Nota Técnica sobre as Questões da Consulta Pública referente à Portaria nº 399, de 8 de março de 2023, sobre o Novo Ensino Médio
Leia abaixo Nota Técnica assinada por ABECS (Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais), Campanha Nacional pelo Direito à Educação, CEDES (Centro de Estudos Educação e Sociedade) e REPU (Rede Escola Pública e Universidade).
Nota Técnica sobre as Questões da Consulta Pública referente à
Portaria nº 399, de 8 de março de 2023, sobre o Novo Ensino Médio [1] (PDF)
É preciso considerar, primeiramente, prudente e responsável a publicação da Portaria 627/2023, em 5 de abril, que suspende os prazos em curso da Portaria MEC nº 521, de 13 de julho de 2021, que instituiu o Cronograma Nacional de Implementação do Novo Ensino Médio, mais especificamente, a implementação de mudanças no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), diante das pressões da sociedade civil organizada, das escolas e dos estudantes reivindicando a revogação da Reforma do Ensino Médio.
Uma Carta Aberta assinada por mais de 640 entidades apresenta dez razões que fundamentam o pedido de revogação e demonstram os equívocos de concepção presentes na medida. Muitos são os relatos vindos de escolas de todo o país denunciando os efeitos deletérios da Reforma, e diversos artigos científicos que analisam a implementação vêm denunciando a multiplicação de desigualdades escolares e a inviabilidade do cumprimento da Lei 13.415/2017 nas condições reais das redes de ensino.
Assim, o objetivo de ampliar as discussões acerca do Novo Ensino Médio é fundamental para o fortalecimento da democracia e da gestão da política pública de educação e deveria ter sido o processo adotado desde o início, ao contrário da aprovação autoritária, por meio da Medida Provisória (MP 746/2016), convertida, posteriormente, na Lei 13.415/2017. Entretanto, cabe ressaltar que essa ação, embora importante, é insuficiente.
Até o momento, não estão claras as intencionalidades quanto à consulta pública, assim como faltam informações sobre a metodologia de processamento dos dados a ser adotada e sobre o caráter de participação - consultivo ou decisório - do processo. É de causar estranheza o fato do o Fórum Nacional de Educação, que foi recomposto no atual governo e que é uma das entidades responsáveis por coordenar a referida consulta pública, não ter tido o posicionamento das organizações que o compõem considerado, notadamente, no que se refere às ambiguidades acerca das questões publicadas na consulta.
Ainda, a despeito da diversidade e quantidade de pesquisas científicas e posicionamentos de entidades, pesquisadores, docentes e gestores do campo educacional, que atestam as problemáticas de concepção da reforma, para além de seu efeito indutor de desigualdades educacionais e sociais, o Ministério da Educação segue, em suas comunicações oficiais e discursos de seus representantes, reiterando o argumento de que os desafios seriam mais de ordem de implementação que de estrutura e modelo adotado.
Esta reforma do Ensino Médio tem restringido a formação básica geral; tem atribuído à escola uma nova função social, diversa daquela prevista constitucionalmente; tem reduzido os custos por meio da precarização das condições de trabalho dos profissionais de educação; e tem contribuído para o avanço da privatização e da mercantilização da educação. É significativo que o aspecto mais estrutural para viabilizar uma Reforma do Ensino Médio nacional, que é o financiamento, uma vez que as bases da diversificação curricular exigiriam contratação de professores, criação de laboratórios, oficinas e ateliês, construção de novas escolas técnicas, diminuição do número de alunos por sala para adoção de metodologias ativas- esteja completamente ausente da atual Consulta apresentada à população. Os limites dados pela materialidade das redes de ensino para a implementação da Reforma tem sido denunciado como um elemento central, porém permanece negligenciado na atual consulta pública.
Conforme afirmou o ministro Camilo Santana, não há como fazer uma mudança na estrutura do ensino médio em poucos anos e, da mesma forma, não é possível reformar uma reforma cuja sustentação já se mostrou reiteradamente falha e é preciso responsabilidade com os adolescentes, jovens e adultos que hoje estão sofrendo as consequências dessa política pública educacional, especialmente, aquelas pessoas que vivem em condições de extrema vulnerabilidade.
