Campanha assina declaração em defesa do direito à educação na Amazônia

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação assina declaração conjunta promovida pela Comunidade de Prática de Desenvolvimento Integral e Educação Integral e Intercultural em defesa do direito à educação pública e de qualidade na Amazônia.
O documento traz recomendações sobre acesso, permanência e qualidade da educação ao longo da vida, mas particularmente na educação básica; sobre a infraestrutura adequada de serviços básicos e das próprias escolas; sobre a valorização da docência e de iniciativas dos próprios territórios – considerando as diversidades de povos e comunidades tradicionais, indígenas, afrodescendentes, ribeirinhos, catadores-coletores, do campo e outros da região.
A Comunidade de Prática de Desenvolvimento Integral e Educação Intercultural, que reúne organizações do Brasil, Colômbia e Peru interessadas em melhorar a qualidade da educação de meninas, meninos e adolescentes em escolas e comunidades rurais, compartilha no campo da Cúpula de Presidentes da Amazônia um conjunto de recomendações organizadas em quatro pilares que considera que devem fazer parte das conclusões da Cúpula e da agenda pública e orçamentária em prol do nosso território comum que é a Amazônia. Veja-os abaixo.
A declaração é assinada conjuntamente pelas organizações que compõem a Comunidade de Prática de Desenvolvimento Integral e Educação Integral e Intercultural. Subscrevem:
Do Brasil: FLACSO Brasil, CE-CEDAC (Comunidade Educativa CEDAC), CREI (Centro de Referências em Educação Integral), Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Da Colômbia: EDUCAPAZ (Programa Nacional de Educación para la Paz), CINEP (Centro de Investigación y Educación Popular), Fe y Alegría Colombia
Do Peru: UNESCO Perú, TAREA, CIPCA, Ser Maestro
Regional: Porticus América Latina, Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM
Leia a declaração na íntegra abaixo ou aqui em PDF.
Declaração sobre Educação e Amazônia
As mudanças climáticas afetam todo o planeta. A Amazônia é um dos biomas-chave do equilíbrio ambiental, sendo fundamental para a sobrevivência na Terra devido ao papel que desempenha na absorção de gases de efeito estufa. Deste modo, toda iniciativa e política voltada ao cuidado da Amazônia promove também a proteção de todo o planeta. Ao mesmo tempo, qualquer iniciativa e política na Amazônia em termos de manejo ambiental, desmatamento e caça indiscriminada, economias transformadoras, direito dos rios, exploração de hidrocarbonetos, mineração extrativista e gestão do território requer a liderança de seus habitantes, os povos nativos e as comunidades tradicionais. A agenda amazônica deve ser realizada com e por sua população e, portanto, sua sustentabilidade, efetividade e impacto dependem da garantia do direito à educação desta população.
O direito à educação envolve poder compreender a Amazônia como um conjunto de culturas, línguas, leitura e escrita, saberes, percepções de mundo e espiritualidades que desafiam os Estados a compreender a diversidade amazônica sem preconceitos e a oferecer serviços que fortaleçam e não desnaturalizem a identidade amazônica, ao mesmo tempo em que a articula a um mundo global e interconectado. Assim, o direito à educação, historicamente negligenciado para a população amazônica, pode se tornar um direito libertador e transformador.
Considerando esses princípios, a Comunidade de Prática de Desenvolvimento Integral e Educação Intercultural, que reúne organizações do Brasil, Colômbia e Peru interessadas em melhorar a qualidade da educação de meninas, meninos e adolescentes em escolas e comunidades rurais, compartilha no campo da Cúpula de Presidentes da Amazônia um conjunto de recomendações organizadas em quatro pilares que considera que devem fazer parte das conclusões da Cúpula e da agenda pública e orçamentária em prol do nosso território comum que é a Amazônia. Certos de que uma educação de qualidade para todos contribui para o desenvolvimento integral, o exercício da cidadania plena, a preservação do meio ambiente e a garantia dos direitos humanos, recomendamos:
Sobre o acesso e a qualidade dos serviços ao longo da vida
✔ Corrigir a desigualdade histórica de acesso e conclusão na educação infantil, ensino fundamental e médio na Amazônia. A pandemia da COVID-19 não apenas expôs lacunas históricas, mas também aprofundou a desigualdade existente para a população escolar. Na Amazônia, a falta de expansão ou criação de políticas públicas diferenciadas de acordo com as características do território, a desigualdade na distribuição orçamentária, a falta de calendários escolares alternativos entre outros problemas, afetam o acesso, a permanência e a conclusão dos ensinos fundamental e médio; bem como afeta o alcance efetivo da aprendizagem e o desenvolvimento socioemocional de meninas, meninos, adolescentes e jovens. Com base em evidências e na participação da população, é necessário abordar questões como educação intercultural bilíngue, escola unidocente e multisseriada, papel das comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas, ribeirinhas catadores-coletores, do campo, entre outras), educação comunitária e currículo intercultural bilíngue.
