Somente 2% das escolas do país oferecem educação indígena e, destas, somente 788 oferecem EJA; oferta insuficiente impacta mais as mulheres, aponta estudo

Pesquisa da Campanha Brasileira pelo Direito à Educação, com apoio da Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação, indica que faltam recursos e dados disponíveis para a EJA indígena; meta 9 do Plano Nacional de Educação retrocedeu uma década

 

Mesmo com crescimento de pelo menos 66% da população que se considera indígena no Brasil, o Censo Escolar de 2023 indicou que das 178,5 mil escolas de educação básica, 3.626 (2%) oferecem educação indígena e, destas, 788 oferecem EJA.

Quem sofre mais com esse diagnóstico são as mulheres indígenas jovens e adultas, que em grande medida têm seus direitos educacionais negados.

Não há dados desagregados sobre a Educação Escolar Indígena, especialmente sobre o acesso e a permanência das mulheres.

Mais de um milhão de matrículas de EJA foram perdidas desde o início do Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), sendo que só a população maior de 15 anos analfabeta, que é apenas parte do público alvo desta modalidade, corresponde a mais de 9 milhões de pessoas.

No PNE, a Meta 9 do – que versa sobre a Educação de Jovens e Adultas (EJA) – retrocedeu em relação ao início do plano, em 2014, de acordo com o Balanço do PNE da Campanha Brasileira pelo Direito à Educação.

Dessa forma, essa meta do PNE (Lei 14.934/2024) foi praticamente abandonada. Ela prevê elevar a taxa de alfabetização da população com 15 a 64 anos, de erradicar o analfabetismo absoluto, de reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional; e de oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de EJA, nos ensinos Fundamental e Médio, na forma integrada à educação profissional.

Esses são alguns dos destaques do estudo “Ofertas educacionais públicas para mulheres indígenas jovens e adultas no Brasil”, produzido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, com apoio da Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (Clade). 

ACESSE O ESTUDO “OFERTAS EDUCACIONAIS PÚBLICAS PARA MULHERES INDÍGENAS JOVENS E ADULTAS NO BRASIL”

O estudo versa sobre ofertas educacionais públicas para mulheres indígenas jovens e adultas, entre 15 e 30 anos, no Brasil, e busca contribuir para o acompanhamento da recomendação do Marco de Ação de Marrakech (MAM) e do trabalho da Plataforma de Redes Regionais para a Educação de Pessoas Jovens e Adultas.

As entidades apresentam no documento o contexto da EJA no país, o marco regulatório, o financiamento e as ofertas públicas para esta modalidade de educação básica, práticas inspiradoras e recomendações, inclusive no tocante às políticas públicas para a realização plena da educação intercultural bilíngue e transformadora de gênero das mulheres indígenas jovens e adultas. 

Financiamento
Uma das principais causas da negligência que a modalidade da EJA enfrenta é o subfinanciamento, em especial quando a população é de mulheres indígenas.

O Censo Escolar de 2023 indicou que das 178,5 mil escolas de educação básica, 3.626 (2%) oferecem educação indígena e, destas, 788 oferecem EJA.

“Apesar de ter aumentado em 14% o fator de ponderação do Fundeb [principal fundo da educação básica] para a Educação Escolar Indígena, e em 20% para a EJA, ambos para 2023 e 2024, a partir da incidência da Campanha, Fineduca e Undime, o investimento ainda não atinge o mínimo adequado, que é expresso pelo Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e o CAQi Amazônico, que precisam ser regulamentados a partir do Fundeb”, afirma Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

O texto aprovado do novo e permanente Fundeb é decisivo para o financiamento adequado da educação básica pública gratuita e de qualidade no país, pois adota o Custo Aluno-Qualidade (CAQ) como parâmetro para o financiamento por aluno. Foi com base nos cálculos do CAQ que foi tomada a decisão, em 2023, de melhorar os fatores de ponderação do Fundeb para EJA e para Educação Escolar Indígena.

Para 2024, é necessário, dentro do CAQi, o repasse de R$ 49,9 bilhões a mais de complementação da União ao Fundeb para a garantia de padrão mínimo de qualidade, efetivando o CAQi para toda a educação básica. O valor equivale a 0,5% do PIB brasileiro.

Pellanda enfatiza que precisa ser regulamentado também o Pacto Nacional de Alfabetização e Qualificação da EJA.