Por fim, frente ao exposto e às evidências levantadas, as entidades signatárias desta Nota Técnica, respondem abaixo às questões da Consulta Pública:
I - Atualmente, a Lei determina um tempo de 5h por dia (ou 1000 horas por ano) como carga horária mínima do Ensino Médio. Progressivamente, deve-se alcançar o total de 4.200 horas, no mínimo. A expansão das matrículas em tempo integral é uma premissa importante, todavia, é importante que sejam definidas:
• Formas de atendimento dos estudantes do ensino médio noturno e da Educação de Jovens e Adultos que não produzam a exclusão escolar e que favoreçam sua permanência na escola.
• Orientações curriculares capazes de associar a expansão da jornada a uma concepção de educação integral comprometida com o desenvolvimento global dos estudantes.
( ) Concordo com a proposição
(X ) Discordo da proposição
Comentários
Abaixo da II inserimos um comentário referente a ambas as questões.
II – A Formação Geral Básica, que é ofertada a todos os estudantes, foi limitada a 1.800 horas do total da carga horária do ensino médio. Para as outras 1200 horas, o que se propõe é um conjunto flexível de disciplinas, compondo itinerários formativos por área de conhecimento, na perspectiva de acolher interesses, necessidades e escolhas dos jovens. Na análise da implementação vivida até aqui, há evidências de que esse arranjo possa estar gerando um comprometimento da Formação Geral Básica dos jovens, assim, seria importante:
• Estender o tempo destinado à formação geral básica dos estudantes, alcançando a proporção de, no mínimo, 70% do tempo destinado ao Ensino Médio de tempo parcial (2.100 horas).
• Permitir arranjos específicos para a oferta de itinerários ligados à formação técnica e profissional que exijam, para certificação, uma carga horária superior a 900 horas.
( ) Concordo com a proposição
(X) Discordo da proposição
Comentários
Discordamos de ambas as proposições. Na primeira proposição, apesar de o anunciado aumento da carga horária do Ensino Médio, é preciso dizer que ele é falacioso pois a ampliação tem se dado, exclusivamente, por meio de itinerários formativos e disciplinas eletivas, a parte mais desregulamentada do currículo na qual os estados podem oferecer qualquer conteúdo sem nenhum tipo de fiscalização ou controle social. Na verdade, ao contrário do que se anuncia, houve uma drástica redução da carga horária das disciplinas que compõem a Formação Geral Básica (FGB), isto porque, antes da reforma do ensino médio estas disciplinas – Educação Artística, Educação Física, Biologia, Filosofia, Física, Geografia, História, Língua Inglesa, Língua Portuguesa, Matemática, Química e Sociologia – dispunham de um total de 2.400 horas e a partir da promulgação da Lei nº 13.415/2017 a carga horária dessas disciplinas foi reduzida para 1.800 horas. Portanto, a proposição feita, de aumentar a carga horária das disciplinas que constituem a FGB de 1.800 horas para 2.100 horas, é uma verdadeira afronta aos(as) profissionais da educação e estudantes que desejam e lhes é de direito um mínimo de qualidade na educação e o acesso ao conhecimento historicamente produzido, que propicie o exercício de uma cidadania ativa e uma inserção não subalterna no mundo do trabalho, ou almejam, de forma legítima e respaldada pela Lei, ingresso no ensino superior. A proposição feita resultaria em um prejuízo de 300 horas em relação a carga horária vigente antes da reforma do Ensino Médio.
Quanto às matrículas de tempo integral é importante dizer que a Reforma do Ensino Médio não criou prédios e modelos de educação novos, mas tem apenas aproveitado as escolas já existentes para convertê-las em escolas com jornada escolar ampliada, sem garantir políticas de ampliação da infraestrutura e de permanência, impossibilitando assim uma concepção pedagógica de educação integral. Além disso, estas escolas têm expulsado os estudantes trabalhadores, que não podem estudar o dia inteiro pois precisam trabalhar, bem como tem fechado de forma sistemática as salas de Educação de Jovens e Adultos.
