“O PNE (2014-2024) foi vitorioso, em que pese o fato de que ele tenha sido descumprido”, afirma Daniel Cara
“O Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024) foi vitorioso em que pese o fato de que ele tenha sido descumprido”, afirmou Daniel Cara, professor da FE-USP e coordenador honorário da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em seminário realizado pela Câmara dos Deputados nesta quarta (26/06).
O evento marcou os 10 anos da Lei 13.005/2014, cuja vigência acabou na terça (25/06). O governo federal envia nesta quarta um Projeto de Lei do Novo PNE, que deve tramitar no Congresso Nacional nos próximos meses.
Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha, apresentou o Balanço do PNE 2024 na terça, em audiência pública na Câmara dos Deputados. O levantamento aponta que 90% das metas do Plano foram descumpridas, 10% foram cumpridas, 13% sofreram retrocesso e 35% têm lacunas de dados.
Para Cara, a vitória do PNE 2014-2024 foi a mobilização social gerada em torno do direito à educação. “Pautados na ideia de que os Planos Nacionais de Educação – se a gente for analisar em termos de bibliografia, de debate, no mundo, não é só no Brasil –, os Planos Nacionais de Educação são uma demanda [da sociedade pela] construção do Estado de Bem-Estar Social”, disse.
Em sua fala, registrada pela TV Câmara, Cara aborda a relação intrínseca entre educação, economia e o planejamento estratégico de um país. Ele evoca a perspectiva de importantes intelectuais brasileiros como Celso Furtado, Florestan Fernandes e Maria da Conceição Tavares, que destacavam a importância do planejamento estatal associado à luta social. Segundo Cara, a partir dos anos 1990, houve um abandono do planejamento na gestão pública brasileira, o que impede a criação de um projeto de país voltado para o desenvolvimento sustentável e inclusivo.
“Como diziam Celso Furtado, Florestan Fernandes e Maria da Conceição da Tavares, o planejamento, no passado, era uma demanda do Estado, mas era também fruto da luta social: a sociedade se organizava para fazer o planejamento. A partir dos anos 1990, como dados do IPEA demonstram, o planejamento foi abandonado na gestão pública brasileira. É difícil discutir algo que vá além do que é urgente aqui na Câmara, por exemplo: hoje estamos presos na urgência dos problemas; não conseguimos pensar um país. Para falarmos de qualidade [na educação]: se pegarmos países que são bem avaliados no PISA, como Coreia do Sul, Finlândia, Estônia etc., iremos observar que todos esses países têm algo que nos falta: eles têm planejamento do Estado e projeto econômico. E aí, dentro do projeto econômico, o que acontece? Emerge a demanda por Educação. Educação tem que estar condicionada a um projeto econômico? Não. Mas se as duas coisas andarem separadas, nunca vai funcionar. E é a realidade que nós temos hoje no Brasil. Eu vou ser bastante franco: o Brasil não tem projeto econômico (há muitos anos), e aí não vai conseguir ter um projeto de Educação que cumpra com as necessidades do país. E este é o ponto que a gente precisa ter coragem de enfrentar. E meu pitaco sobre projeto econômico é este: eu só acredito em projeto que garanta qualidade de vida para toda a população brasileira. Ou seja, a economia a serviço das pessoas e não as pessoas a serviço da economia”, defende Cara.
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Análise e comentário
Cara argumenta que a ausência de um planejamento estratégico e de um projeto econômico para o país reflete diretamente na qualidade da educação. Ele cita exemplos de países bem avaliados no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), como Coreia do Sul, Finlândia e Estônia, que possuem um planejamento estatal robusto e um projeto econômico definido, o que cria uma demanda por uma educação de qualidade.
Para entender melhor essa conexão, diz Cara, é essencial revisitar alguns aspectos importantes da legislação e dos planos nacionais de educação no Brasil.
Plano Nacional de Educação (PNE)
O PNE, instituído pela Lei nº 13.005/2014, estabelece diretrizes, metas e estratégias para a educação no Brasil para um período de dez anos. Entre seus objetivos principais, destacam-se a erradicação do analfabetismo, a universalização do ensino básico e a valorização dos profissionais da educação. No entanto, para que essas metas sejam alcançadas, é necessário um planejamento contínuo e a articulação com um projeto econômico que sustente esses objetivos.
Constituição Federal de 1988 (CF-88) - Capítulo sobre Educação
A CF-88, em seus artigos 205 a 214, trata da educação como direito de todos e dever do Estado e da família. Ela estabelece os princípios para a educação no Brasil, como a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, a gestão democrática do ensino público e a valorização dos profissionais da educação. Esses princípios são fundamentais para a criação de um sistema educacional que atenda às necessidades do país e promova a inclusão e o desenvolvimento social.
Desempenho educacional e econômico no Brasil
Os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e de outros estudos mostram que o Brasil enfrenta desafios significativos em termos de planejamento educacional e econômico. A falta de um projeto econômico robusto impacta diretamente a capacidade do Estado de investir em educação de qualidade.
Investimento em Educação: Segundo o Relatório de Monitoramento Global da Educação da UNESCO, o Brasil investe cerca de 6% do seu PIB em educação, o que está alinhado com muitos países desenvolvidos. No entanto, a qualidade do gasto e a eficiência na aplicação desses recursos são questões críticas.
Desigualdade Educacional: O Brasil ainda apresenta grandes disparidades regionais e socioeconômicas no acesso e na qualidade da educação. Estados do Norte e Nordeste, por exemplo, enfrentam desafios maiores em comparação com estados do Sul e Sudeste.
Resultados no PISA: O Brasil continua apresentando resultados modestos no PISA. Em 2018, por exemplo, o país ficou em 57º lugar em leitura, 66º em matemática e 61º em ciências, entre 79 países avaliados. Isso demonstra a necessidade urgente de melhorias na qualidade da educação básica.
Importância do planejamento e do projeto econômico
Cara argumenta que sem um projeto econômico que vise melhorar a qualidade de vida da população, é difícil ter um sistema educacional eficiente. Ele propõe que a economia deve servir às pessoas e não o contrário. Isso significa que políticas econômicas devem ser desenhadas para promover o bem-estar social, o que inclui investimentos robustos e contínuos em educação.
Exemplos internacionais
Coreia do Sul: Após a Guerra da Coreia, o país implementou um plano econômico focado na industrialização e no desenvolvimento tecnológico, alinhado com um sistema educacional rigoroso e de alta qualidade. Esse planejamento estratégico levou a Coreia do Sul a se tornar uma das economias mais avançadas do mundo, com um dos melhores sistemas educacionais.
Finlândia: Conhecida pelo seu sistema educacional de alta qualidade, a Finlândia investe fortemente em educação pública, com ênfase na igualdade de oportunidades. O planejamento estatal e a valorização dos professores são pilares fundamentais desse sucesso.
Conclusão
Para enfrentar os desafios educacionais no Brasil, é crucial desenvolver um projeto econômico que esteja alinhado com as necessidades sociais e educativas do país. Um planejamento estratégico que priorize a qualidade de vida da população e um sistema educacional eficiente são essenciais para o desenvolvimento sustentável e inclusivo. A educação de qualidade, integrada a um projeto econômico robusto, pode transformar o Brasil, promovendo maior equidade, inclusão e desenvolvimento social.
(Foto: Campanha Nacional pelo Direito à Educação)