Conae 2024 reforça caráter democrático na construção do novo PNE

Com ampla representatividade regional e de diversos segmentos, educadoras/es e estudantes fortalecem a participação social na Conferência Nacional de Educação

 

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação participou com 140 delegadas/os na etapa nacional, entre indicados e eleitos, abrangendo todas as unidades federativas, da Conferência Nacional de Educação (Conae) 2024.

Também representando diversos segmentos da educação e dezenas de entidades da sociedade civil organizada, as/os delegados construíram coletivamente o documento final da Conferência, que chegou já referendado pelas etapas anteriores (municipais, intermunicipais, estaduais e distrital).

Foram mais de 1.300 conferências realizadas em todo o país, envolvendo mais de 4.300 municípios, todos os 26 Estados e o Distrito Federal, contando com a participação de milhares de pessoas.

Segundo a apresentação do Documento Base da Conae 2024, por meio da Comissão Especial de Sistematização e Monitoramento do FNE, foram contabilizadas 8.651 emendas aos 1.134 parágrafos que compunham o Documento Referência (o texto inicial), as quais foram inseridas pelos 26 estados e o Distrito Federal. 

No total, 1.846 delegadas/os participaram do evento que aconteceu entre 28 e 30 de janeiro, na Universidade de Brasília (UnB), no Distrito Federal.

É o FNE quem propõe, coordena e organiza a Conferência. O Fórum é um órgão participativo de composição entre Estado e sociedade. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação tem representação nele em cadeira titular na figura de sua coordenadora geral, Andressa Pellanda. Ela participa da Comissão de Monitoramento e Sistematização do Fórum e está em sua relatoria.

“Somos 140 delegados da Campanha de todos os estados do país. Construímos desde o texto referência [da Conae 2024], passando pelas conferências municipais, estaduais, distrital, até chegar aqui. Um lindo movimento democrático e forte. Com aguerridos do FNE, estamos trabalhando no fio desde o primeiro semestre de 2023. Trabalhamos por um novo Plano Nacional de Educação que faça jus à comunidade educacional que o constrói!”, disse Pellanda.

Ela coordenou o Eixo II da Conferência, que tem como título “A garantia do direito de todas as pessoas à educação de qualidade social, com acesso, permanência e conclusão, em todos os níveis, etapas e modalidades, nos diferentes contextos e territórios”.

Moções
As moções da Conae 2024 servem para expressar o posicionamento da Conferência sobre diversos temas da educação. São propostas que foram apresentadas e debatidas pelas/os delegadas/os durante a Conferência, e que foram aprovadas por maioria absoluta. Elas serão encaminhadas ao Congresso Nacional para subsidiar a elaboração do novo PNE.

As moções que foram submetidas pela Campanha são:


- Pela Educação Inclusiva e Contra a Homologação do Parecer CNE Nº 50/2023
Submetida por: Campanha Nacional pelo Direito à Educação em nome da Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva

- Pela Revogação do Novo Ensino Médio | O Novo Ensino Médio aprofunda Desigualdades e é Retrocesso para Educação Pública, por isso Defendemos sua Revogação. Não Podemos Retroceder!
Submetida por: Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais (ABECS), a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e o Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES/UNICAMP)

- Pela Proteção, Convivência, Escolar e Gestão Democrática | É Urgente o Debate sobre Resposta e Prevenção aos Ataques Contra as Escolas, Exigindo Respostas Desenvolvidas em Conjunto com as Comunidades Escolares
Submetida por: Campanha Nacional pelo Direito à Educação


Moções que foram assinadas pela Campanha ao lado de outras entidades são:
 

- Obrigatoriedade, tal como Prevista no Art. 62 a LDB, da Formação Obrigatória e Específica em Nível de Licenciatura para Atuar na Educação Básica e a Valorização do Magistério
Submetida por: Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais (ABECS)

- Obrigatoriedade do Ensino das 13 Disciplinas/Componentes Curriculares (Artes, Biologia, Educação Física, Filosofia, Física, Geografia, História, Língua Espanhola, Língua Inglesa, Língua Portuguesa, Matemática, Química e Sociologia) na Formação Geral Básica do Ensino Médio
Submetida por: Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais (ABECS)

- Retoma a Res. CNE/CP Nº 02/2015 e Revoga Já a Base Nacional Comum da Formação Inicial e Continuada
Submetida por: Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), Fórum Nacional de Diretores de Faculdades, Centros de Educação ou Equivalentes das Universidades Públicas Brasileiras (FORUMDIR), Fórum de Pró-Reitores de Graduação das Instituições Públicas Brasileiras de Educação Superior da Região Nordeste (FORPIBID-RP), Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE) e Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED)

- Por Uma Educação de Qualidade para Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas!
Submetida por: Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA-CE) e Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED)

- Não ao Silêncio e Ao Medo | Por uma Política de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Diversidade Sexual na Educação | Promovendo Direitos e Enfrentando Violências e Discriminações Contra Meninas, Mulheres e População LGBTQIA+
Submetida por: Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação e Campanha Nacional pelo Direito à Educação