Talvez, justamente por isso, estudo produzido pela Rede Escola Pública e Universidade, revelou que as escolas de ensino médio de tempo integral produzem enormes índices de abandono escolar, maiores do que as escolas de tempo parcial e do período noturno. A oferta de Ensino Médio no território nacional precisa ser diversificada por meio das modalidades de ensino previstas na LDB, sendo a escola de tempo integral um dos modelos possíveis, e que precisa ser acompanhado de políticas de permanência estudantil.
Em relação à segunda proposição, antes de debater a criação de arranjos disciplinares que têm contribuído com a desestruturação da atividade docente e que produzem um gigantesco prejuízo na formação dos(as) estudantes, é preciso garantir a obrigatoriedade do ensino de todas as disciplinas que compõem a Formação Geral Básica (FGB) – Educação Artística, Educação Física, Biologia, Filosofia, Física, Geografia, História, Língua Inglesa, Língua Portuguesa, Matemática, Química e Sociologia – com no mínimo 2 tempos de aula em cada uma das séries do ensino médio. A Educação Profissional e Tecnológica (EPT), deve ser reconhecida como uma modalidade própria de ensino e, por isso, entendemos que não devem ser buscadas alternativas milagrosas, muitas das quais ofertadas por instituições privadas com interesse no repasse do dinheiro público, e que ao longo dos anos têm se mostrado fracassadas. É preciso responsabilidade com o dinheiro público e com o conhecimento produzido pelas instituições públicas de ensino. Assim, destacamos, no âmbito da EPT, as experiências exitosas desenvolvidas no âmbito da rede federal de educação profissional, científica e tecnológica, composta pelos Centros Federais de Educação Tecnológica, Colégios de Aplicação das Universidades Federais, Colégio Pedro II e Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.
III – Embora a tradição legislativa brasileira, no campo da Educação, seja delegar aos Estados e Municípios, a composição dos componentes curriculares que será ofertada na Educação Básica, certas disciplinas do currículo apareciam, no cenário anterior à Reforma, como obrigatórias na perspectiva de garantir que os estudantes tivessem acesso a determinadas ciências que nem sempre marcavam presença no Ensino Médio. A Lei 13.415/2017 definiu a obrigatoriedade de disciplinas como Língua Portuguesa, Matemática e Língua Inglesa, por exemplo, ao mesmo tempo em que modificou a expressão “disciplinas de sociologia e filosofia” para “estudos e práticas de sociologia e filosofia”. É preciso equalizar essa situação, de modo a:
• Definir, à luz da BNCC, que a área curricular de ciências humanas e sociais aplicadas deverá ser composta, no mínimo, pelos componentes curriculares de Sociologia, Filosofia, História e Geografia, com oferta obrigatória no Ensino Médio.
• Definir, à luz da BNCC, que a área curricular de ciências da natureza e suas tecnologias, deverá ser composta, no mínimo, pelos componentes curriculares de Biologia, Química e Física.
• Definir, à luz da BNCC, que a área curricular de Linguagens e suas tecnologias deverá ser composta, no mínimo, pelos componentes curriculares de Língua Portuguesa, Língua Inglesa, Artes e Educação Física.
( ) Concordo com a proposição
(X) Discordo da proposição
Comentários
Cabe destacar que defendemos a obrigatoriedade do ensino das 12 disciplinas, e a oferta facultativa de Língua Espanhola que, a partir da reforma do ensino médio, passaram a compor a Formação Geral Básica (FGB), a saber: Educação Artística, Educação Física, Biologia, Filosofia, Física, Geografia, História, Língua Inglesa, Língua Portuguesa, Matemática, Química e Sociologia.
A desregulamentação do currículo por meio dos itinerários formativos, num contexto de subfinanciamento escolar pelos estados e União (e sua função supletiva), vem induzindo um verdadeiro processo de desescolarização no país. As profundas desigualdades brasileiras exigem tarefa equalizadora e regulamentadora do governo federal sob o risco de tornar ainda mais agudas as injustiças sociais e as desigualdades educacionais, entre redes públicas e privadas, entre as redes públicas estaduais no território nacional, e entre escolas no âmbito de cada unidade da federação.