✔ Fortalecer a formação integral em todos os níveis educacionais, oferecendo uma educação com abordagens diferenciadas (étnica, intercultural, de gênero), onde o direito à participação das organizações de grupos tradicionais nas políticas, gestão e propostas pedagógicas permite que conhecimentos ancestrais da Amazônia, as artes e esportes e grupos tradicionais façam parte da prática educativa de forma integral. Em nossos países, atingidos por conflitos socioambientais, é fundamental aprofundar estratégias de educação ambiental, educação para a paz e memória histórica, enfatizando a educação para a cidadania, a reconciliação e o cuidado com o meio ambiente. Ressaltamos a importância de incorporar e reconhecer o sistema de conhecimento dos povos tradicionais da Amazônia, estabelecendo um diálogo entre o conhecimento científico e a sabedoria amazônica, seus saberes ancestrais e visões de mundo, seus modos de sentir, seus imaginários e sua espiritualidade. Currículos que garantam a relação e o diálogo entre saberes locais e globais, que incluam a preservação cultural na educação amazônica, elementos da educação popular e a necessidade de planos de estudos que valorizem a diversidade cultural e promovam o respeito às tradições e formas de vida das comunidades locais. Promover políticas de “violência zero”, de gênero, combate ao tráfico, eliminação do casamento infantil em colaboração e com o envolvimento das diversas instituições estatais, organizações de grupos tradicionais, ONGs e outros grupos que desenvolvem programas e projetos nos territórios amazônicos.
✔ Fortalecer um ensino médio orgânico articulado ao ensino superior que reconheça as características dos territórios e contribua para a consolidação dos projetos de vida estudantil e suas potencialidades em harmonia com os contextos produtivos e culturais da Amazônia. Nesse sentido, tornam-se importantes as alianças estratégicas e o intercâmbio de recursos para melhorar a qualidade da educação na região. É necessário promover a colaboração entre governos, organizações não governamentais, comunidades locais e setor privado para enfrentar os desafios educacionais na Amazônia de acordo com os contextos que incluem a participação de universidades, institutos e centros de formação técnica.
✔ Identificar as rotas ou caminhos mais convenientes para passar da educação básica à educação superior técnico-produtiva e tecnológica, para garantir não só o acesso, mas também a continuidade e conclusão da educação superior. É importante avaliar e tomar decisões para atender e reestruturar as Universidades Interculturais para que atendam aos objetivos e finalidades de sua criação e respondam às reais demandas de formação profissional das novas gerações de jovens de grupos tradicionais e às necessidades ambientais e trabalhistas da Amazônia. Também é importante desenvolver uma educação digital crítica para participar de espaços virtuais com segurança e respeitando as leis e os direitos humanos.
✔ Comprometer-se com uma educação ambiental com vistas à sustentabilidade, o que requer programas educativos voltados para a conservação da floresta amazônica, que contemplem a importância da biodiversidade, da diversidade social e cultural e direcionem estratégias para os impactos das atividades humanas que não respeitam o meio ambiente.
✔ Financiar estratégias relevantes de transporte, alimentação e conectividade para a educação básica de acordo com as características sazonais da Amazônia, que começa pelo financiamento do transporte escolar terrestre ou fluvial em territórios de difícil mobilidade e a implementação de programas de alimentação escolar com aporte nutricional adequado com base nos saberes e culturas alimentares do contexto amazônico, favorecendo a produção agrícola regional e comunitária. O acesso à conectividade e o desenvolvimento da educação digital para participação e acesso aos serviços também são importantes.
Sobre os professores
✔ Assegurar a formação inicial de professores e um atendimento de qualidade que assegure a cobertura das vagas nas instituições de ensino rural e indígena rural. Implementação do plano de fortalecimento e/ou atualização dos professores dos institutos pedagógicos, escolas pedagógicas e/ou Faculdades de Educação da Amazônia. Fortalecer e prestar assessoria técnica às instituições formadoras de professores que oferecem a carreira de educação intercultural bilíngue para o desenvolvimento dos programas de especialização. Reforçar as competências pedagógicas a partir de uma abordagem integral, aprofundando-se nos modelos rurais e na educação intercultural bilíngue, que combina o conhecimento local com as evidências fornecidas pela ciência.
✔ Reconhecer e valorizar os professores como sujeitos que contribuem com seus saberes e experiências para a educação de crianças e jovens e para a transformação de sujeitos, comunidades e sociedades. Nesse sentido, é imprescindível que todas as instituições de ensino tenham um corpo docente completo e qualificado, com todas as garantias trabalhistas. A implementação de políticas públicas que garantam concursos públicos para a relação docente permanente e a formação de professores e educadores étnicos não pode mais ser adiada. Todos os trabalhadores da educação devem ter condições adequadas para o seu trabalho, formação inicial e contínua e programas para o seu bem-estar físico e emocional, facilitando serviços de transporte seguro, acesso à saúde e alojamento digno.