Lançamento
O lançamento nacional do estudo foi realizado em 2023 e local foi no início de outubro de 2024, em seminário na Plenária do Conselho Estadual de Educação do Mato Grosso (CEE-MT), em Cuiabá (MT). Assista ao evento na íntegra no canal de YouTube da Campanha.

Especialistas das esferas locais e nacionais contextualizaram a educação escolar indígena com enfoques na Educação de Jovens e Adultos (EJA) e na questão de gênero no estado do Mato Grosso e no país. As discussões foram subsidiadas pelo estudo, que traz dados também de outros países da América Latina.  

Os representantes da sociedade civil organizada e da política educacional mato-grossense e nacional (confira a lista abaixo) se comprometeram no seminário com os caminhos apresentados para garantia desses direitos a nível nacional. 

Ao mesmo tempo, deve haver a construção coletiva para a territorialização dessas políticas, que passam pelo diagnóstico e ampliação da articulação nos âmbitos do estado e dos municípios, especialmente. Esse foi o objetivo principal do seminário.

Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP e coordenador honorário da Campanha, destacou no seminário que o direito à educação é historicamente descumprido, e quando se analisa a EJA e a Educação Escolar Indígena isso se revela de forma mais cruel para pessoas que estão em situação de maior vulnerabilidade social e econômica, o que resulta em cerca de 11 milhões de pessoas analfabetas absolutas e mais de 30 milhões de analfabetos/as funcionais.

“O Brasil não assume o custo da Educação Escolar Indígena porque o valor é cerca de três vezes maior, e a Educação de Jovens e Adultos não pode ser apenas criar vagas, mas ter estratégias de busca ativa, que tem custos e demanda mais investimentos”, disse.

Geraldo Grossi Junior, coordenador do Comitê MT da Campanha, servidor da SEDUC-MT e técnico do Conselho Estadual de Educação de MT (CEE-MT), fez um resgate do histórico de políticas implementadas em governos estaduais anteriores, no sentido de criar e implementar políticas voltadas ao fortalecimento das políticas indígenas, como o primeiro Conselho de Educação Indígena do país, bem como para repassar a alimentação escolar indígena e implementar gestão democrática com ampla participação das populações indígenas.

Eliane Xunakalo, presidente da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (FEPOIMT), enfatizou que, apesar de Mato Grosso ser conhecido como pioneiro nas políticas de Educação Escolar Indígena no passado, “é preciso avançar, pois o presente é tenebroso”. 

“Precisamos que a educação diferenciada seja garantida, para ter uma educação de qualidade que atenda a legislação – com concurso público para professores indígenas e enfrentar os problemas e desafios da EJA, que chegam a ser vergonhosos”, alertou.

Reconhecimento a Geraldo Grossi Junior
Na ocasião, a Campanha Brasileira pelo Direito à Educação, na figura de Pellanda, entregou uma placa oficial de membro honorário da Campanha a Geraldo Grossi Junior, “por sua incansável atuação e inestimável contribuição para a educação mato-grossense e, enquanto parte essencial da Rede da Campanha, para a educação brasileira”.
 

RECOMENDAÇÕES DO ESTUDO

- Incluir as populações indígenas em pesquisas nacionais regulares e desenvolver pesquisas e coletas de dados específicos, que apresentem de fato os principais problemas e desafios enfrentados por estas populações, incluindo a análise dos dados por recorte de idade e gênero, estimulando a produção de conhecimentos e informações sobre EJA para escolas, assim como sobre a inclusão de mulheres jovens nesta modalidade.

- Assegurar que a educação indígena respeite a oferta nas línguas destas populações, a formação específica dos profissionais da educação e a interculturalidade.

- Desenvolver políticas públicas que estimulem as populações indígenas, especialmente as mulheres, a acessarem as diferentes etapas da educação, com atenção especial ao ensino técnico e profissionalizante e ao ensino superior.

- Promover a integração dos órgãos responsáveis pela defesa dos direitos dos povos indígenas, como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas, com as áreas de educação, saúde e proteção social, com objetivo de realmente assegurar a promoção de seus direitos, incluindo Organizações de Sociedade Civil (OSCs) em processos de elaboração e tomada de decisão sobre políticas públicas referentes à educação de mulheres indígenas jovens e adultas.

- Prever, no novo Plano Nacional de Educação metas de educação indígena, garantindo que os recursos previstos no arcabouço legal, como os 10% do PIB para a área e o CAQ, se tornem uma realidade para transformar de fato a realidade das escolas indígenas por meio de instrumentos de equalização e de enfrentamento às desigualdades étnico-raciais.

(Foto: Funai/Lohana Chaves)