Nenhum dos três textos apresentados, aborda a obrigatoriedade do ensino, nem define o que seriam os componentes curriculares, o que pode levar a atual situação vivenciada por educação física, filosofia e sociologia, ou seja, os seus conteúdos podem ser ministrados por docentes sem formação em nível de licenciatura – o que é obrigatório no caso das disciplinas do Ensino Médio – e que representa um gigantesco prejuízo para os(as) estudantes e materializa o desrespeito e a precarização do trabalho docente. Cabe destacar, que os textos não tratam da disciplina de matemática, ainda que constitua uma área do conhecimento própria.
Existe ainda uma omissão em relação ao estabelecimento de carga horária mínima para cada uma das 12 disciplinas que compõem a FGB ou as 4 áreas do conhecimento. Defendemos a obrigatoriedade de um mínimo de 2 tempos de aula, para cada disciplina, em cada uma das séries que compõem o ensino médio. Também chamamos a atenção para o fato de o texto omitir a necessária obrigatoriedade de formação inicial em nível de licenciatura para que os docentes possam ministrar as 12 disciplinas que compõem o FGB e, também, a definição de uma formação inicial básica em nível de licenciatura, para os docentes que ministrem as disciplinas eletivas, evitando assim, que pessoas sem formação adequada deem aulas no ensino médio.
IV – A flexibilização curricular do ensino médio é uma proposta importante, presente no debate de gestão pública há algumas décadas. Há casos de boas práticas em nível internacional e nacional, todavia, os processos de flexibilização curricular requerem cuidado sobretudo em contextos em que há forte desigualdade, caso em que esta pode produzir mais desigualdades e prejudicar os estudantes que estão mais vulneráveis. A implementação, ainda que incompleta, do Novo Ensino Médio, aponta esse risco. Assim, seria importante:
• Estabelecer parâmetros mais detalhados para a proposição e inclusão das disciplinas eletivas no currículo do ensino médio
• Construir, de maneira colaborativa, em parceria com as redes estaduais, repositórios para o compartilhamento e aprendizagem cruzada em torno da flexibilização curricular
( ) Concordo com a proposição
(X) Discordo da proposição
Comentários
A flexibilização curricular, quando presente em um debate público responsável, exige condições adequadas de oferta do ensino, conforme determinado pelos parâmetros do Custo Aluno-Qualidade (CAQ) - mecanismo desenvolvido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, constitucionalizado em 2020.
Em paralelo, a flexibilização curricular de que trata a questão não aborda a imprescindível formação de professores e garantia de condições adequadas de trabalho e valorização profissional. Nas entrelinhas da questão, há o objetivo de manter um flexibilização curricular sob a lógica dos itinerários formativos, erroneamente cristalizados na LDB, buscando uma falsa correção de rumos via Conselho Nacional de Educação, sendo que o problema se localiza na própria alteração do texto legal realizada pela Lei 13.415/2017. Desse modo, é imprescindível recolocar o debate da flexibilização curricular dentro da perspectiva do direito à educação, ação oposta ao que representa o Novo Ensino Médio.
V - No Brasil, a oferta da educação básica regular acontece, tradicionalmente, de forma presencial, mesmo quando se mobilizam algumas tecnologias de informação e comunicação. Durante o período de restrições impostas pela Pandemia de Covid-19, o Brasil experimentou a oferta de situações de aprendizagem não-presencial e parte dessas experiências foi mantida no retorno às aulas presenciais. O texto da Lei nº 13.415, de 2017, abre a possibilidade de reconhecer aprendizagens realizadas em EaD para integralização curricular. Se, para os itinerários formativos essa composição pode trazer, em certas experiências, possibilidades interessantes, no caso da Formação Geral Básica há sério risco de comprometimento das aprendizagens, sobretudo para os estudantes que não dispõem, fora da escola, de condições objetivas para situações de mediação à distância e estudo autônomo fora da escola. Assim, é importante:
• Definir que a Formação Geral Básica - FGB deve ser feita exclusivamente na modalidade presencial.
( ) Concordo com a proposição
(X) Discordo da proposição
Comentários
Todas as etapas e modalidades da educação básica devem ser feitas exclusivamente na modalidade presencial. Isso significa que a Formação Geral Básica (FGB) e a parte diversificada, mal estabelecida pela lógica de itinerários formativos, também devem ser presenciais. A pandemia de Covid-19 evidenciou o fosso de desigualdades educacionais e sociais aprofundada pela educação remota, que foi um fracasso no período.