- Inclusão de Movimentos Sociais e Organizações da Sociedade Civil como segmento da Próxima Conae
Submetida por: Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação e Campanha Nacional pelo Direito à Educação

- Pela Desmilitarização da Educação Básica e em Defesa da Educação Democrática
Submetida por: Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação e Campanha Nacional pelo Direito à Educação

- Contra a Liberação da Educação Domiciliar e em Defesa do Investimento nas Escolas Públicas
Submetida por: Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação e Campanha Nacional pelo Direito à Educação

- Repúdio à Política de Militarização das Escolas Brasileiras
Submetida por: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE)

- Solidariedade ao Povo Palestino
Submetida por: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE)

- Solidariedade ao Povo Argentino
Submetida por: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE)

- Moção em Defesa da Ampliação do Orçamento da Secadi/MEC em Prol da Efetivação das Políticas de Educação para a Diversidade e Inclusão
Submetida por: Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e autores

- Moção pelo Cumprimento da Modalidade de EJA Presencial em Todas as Unidades do Sistema Penitenciário do Brasil
Submetida por: Fórum de EJA do Brasil

- Moção pela Permanência com Qualidade das Escolas do Campo, Indígenas e Quilombolas
Submetida por: Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Fórum Nacional de Educação do Campo (Fonec)
 

Objetivo: PNE pra valer
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação apoiou sua Rede de ativistas na articulação para incidência sobre pontos do Documento Referência – que se tornará, ao final, o Documento Base da Conae 2024. Realizou reuniões e formações com as/os educadoras/es para a apropriação do conteúdo do Regimento Geral da Etapa Nacional, e indicação de emendas ao Documento Referência (que já foi usado nas etapas anteriores). Essas são ações para fortalecer a defesa de pautas históricas do movimento, sempre atreladas ao direito a uma educação pública de qualidade a todas as pessoas no território brasileiro.

Foram aprovadas, nos sete eixos, todas as emendas indicadas pela Campanha na etapa nacional da Conae 2024.

O objetivo é fazer com que emendas defendidas pela Campanha sejam incorporadas como referência ao novo Plano Nacional de Educação (PNE). O documento possui caráter deliberativo e espera-se que o Ministério da Educação (MEC) deve seguir este conjunto de propostas para formular um Projeto de Lei do novo Plano Nacional de Educação (PNE) – legislação que é a espinha dorsal da educação brasileira e deve passar a tramitar no Congresso Nacional ainda neste ano. Assim, também de forma ampla, o documento final da Conae 2024 busca subsidiar a regulamentação e a implementação do novo PNE pela União, estados, Distrito Federal e municípios.

A Campanha incidiu fortemente sobre o PNE vigente (2014-2024), que está em seu último ano. Segundo a pesquisadora Fernanda Vick em sua dissertação de mestrado, a Campanha foi responsável direta, na Conae 2010, por mais de 70% do volume de emendas à Meta 20 do PNE, e o conteúdo dessas emendas está diretamente associado ao conteúdo das emendas ao então PL 8.035/ 2010 que a entidade produziu ao Eixo V do Documento Base da Conae daquele ano.

Algumas das principais defesas da Campanha na Conae 2024 foram pela garantia de:


- financiamento público adequado à educação pública, instituindo o Sistema Nacional de Educação, tendo o Custo Aluno-Qualidade (CAQ) como parâmetro nacional de qualidade de oferta;

- gestão democrática e garantia de mecanismos de participação e decisão envolvendo os diferentes segmentos da educação;

- ações afirmativas para promover a inclusão de grupos historicamente sub-representados, notadamente a população negra, indígena, quilombola e da população com deficiência, assegurando o enfrentamento e superação das desigualdades educacionais;

- valorização dos profissionais da educação, com planos de carreira e ingresso exclusivamente por concurso público às redes públicas;

- contraposição a todas as formas de desqualificação da educação e de financeirização, privatização, terceirização e transferência de responsabilidades do Estado na educação à iniciativa privada (em todos os níveis, etapas e modalidades).


Colóquio: ataques de reformas neoliberais
Os ataques ao direito à educação têm como causa primordial a implementação de reformas de austeridade promovidas nos últimos anos por políticas neoliberais. Os reflexos são políticas educacionais que geram desigualdades – como o Novo Ensino Médio (NEM), a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), entre outras – e que precarizam a educação como visto, também como parte desse processo, no escanteamento do Plano Nacional de Educação (PNE - 2014-2024).

Esses foram alguns dos temas discutidos no Colóquio 8, do Eixo II, proposto pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e pelo CEDES - Centro de Estudos Educação e Sociedade, que aconteceu em auditório lotado da UnB no segundo dia (29/01) da Conae 2024.

O colóquio chamado “O direito à educação sob ataque no Brasil: reformas educacionais e alternativas de ação” debateu como políticas educacionais neoliberais, influenciadas por fundações empresariais, têm impactos negativos na educação pública.

A mediadora da discussão, Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha, apontou que, na última década, as reformas que reduziram o papel do Estado brasileiro na garantia de direitos prejudicaram gravemente avanços nas áreas sociais conquistados e precarizaram os serviços públicos – incluindo a educação pública. “Esses ataques à educação pública são fruto das reformas educacionais neoliberais”, afirma.

