“O povo cabe no orçamento público porque é ele quem o produz; passou da hora de uma reforma tributária progressiva para financiar as áreas sociais no Brasil”, afirma Andressa Pellanda, em lançamento do Relatório Luz dos ODS 2024
“O povo cabe no orçamento público porque é ele quem o produz; passou da hora de uma reforma tributária progressiva para financiar as áreas sociais no Brasil”, afirmou Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, nesta terça (22/10) em lançamento do Relatório Luz, do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 (GT da Agenda 2030), no Palácio do Planalto, em Brasília (DF).
Pellanda representou a Campanha como integrante do GT que cofacilita o capítulo de educação (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – ODS 4) do Relatório Luz – documento que analisa a implementação dos compromissos assumidos pelo Estado brasileiro junto à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU).
“É preciso superar o teto de gastos, é preciso superar a agenda do arcabouço fiscal que esmaga o orçamento para as áreas sociais em prol do 1% mais rico”, alertou Pellanda, que também integra a Coordenação Global da Consulta Coletiva de ONGs da UNESCO (CCNGO, na sigla em inglês), que é a representação máxima da sociedade civil para o Mecanismo Global de Monitoramento do ODS 4.
A nova edição do Relatório Luz indica que apenas 7% das metas dos ODS da Agenda 2030 apresentaram avanço concreto.
Das 169 metas, apenas 13 registraram progresso satisfatório — 58 (34,52%) apresentaram progresso insuficiente, 40 metas (23,8%) retrocederam, 43 (25,59%) permaneceram estagnadas e 10 (5,95%) estão ameaçadas. Além disso, 4 metas (2,38%) não possuem dados suficientes para avaliação.
O melhor resultado do país, com mais metas em progresso, foi na área de combate à pobreza; das sete metas, cinco foram classificadas como satisfatórias. Enquanto os piores estão na educação e na saúde.
Referindo-se à educação, especificamente, nenhuma meta teve avanço. Cinco metas estão em retrocesso, duas estão ameaçadas, duas tiveram progresso insuficiente e uma está estagnada.
“Não podemos mais aceitar escolas sem ventilação, sem água potável, sem saneamento, sem janelas. Não podemos mais aceitar hospitais sem gaze, sem energia, sem médicos suficientes. Comunidades inteiras sem agentes de saúde. Não podemos mais aceitar conselhos tutelares sem um espaço apropriado, sem veículos, sem telefone. Não podemos não ter um [Centros de Atenção Psicossocial] CAPS para encaminhamento de um estudante em necessidade de cuidados de saúde mental, em uma escola em contexto de violência, em iminência de emergência e de ataque, como segue ocorrendo – como infelizmente quatro meninos morreram na Bahia na semana passada. Não podemos tratar nossa população que mais precisa com tamanha negligência. O investimento em infraestrutura básica para os serviços sociais, especialmente em territórios mais vulnerabilizados, é mais do que urgente.”
VEJA A FALA DE ANDRESSA PELLANDA NA ÍNTEGRA
Pellanda apresentou dados e análises do Relatório Luz que tratam da dimensão social, que está relacionada às necessidades humanas, de saúde, educação, melhoria da qualidade de vida e justiça. Pellanda dividiu a fala com Francisco Menezes, economista e analista de políticas da ActionAid, entidade que também integra o GT da Agenda 2030.
A especialista ressalta que o tema da justiça fiscal não é um assunto novo ou exclusivo do Brasil, pois há discussões como essa no âmbito internacional, em referência à criação neste ano da Convenção na ONU sobre justiça fiscal.
“Já passou da hora de um país rico como o Brasil fazer valer uma reforma tributária progressiva, ampliando os recursos para as áreas sociais, que devem beneficiar especialmente os 40% mais pobres”, defendeu.
Fim da educação domiciliar; mais PNE
Os dados relativos aos ODS 3 (saúde), 5 (gênero) e 8 (trabalho decente) apontam para ainda situações alarmantes em relação aos grupos mais marginalizados, especialmente nos recortes de raça e gênero.