VI - A oferta da educação técnica e profissional dentro do ensino médio traz importantes desafios. Um, é formação pedagógica dos docentes, visto que os professores das áreas técnico-profissionais têm situações muito variadas quanto à formação em licenciatura, embora tenham conhecimento aprofundado de sua área profissional. Permitir que esses profissionais possam atuar como professores da educação técnica e profissional, com um processo de reconhecimento do notório saber é uma possibilidade trazida pela reforma do ensino médio. Todavia, para evitar que essa solução seja utilizada de formas incoerentes com esse princípio, seria importante:
• Estabelecer parâmetros mais detalhados para a possibilidade de utilização do reconhecimento de notório saber como critério de alocação de profissional para docência no ensino médio, restringindo o dispositivo aos componentes curriculares afeitos à formação técnica e profissional.
( ) Concordo com a proposição
(X) Discordo da proposição
Comentários
O magistério é uma atividade profissional que deve ser orientada obrigatoriamente pela teoria estabelecida pelas ciências da educação que, por sua vez, deve ser aplicada de modo a garantir o direito à educação. Lecionar exige formação adequada, tornando inaceitável o reconhecimento do notório saber, o que acarreta desprofissionalização, desvalorização, precarização da atuação docente e da qualidade da educação, por consequência.
VII - Estudantes do campo, quilombolas, indígenas, jovens ribeirinhos, jovens com deficiência e outros públicos não hegemônicos enfrentam o desafio de acessar e permanecer no ensino médio em condições de desigualdade estrutural. O modelo proposto pela reforma do Ensino Médio delegou aos estados a definição das formas pelas quais esses públicos seriam incluídos nas transformações propostas. Esse processo aconteceu de forma heterogênea e desigual, introduzindo camadas adicionais de estratificação da oferta e do atendimento educacional. Desse modo, é importante:
• Estabelecer orientações operacionais específicas para a oferta do ensino médio para juventudes do campo, quilombolas, indígenas, ribeirinhas, com deficiência e outros públicos não-hegemônicos, de forma a assegurar equidade educacional nesta etapa da educação básica.
( ) Concordo com a proposição
(X) Discordo da proposição
Comentários
Em primeiro lugar, nenhum estudante pode ser considerado “público”, assim como não se pode tratar as diversidades como questões de “hegemonia” ou não. Estudantes são sujeitos de direito e devem ter seus direitos garantidos com equidade, abraçadas as diferenças. A situação de vulnerabilidade e/ou desigualdade em que se encontram não pode ser tida como dada e como questão de hegemonia - essa perspectiva é totalmente avessa àquela do direito à educação.
A perspectiva apresentada neste questionário desta consulta pública é de buscar alternativas normativas a serem deliberadas pelo Conselho Nacional de Educação em vez de dar espaço à busca de soluções estruturais a serem incorporadas na LDB, mal alterada pela Lei 13.415/2017, e da efetiva implementação das demais previsões legais, da Constituição Federal de 1988 ao Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014).
VIII – Parte das transformações propostas no Novo Ensino Médio dependem da melhoria substancial das condições de infraestrutura física e pedagógica das escolas. Tal processo tem sido liderado pelas redes estaduais de ensino, com diferentes graus de velocidade e capacidade de execução. Nesse contexto, o esforço que precisamos fazer para tornar as escolas de ensino médio em ambientes potentes de aprendizagem deve considerar:
• A definição de parâmetros mínimos de qualidade da infraestrutura física e pedagógica das escolas
• A construção de uma política de investimentos articulada, unindo o governo federal e os governos estaduais, para melhorar os prédios escolares existentes e disponibilizar recursos pedagógicos e de tecnologia.
( ) Concordo com a proposição
(X) Discordo da proposição
Comentários
O déficit de infraestrutura escolar abarca toda a educação brasileira e deve ser resolvido pela implementação do Custo Aluno-Qualidade (CAQ), mecanismo desenvolvido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e estabelecido pela Emenda Constitucional 108/2020, do novo e permanente Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, previsto também pela Lei 13.005/2014, do Plano Nacional de Educação, e aprovado pelas Coneb 2008, Conaes 2010 e 2014, e pela Conape 2018.
