Apenas 12% das escolas públicas no Brasil têm grêmio estudantil, aponta estudo da Campanha
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em parceria com a Iniciativa Nós, o Projeto Seta - Sistema Educacional Transformador e Antirracista e a Ubes - União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, lança o Mapeamento de Grêmios Estudantis no Brasil.
O levantamento utiliza dados desagregados do Censo Escolar 2021, com enfoque nos estados de Amapá, Amazonas e Maranhão - estados da Amazônia legal - e inclui uma pesquisa qualitativa do Maranhão sobre os grêmios e a participação estudantil na escola.
Apenas 12,3% das escolas públicas do Brasil têm grêmio estudantil, mas há significativa disparidade regional, com o Sudeste apresentando 22,9% e o Norte apenas 3,2%.
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Escolas com maioria de alunos negros têm menos grêmios em comparação com a média nacional. Isso se observa tanto no cômputo nacional (8,2% frente a 12,3%) quanto nas regiões do Sudeste (16,4% frente a 22,9%), Sul (12,8% frente a 16,9%) e Centro-Oeste (6,6% frente a 7,2%).
Outro destaque é que escolas do campo, indígenas e quilombolas com associações de pais ou conselhos escolares são mais propensas a terem grêmios estudantis, possivelmente devido a fatores relacionados à gestão democrática e a características específicas das escolas. Nas escolas urbanas, essa correlação é menor.
O mapeamento mostra que as escolas que já possuem conselho escolar ou associação de pais e mestres têm maiores chances de possuírem grêmios estudantis.
Entre as etapas de ensino, o Ensino Médio tem larga vantagem entre as demais. A chance de ter grêmio um estudantil nessa etapa é 220 vezes maior do que a de escolas que atendem apenas a Educação Infantil; cerca de 2 vezes maior do que as escolas que têm os Anos Finais do Ensino Fundamental como a etapa mais avançada e cerca de 7 vezes maior em relação aos casos dos Anos Iniciais da etapa.
O material faz parte do Projeto Euetu - Grêmios e Coletivos Estudantis, que busca mapear e fortalecer grêmios e coletivos escolares das redes municipais e estaduais, de forma a conhecer sobre participação e organização de estudantes na gestão escolar para gestão democrática e antirracista, e para a educação inclusiva.
O estudo tem como objetivo disseminar a urgência do cumprimento da legislação, promover a criação e fortalecer mais grêmios escolares e coletivos estudantis no país e será lançado nesta quarta-feira (02/08), às 15h, no Auditório da Reffsa, em São Luís (MA).
“A infraestrutura foi apontada por quase todos os gestores como fator fundamental para assegurar o direito à participação dos estudantes. Muitos destacaram que o pátio da escola é um espaço de trocas e de realização de atividades por parte dos estudantes e também para a comunidade em geral. Deste modo, a pesquisa reforça a necessidade de regulamentação e implementação do Custo Aluno-Qualidade e de financiamento adequado para que a escola cumpra de fato sua vocação constitucional de pilar democrático”, explicou Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
É importante lembrar que o Plano Nacional de Educação, em sua Meta 19, prevê a universalização dos grêmios até 2016. Ou seja, o quadro atual é de grave atraso, e o não cumprimento deste dispositivo é também um entrave ao avanço de outras metas e estratégias previstas pelo Plano.
Para a realização da pesquisa, foi desenvolvido um Protocolo de Coleta de Dados, que contém um passo a passo das etapas que foram seguidas, e que tem como principal referência a “Política de proteção e salvaguarda a defensoras e defensores de direitos humanos; crianças e adolescentes; e populações em situação de vulnerabilidade”, da Campanha. As entrevistas e as perguntas do chatbot (via WhatsApp) foram realizadas utilizando um roteiro de entrevista semiestruturada, construído a partir de consultas a estudantes e especialistas em educação das organizações parceiras e da Rede da Campanha, e os áudios foram gravados após a autorização das/os participantes.
Recorte por estados
Amapá, Amazonas e Maranhão foram os estados escolhidos para detalhamento pelo projeto nesta primeira fase, dada a relevância de representatividade das populações indígenas, quilombolas e do campo.
