precípuas da educação, ou seja, à aquisição de saberes em sentido amplo. Deste modo, conclui-se que a proposta de incorporar a alimentação escolar na MDE não condiz com a interpretação corrente da Constituição de 1988 sobre os programas suplementares e sua relação com MDE, pois promove brechas que favorecem a agenda de desmonte da vinculação orçamentária para área da educação, estimulando mudanças legais e novas interpretações da lei em desacordo com o estipulado na Constituição.
Além disso, a PEC já contém outros dispositivos que comprometem gravemente o financiamento da educação pública e as finalidades redistributivas do Fundeb, como alertado pelas entidades Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) e União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), que integram o Comitê Diretivo da Campanha, a qual está de acordo e reforça essas preocupações e orientações:
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Educação em tempo integral: Ainda que a redução de 20% para 10% tenha sido positiva e fruto de incidência política das pessoas e entidades comprometidas com a Educação, a proposta de destinar percentuais da complementação da União ao Fundeb exclusivamente para a educação em tempo integral prejudica o caráter redistributivo do fundo. Como enfatizado pela Fineduca, “a totalidade dos 23% da complementação da União seriam integralmente repassados a estados e municípios nas proporcionalidades estabelecidas” para combater desigualdades. Essa alteração representa um retrocesso, pois realoca recursos essenciais para ações já previstas no Fundeb e sob critérios impostos pelo governo federal, contrariando a autonomia dos entes federativos.
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Autonomia dos entes federativos: A Undime ressalta que a medida compromete “a aplicação dos recursos do Fundeb em outras ações da educação pública, principalmente na remuneração de professores e demais profissionais da educação básica pública”. Ao violar o planejamento local e a autonomia constitucional de estados e municípios, a proposta ignora princípios fundamentais do pacto federativo e prejudica a gestão educacional. Fineduca observa que “Defendemos, sim, a ampliação do número de estudantes e do número de escolas que ofertam educação em tempo integral, consoante ao Plano Nacional de Educação. O problema que se coloca, porém, não é este e sim o uso direto de parte da Complementação da União ao Fundeb para a expansão da educação em tempo integral, sob critérios e condições estabelecidas pelo governo federal, o que, inclusive, contraria a autonomia dos entes federados”.
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Impactos orçamentários: A CNTE denuncia que a inclusão de despesas suplementares no Fundeb, representa “um retrocesso para a educação brasileira”, pois sobrecarrega estados e municípios com novas obrigações sem recursos adicionais e, ainda, “se posiciona permanentemente contra essas orientações e em defesa de mais tributação dos ricos e super-ricos (que praticamente não pagam impostos no Brasil), da atualização da tabela do Imposto de Renda e da reversão da estrutura tributária regressiva que castiga os mais pobres e a classe trabalhadora em geral”. A Fineduca reforça que “a mudança precipitada, intempestiva e oportunista de política extensamente debatida e acordada é, no mínimo, irresponsável frente aos imperativos das responsabilidades republicanas para com o direito à educação.”
É essencial destacar que o Fundeb, em sua estrutura atual, foi resultado de mais de cinco anos de debates no Congresso Nacional e está em processo de consolidação. Alterações de tamanha magnitude deveriam ser realizadas apenas após debates técnicos e políticos amplos e com base em estudos detalhados. Portanto, conclamamos os parlamentares a rejeitarem as mudanças propostas pela PEC 45/2024, preservando o caráter redistributivo do Fundeb e garantindo os recursos necessários para a valorização dos profissionais da educação e a manutenção das escolas, garantindo a aprendizagem dos estudantes.
É preciso maior justiça na tributação e na alocação dos recursos orçamentários para que o ajuste fiscal não recaia, mais uma vez, sobre os direitos sociais. A educação, enquanto primeiro direito listado na Constituição Federal, é prioridade e não pode ser submetida à austeridade. Nesse sentido, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação agradece e parabeniza a Bancada da Educação do Senado Federal que emitiu nota contrária às alterações propostas na PEC 45/2024 ao FUNDEB. Do mesmo modo, solicita que as/os demais parlamentares, da Câmara e do Senado, sigam o exemplo dessas Senadoras e desses Senadores e não permitam prejuízos à Educação.
Andressa Pellanda - Coordenadora Geral
Campanha Nacional pelo Direito à Educação
(Foto: Divulgação/Agência SP)