IX - Um ponto crucial é a formação inicial e continuada de professores e gestores educacionais. Desde a formação inicial, nos cursos de licenciatura, até a formação permanente ou continuada, realizada pelos sistemas de ensino, os princípios, a concepção pedagógica, as práticas de ensino inclusivas, interdisciplinares e contextualizadas e os processos de avaliação formativa são elementos fundamentais do processo de desenvolvimento profissional dos docentes. Assim, seria importante:
• Reorganizar as regras que definem como devem ser os cursos de licenciatura para a formação de professores e gestores, nas faculdades de educação.
• Orientar a formação dos professores nos cursos de licenciatura numa lógica interdisciplinar de modo convergente à organização do ensino médio por área de conhecimento.
• Construir, a partir da articulação entre o Ministério da Educação, as Secretarias de Estado da Educação e as Instituições de Ensino Superior, um programa de formação continuada especial para professores e gestores que atuam no ensino médio.
( ) Concordo com a proposição
(X) Discordo da proposição
Comentários
Esta consulta pública omite-se em enfrentar questões imprescindíveis como a revogação das Resoluções CNE/CP 02/2019 e 01/2020 - referentes à BNC Formação. Curiosamente, a questão não cita o melhor caminho trilhado pelo Brasil em termos de formação dos professores: a Resolução CNE/CP 02/2015.
X - As transformações no Ensino Médio exigiram também uma reestruturação do Exame Nacional do Ensino Médio - Enem. Essa é uma dimensão complexa da política porque impacta diretamente a equidade e a justiça no acesso ao ensino superior. Considerando que se trata de uma avaliação nacional, é importante que os conteúdos, habilidades e competências avaliadas tenham uma referência comum. Nesse sentido, é importante que:
• A Matriz de Avaliação do Enem seja organizada a partir do que está estabelecido na Base Nacional Comum Curricular para a Formação Geral Básica e habilidades essenciais para o sucesso na educação superior.*
* Obs.: esta questão do questionário da consulta foi editada para contemplar ajustes técnicos em sua redação.
( ) Concordo com a proposição
(X) Discordo da proposição
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A Matriz de Avaliação do Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM está estabelecido desde 2009 e não deve ser alterado, sob pena de prejudicar os estudantes que realizam o exame. Ainda, a Base Nacional Comum Curricular foi outra política elaborada sem gestão democrática e avessa a diversos princípios do direito à educação e, esta também, deverá ser reavaliada, não podendo, portanto, ser parâmetro para o Enem, causando insegurança juríidca e em uma política estável.
XI – Processos de avaliação institucional participativa da qualidade da oferta educativa são instrumentos bastante consistentes de melhoria contínua dos sistemas de ensino. No Brasil, uma tradição importante nessa agenda são os Indicadores de Qualidade da Educação Infantil e os Indicadores de Qualidade do Ensino Fundamental. Esses instrumentos, nascidos da conjunção de esforços do governo com a sociedade civil avançaram no último quadriênio com a proposição dos Indicadores de Qualidade do Ensino Médio, parceria liderada pelo Unicef com a organização não-governamental Ação Educativa, o Ministério da Educação e o Inep. Na perspectiva de apoiar o processo de melhoria contínua da oferta do ensino médio, seria interessante:
• Disponibilizar a metodologia e “Indicadores de Qualidade da Educação – Ensino Médio” para uso dos sistemas de ensino e das escolas.
• Oferecer formação para a utilização da metodologia, no Ambiente Virtual de Aprendizagem do Ministério da Educação.
(X) Concordo com a proposição
( ) Discordo da proposição
Comentários
De todas as questões do questionário, esta é a única que está precisamente pautada no direito à educação e não possui ambiguidades e interesses subjacentes de manutenção do Novo Ensino Médio.
[1] Elaborada por: Ana Paula Corti - Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e Rede Escola Pública e Universidade (REPU); Andressa Pellanda - Coordenadora Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (Campanha); Daniel Cara - Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP) e do Comitê Diretivo da Campanha; Ingrid Costa Ribeiro Souza - Professora da Educação Básica, Rede Escola Pública e Universidade (REPU), Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES); e Thiago de Jesus Esteves - Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET-RJ) e Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais (ABECS).
(Foto: Arquivo/Agência Brasil)