✔ Garantir o preenchimento dos cargos docentes nas instituições formadoras de educação básica rural na Amazônia. Desenvolver um plano de profissionalização e/ou certificação de professores que se encontrem a exercer atividade sem licenciatura e/ou não tenham concluído a licenciatura em pedagogia e/ou educação intercultural bilíngue. Desenhar modalidades de bolsas e programas especiais com subsídio para a formação de novos professores bilíngues, especialmente para jovens de grupos tradicionais que não conseguem acesso por meio de programas regulares e não contam com professores bilíngues que atendam às crianças das comunidades amazônicas. Considerar a instalação de serviços profissionais à comunidade semelhantes aos realizados por profissionais de saúde para o setor da Educação e um voluntariado especial para as escolas rurais mais dispersas e com maiores necessidades.
Sobre infraestrutura
✔ Melhorar as condições de infraestrutura e serviços básicos por meio de um aumento progressivo do orçamento em favor das instituições educacionais para garantir que a educação seja uma prioridade e que as necessidades específicas da região sejam atendidas; aumentar o saneamento básico, físico e legal dos terrenos e propriedades educacionais; com construção de estruturas físicas que garantam acessibilidade e inclusão; com mobiliário e material didático, além de acesso efetivo à tecnologia e conectividade. Na Amazônia é urgente fomentar a economia local por meio da participação da comunidade nas obras de adequação e melhoria, permitindo o oferecimento de respostas oportunas e o estreitamento da relação escola comunidade.
Sobre gerenciamento
✔ Fortalecer as capacidades institucionais, de gestão e de articulação intersetorial de entidades intergovernamentais, bem como de organizações de grupos tradicionais (indígenas, quilombolas, ribeirinhos, catadores-coletores, do campo, entre outros), autoridades e governos territoriais autônomos da Amazônia. Os Ministérios da Educação, os organismos de ensino e as instituições educativas devem assumir verdadeiramente a participação e a abordagem territorial com um sistema mais horizontal, intersetorial, multidirecional e descentralizado, alimentado pelo saber local e pelos processos comunitários e de gestão social. É preciso melhorar o investimento orçamentário em infraestrutura, pessoal, capacitação e imersão intercultural dos agentes do Ministério Público, polícia, Delegacias da mulher, Centros de emergência e atenção à saúde, prefeituras e organizações de mulheres presentes na Amazônia, para um trabalho integral e intercultural, bem como como oportuna e eficiente nos territórios. Fortalecer a ação intersetorial de entidades públicas, empresas privadas, cooperações internacionais, ONGs e grupos religiosos na Amazônia. Ao mesmo tempo, o fortalecimento das organizações de grupos tradicionais e governos autônomos na liderança em questões de direitos humanos, abordagem de gênero, finanças verdes, acordos e resolução de conflitos, negociação e procedimentos com o Estado.
✔ Acompanhar e promover iniciativas do próprio território que estão surgindo de jovens profissionais, lideranças de grupos tradicionais e professores interculturais bilíngues que buscam novas formas de pensar e agir para melhorar o serviço educativo. Abrir canais de comunicação e articular essas iniciativas com as boas práticas que vêm ocorrendo em temas educacionais em vários territórios da Amazônia, e promover modelos de desenvolvimento educacional a partir deles, com novas propostas que favoreçam o trabalho articulado entre os atores, a sustentabilidade de processos e sua generalização nas áreas correspondentes, incorporando-os como política local e regional.
✔ Retomar e desenvolver o processo de ordenamento territorial na Amazônia considerando as bacias hidrográficas como princípio organizador fundamental para responder mais plenamente às particularidades ecológicas, geográficas e culturais do território. Ter como centralidade a autonomia das instituições educativas e fortalecer os serviços educativos a partir do desenvolvimento de núcleos ou centros de base (preferencialmente com os três níveis de ensino) que gerem influência numa rede de serviços e instituições educativas.
O esforço para garantir o direito à educação dos povos e comunidades tradicionais, indígenas, afrodescendentes, ribeirinhos, catadores-coletores, do campo e outros da Amazônia começa com a reafirmação das diversas ruralidades amazônicas nos territórios. O reconhecimento das territorialidades, modos de produção, relações sociais e culturais que estruturam modos de vida, subjetividades, visões de mundo, formas de produção e reprodução é o primeiro passo para promover a educação de forma plural.
Nesse sentido, é fundamental para a educação do campo na América Latina, além das questões estruturais, compreender a existência de economias, políticas, culturas e ambientes diferentes dos urbanos. Daí a importância da diversidade para a ampliação do conhecimento e das capacidades de aprendizagem.
É nosso desejo como organizações que realizam pesquisa, sistematização e assistência técnica para a melhoria da educação rural na América Latina, nos aproximarmos daqueles comprometidos com a educação intercultural e o desenvolvimento integral de crianças e jovens.
Com toda consideração,
Do Brasil: FLACSO Brasil, CE-CEDAC (Comunidade Educativa CEDAC), CREI (Centro de Referências em Educação Integral), Campanha Nacional pela Educação.
Da Colômbia: EDUCAPAZ (Programa Nacional de Educación para la Paz), CINEP (Centro de Investigación y Educación Popular), Fe y Alegría Colombia
Do Peru: UNESCO Perú, TAREA, CIPCA, Ser Maestro
Regional: Porticus América Latina, Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM
(Foto: Eliton Santos/Semed-Manaus)