Pellanda mostrou, com base no relatório, que os estupros de vulneráveis tocam mais a população negra, de crianças até 13 anos, especialmente em suas residências. E o trabalho não remunerado tem carga maior para mulheres – e também meninas, no trabalho infantil doméstico, por exemplo.
“Só aí temos dois argumentos que contrariam a ideia de regulamentação da educação domiciliar, que segue rondando os debates do Congresso”, disse.
“Em vez de discutir uma medida altamente polêmica, que pode colocar em maior risco de violência, estupro, trabalho infantil as nossas crianças, como é a educação domiciliar, o Estado deveria estar dedicado, na educação, em cumprir o Plano Nacional de Educação [PNE], que chegou ao final de seu decênio com 90% das metas não cumpridas, pela falta de financiamento adequado que está estagnado ao redor de 5% do PIB desde o início de sua vigência e com valores por aluno muito aquém dos necessários para a garantia de qualidade social em nossas escolas, pela falta de regulamentação e implementação do Custo Aluno-Qualidade (CAQ).”
Ela lembra que um dos pontos em retrocesso grave no PNE é o percentual de professores com estabilidade, que está 18 pontos percentuais atrás da situação de 10 anos atrás.
“Há redes de ensino no país em que mais de 80% dos professores são temporários. Isso é uma ruína no pilar mais importante para a qualidade da educação: o ensino”, disse.
Ela apontou que são urgentes os investimentos em educação, pois ajudam à redistribuição de renda e a falta de investimentos aumenta o índice de Gini (indicador socioeconômico de concentração de renda).
“Mas além de investirmos mais em educação, precisamos de medidas dedicadas ao enfrentamento da desigualdade social. No sexto país mais desigual do mundo, o valor dedicado às políticas de redistribuição de renda e de desenvolvimento sustentável em 2023 não somou nem 4% do orçamento da União!”, exclamou.
Emergências climáticas
Ações dentro da dimensão ambiental, mais detidamente sobre sua correlação direta com o enfrentamento às desigualdades sociais, são fundamentais, de acordo com Pellanda, para a “redução de riscos de emergências climáticas e de enchentes, por exemplo, que tocam, por meio do racismo ambiental, especialmente as populações pobres, negras, de periferias das grandes cidades, fechando escolas, destruindo moradias e ceifando vidas”.
Ela salientou que o poder público precisa aprimorar as formas de monitoramento de políticas, dando o exemplo, na educação, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) que em 2022 restringiu a transparência e a divulgação de dados em 2022.
“Há dados sobre populações indígenas, ribeirinhas, do campo, entre outras populações que não são sequer coletados e muito menos disponibilizados. Precisamos não só de monitoramento como de políticas em perspectiva interseccional, de raça, gênero, origem, idade, orientação sexual, identidade de gênero, entre outras. Só assim poderemos superar esses indicadores vergonhosos de falta de acesso à educação e à proteção e, por exemplo, de enfrentamento às DSTs [Doenças sexualmente transmissíveis] e DTNs [Doenças tropicais negligenciadas DTNs].”
ODS 18 – Igualdade Étnico Racial
A edição deste ano apresenta uma análise inédita alinhada ao novo ODS 18 – Igualdade Étnico Racial.
Instituído voluntariamente pelo governo brasileiro em setembro de 2023, o ODS 18 tem o objetivo de trazer a perspectiva étnico-racial à Agenda 2030. Nesse sentido, a oitava edição do Relatório Luz apresenta o estudo de caso “A não inclusão de raça e gênero na Agenda 2030 nega direitos à maioria”.
O Projeto Seta - Sistema de Educação para uma Transformação Antirracista, que a Campanha Nacional pelo Direito à Educação integra, foi apresentado como boa prática no campo da educação para o combate ao racismo no Brasil em evento de lançamento do ODS 18 - Igualdade Étnico-Racial na ONU.
O Relatório Luz é apoiado por um projeto coletivo financiado pela União Europeia.
(Imagem: Reprodução/YouTube/GT Agenda 2030)