Entre os estados que são foco do projeto, o Maranhão é o estado que mais tem grêmios (5,2%); Amapá é o estado com menos grêmios (2,1%).
Entre as modalidades de ensino selecionadas, o cenário nas escolas indígenas também é de alerta. Apenas no Amazonas a porcentagem é maior do que 0, e mesmo assim é muito pequena (0,4%), mesmo em relação à média nacional de 1,7% – vale lembrar que há organização diversa e específica da gestão democrática nessas escolas, que se faz mais centralmente em um formato mais próximo do que seria o Conselho Escolar, com todos os membros participantes.
Nas escolas quilombolas, o Amazonas é o único no qual se observa 0% de presença de grêmios, sendo que o Amapá, por outro lado, chega a ter uma média levemente acima da nacional, ainda que gravemente baixa, aos 2,6% frente a 2,3% nacionalmente. Na educação do campo, observam-se índices extremamente baixos, inferiores a 1% em todos os estados, menos o Maranhão, que por sua vez também apresenta um nível abaixo da média, a 1,5% frente os 3,8% nacionais.
A educação especial inclusiva apresenta o mesmo padrão de níveis superiores em relação às médias estaduais, mas ainda assim os níveis em cada estado estão abaixo da já insatisfatória média nacional de 16,2%.
Maranhão
Desenvolvido em 2022 e 2023, o mapeamento realizado no Maranhão traz análise dos dados qualitativos e quantitativos. A pesquisa qualitativa foi dividida em duas etapas: a primeira foi direcionada aos estudantes, e consiste em responder um chatbot através de aplicativo de mensagem (WhatsApp); e a segunda foi direcionada a profissionais da educação, especialmente gestoras e coordenadoras pedagógicas das escolas, através de ligações telefônicas.
Os resultados da pesquisa qualitativa do Maranhão realizada pela Campanha são coerentes com os resultados da pesquisa nacional quantitativa. Eles indicam que esse é o estado mais próximo da média nacional entre os estados que são foco do projeto, com 5,2% frente a 12,3%.
O Maranhão tem 217 municípios. Dos 49 municípios entrevistados, um total de 40 declararam ter ao menos uma escola com grêmio. A pesquisa foi desenvolvida em 108 escolas, das quais 20 eram escolas indígenas, 5 eram escolas quilombolas e uma era do campo.
O Maranhão está abaixo da média nacional em todas as etapas anteriores ao Ensino Médio – não tem nenhum grêmio na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental; e, nos Anos Finais da etapa, tem 2%.
Mas é no Ensino Médio do estado que há um dado positivo: a frequência da existência de grêmios é acima da média nacional (56,9% frente a 46% nacionalmente).
Quanto à educação no campo, o estado apresenta um nível abaixo da média, a 1,5% frente aos 3,8% nacionais.
Os municípios participantes do Maranhão apresentam cenário ligeiramente mais positivo em relação a Amapá e Amazonas nos quais há municípios participantes. O município de Magalhães de Almeida está equiparado à média nacional, ainda que seja um município pequeno em que 4 das 34 escolas possuam grêmio estudantil. Em 4 municípios (Turilândia, Porto Rico do Maranhão, Jenipapo dos Vieiras e Fernando Falcão), nenhuma escola tem este colegiado. No contexto do estado, os municípios abrigam 12,5% do total das escolas públicas: 1.308 de um total de 10.497.
“Tanto a pesquisa qualitativa realizada com gestores, coordenadores e professores, quanto a pesquisa direcionada para estudantes através do chatbot, indicaram que os grêmios estudantis têm forte presença nas escolas do Maranhão, ainda que não haja cobertura de todo o estado, ainda”, afirma o texto do mapeamento.
Na pesquisa feita com os estudantes (computando 942 respostas do Maranhão), eles demonstraram que existem espaços de participação estudantil nas escolas do estado, mas que muitos estudantes ou ainda não participam e desejam participar ou não estão interessados. Apesar disto, também há um número significativo de estudantes participando ativamente nestes espaços.