A Campanha publicou um estudo chamado “Não é uma crise, é um projeto: os efeitos das Reformas do Estado entre 2016 e 2021 na educação”, que mostra como essas reformas atacam as bases do funcionalismo público, reduzem a capacidade do Estado brasileiro de atender sua população e prejudicam de forma acentuada mulheres e meninas negras.

Pellanda lembra que outros estudos da Campanha, como o “Mapeamento Educação Sob Ataque no Brasil”, apresentam a correlação entre o crescimento de ataques violentos às escolas e a implementação da política neoliberal do Novo Ensino Médio.

“Como a gente vai prevenir as violências às escolas se a gente não tem gestão democrática? Se a gente não tem aula de filosofia e sociologia? Nossos estudos já demonstraram que o Novo Ensino Médio contribui fortemente para o aumento das violências às escolas”, afirmou Pellanda.

Ela integrou o executivo do GT Executivo do Grupo de Trabalho de Especialistas em Violência nas Escolas do MEC, e contribuiu com a construção do relatório Ministério da Educação “Ataques às Escolas no Brasil”. A relatoria foi do professor Daniel Cara, da Faculdade de Educação da USP e coordenador honorário da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Cara contribui para o colóquio trazendo uma perspectiva mundial para a questão. Para ele, apenas países com projeto de desenvolvimento nacional claro (caso de alguns países asiáticos, como a Coreia do Sul) vêm avançando na garantia de condições de ensino e de aprendizado. “O Brasil abdicou do debate do desenvolvimento. A gente resolve alguns problemas da educação ou da saúde, mas não temos um projeto de política de desenvolvimento nacional”, observa.

“Com o PNE, nós precisamos retomar a ideia de que o projeto nacional da educação é um projeto de desenvolvimento nacional”, argumenta. “As ciências da educação é que devem pautar a política educacional. Não a economia, não as fundações empresariais.”

Sérgio Stoco, presidente do CEDES - Centro de Estudos Educação e Sociedade, lembra que políticas educacionais devem ser formuladas de acordo com fundamentos pedagógicos e com a participação do campo da educação, não apenas em círculos fechados da política institucional.

“A decisão de aumentar ou reduzir a carga horária da Formação Geral Básica [(FGB), do Ensino Médio] não pode ser discutida apenas em uma mesa. É uma questão da formação integral do sujeito, de direito, de igualdade”, diz.

Para ele, reformas como a do Novo Ensino Médio oferecem algo que não entregam: vendem uma liberdade de escolha curricular que, de fato, não existe; apostam na educação em tempo integral sem que sejam garantidas as condições materiais para sua plena concretização. “O resultado é exclusão, não tem como gerar outra coisa”, afirma.

Fernando Cássio, professor da FE-USP, membro da Rede Escola Pública e Universidade (REPU) e do Comitê Diretivo da Campanha, ressalta que está demonstrado que o Novo Ensino Médio é uma “política fracassada e mentirosa”, sendo altamente desorganizadora das redes de ensino muito por conta da profusão dos chamados “itinerários formativos” que tomaram o espaço de disciplinas da FGB.

“Foram as fundações empresariais que elaboraram o Novo Ensino Médio, foi a direita empresarial que fez. O Consed implementou o NEM, não foi o Bolsonaro”, pontua.

“O neoliberalismo quer transformar o Estado em um corretor. Obriga o estado a se regular. Faz engenharias sociais, experimentos sociais. A Reforma do Ensino Médio deu errado, e agora eles querem a alternativa de reformar a reforma. Eles têm os remédios para os males que produzem”, diz Cássio.

Mônica Ribeiro, professora da UFPR e coordenadora do Observatório do Ensino Médio da universidade, destacou que a Reforma do Ensino Médio foi também uma reforma da Educação Profissional de Nível Médio. Para Ribeiro, ao oferecer uma formação profissional de baixa qualidade, que separa a formação geral da profissional, a precarização da etapa revela “uma disputa sobre qual o Ensino Médio oferecer para essa juventude”.

“No final do século 20, menos de um quarto de pessoas eram formadas no Ensino Médio. A Reforma não começa com a MP [do governo Temer]. Começa com uma juventude que nunca ocupou essa etapa”, aponta.

“A Reforma nem sequer prepara para o emprego: prepara para o desemprego. Porque o eixo é o empreendedorismo, ‘aprender a empreender’. Formar para o desemprego, aprender a se virar.”

Jade Beatriz, presidenta da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), reafirmou a importância da construção coletiva da Conae 2024 para concretizar as demandas dos estudantes e dos diversos segmentos educacionais. “Não adianta apenas eleger um governo democratico, é preciso pressionar”, disse. “Esse é um espaço dos estudantes também. Não existe educação pública sem a nossa presença.”

Beatriz também criticou o NEM, defendendo a aprovação do PL do governo federal, para que os estudantes possam ter “um trabalho digno e não o subemprego, e também possam trilhar um caminho para o ensino superior”.

“A educação básica do Brasil está sendo destruída pela Reforma do Ensino Médio.”