Racismo e antirracismo nas escolas
No que se refere à existência de educação antirracista no Maranhão, das 26 escolas indígenas, do campo e quilombolas presentes nos estado, apenas 9 desenvolvem projetos de educação antirracista. Quando questionados sobre a existência de casos de racismo nas escolas, as respostas dos gestores entrevistados foram em sua maioria negativa, com 17 respostas; 9 responderam que sim.
Em resposta ao chatbot, a maioria dos estudantes que participaram da pesquisa indicaram que a escola em que estudam desenvolvem discussões sobre raça e etnia, com 630 (67%) de respostas positivas e 315 (33%) negativas. A maioria dessas discussões existe no espaço da sala de aula, com 521 respostas (83%). Uma baixa frequência é observada quanto aos espaços do grêmio escolar, com 34 respostas (5%); do coletivo estudantil, com 27 respostas (4%); do recreio com colegas, com 25 respostas (3%) ou do Conselho Escolar, com 23 respostas (3%). Um total de 7 respostas indicaram que as discussões acontecem na assembleia dos estudantes (1%) e 4 delas indicaram outros espaços (1%).
Quando perguntados se já haviam presenciado algum caso de racismo em sua escola, a maioria dos estudantes respondeu que sim, com 530 respostas positivas (56%) para 415 negativas (44%) – o que demonstra uma percepção maior de racismo na escola por parte dos estudantes do que por parte dos gestores. A maioria (493 respostas, sendo 52%) também informou que existiu um debate após o ocorrido na escola. Apesar disso, 692 dos estudantes (73%) que participaram da pesquisa informaram que a escola não desenvolve ações ou projetos com foco em educação antirracista – dado relevante que demonstra a demanda dos estudantes por esse tipo de formação.
“Há diferenças sensíveis de percepção dos gestores e dos estudantes acerca de racismo e projetos de antirracismo na escola, o que é um dado bastante relevante, que denota a demanda dos estudantes por mais formações e ações a esse respeito, não tão identificadas pelos gestores”, analisou Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha.
No que se refere à educação antirracista, o mapeamento aponta que os estudantes identificam a existência de casos de racismo, que em sua maioria as escolas promovem debates sobre o assunto, mas reconhecem que as escolas não têm desenvolvido ações suficientes que possam configurar um projeto de educação antirracista.
Escolas do campo, indígenas e quilombolas
O mapeamento da Campanha apresenta que, das 108 escolas que fizeram parte da pesquisa desenvolvida no Maranhão, 20 (18,5%) delas eram escolas indígenas, 5 (4,6%) eram escolas quilombolas e uma (0,9%) do campo, totalizando 26 (24%) escolas nessas categorias. Apenas uma escola quilombola e 3 escolas indígenas responderam que existe um grêmio na escola.
Sobre a presença de um Conselho Escolar, os números são um pouco melhores. Das 26 escolas, 12 (46%) escolas indígenas e quilombolas responderam que existe um Conselho Escolar, um pouco menos da metade.
Quando questionados sobre a existência de casos de racismo nas escolas destas categorias, as respostas dos entrevistados foram em sua maioria negativa, com 17 respostas; 9 (52,9%) responderam que sim.
De maneira geral, há consenso de que escolas do campo, indígenas e quilombolas recebem poucos investimentos e têm sido marginalizadas. A falta de formalização das escolas foi apontada como um fator relevante para a falta de infraestrutura, de professores e de possibilidades de expansão das etapas oferecidas, o que impacta diretamente as possibilidades de participação dos estudantes e da comunidade de uma maneira geral.
Guia Grêmios
O Guia Grêmios e Participação Estudantil na Escola, lançado em março, dentro do Projeto Euetu, apresenta informações, dicas e orientações para construção, organização e formação de grêmios estudantis nas escolas brasileiras.
O material tem o intuito de debater os principais aspectos sobre essa forma de participação política da juventude, além de fortalecer processos democráticos, antirracistas e inclusivos. Acesse o Guia.
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(Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)