Rede de Ativistas do Fundo Malala no Brasil mobiliza governos a priorizar educação em 2023

Em ano de eleições, a Rede Malala lançou um manifesto liderado por meninas e mobilizou candidaturas a priorizarem o direito à educação nos planos de governo. Confira a retrospectiva da atuação da Rede neste ano

 

A Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil (Rede Malala) tem somado esforços para promover o debate sobre as desigualdades educacionais no país e para garantir que o direito à educação de meninas seja prioridade nos planos de governo. 

Formada por 11 ativistas de organizações apoiadas pelo Fundo Malala, a Rede desenvolveu ao longo do ano um projeto coletivo que estimulou adolescentes de 16 e 17 anos a tirar o título de eleitora e culminou com a construção de uma Carta Compromisso pelo Direito à Educação nas Eleições 2022, assinada por mais de 500 candidaturas nacionais e estaduais, e do Manifesto #MeninasDecidem, elaborado por um comitê de jovens de todas as regiões do país. 

“As meninas no Brasil enfrentam múltiplas barreiras para ter acesso a esse direito humano básico que é a educação, como falta de qualidade do ensino, gravidez precoce e condições socioeconômicas. Para estimular melhores resultados, líderes do Brasil devem ouvir as demandas das meninas”, disse a Nobel da Paz Malala Yousafzai em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, que fez uma reportagem especial sobre a atuação da Rede Malala no Brasil.

"Nós, do Fundo Malala, acreditamos que é por meio de redes e da colaboração que podemos promover mudanças e pressionar por mudanças em políticas públicas. A Rede Malala elaborou, de forma coletiva, estratégias para colocar a educação como prioridade para os próximos anos, uma educação antirracista, antissexista e que combata as desigualdades e respeite a diversidade das meninas”, diz Maíra Martins, representante do Fundo Malala no Brasil.

A Rede Malala atua em defesa da educação pública de qualidade e com financiamento adequado, com foco em meninas negras, indígenas e quilombolas. Inspirado pelas raízes de Malala e Ziauddin Yousafzai como ativistas locais no Paquistão, o Fundo Malala estabeleceu em 2017 a Rede de Ativistas pela Educação (Education Champion Network) para investir, apoiar o desenvolvimento profissional e dar visibilidade ao trabalho de mais de 80 educadores de oito países (Afeganistão, Brasil, Etiópia, Índia, Líbano, Nigéria, Paquistão e Turquia) que trabalham a nível local, nacional e global em defesa de mais recursos e mudanças políticas necessárias para garantir o direito à educação das meninas. 

Em 2023, as #MeninasDecidem

Os esforços da Rede Malala para pautar a educação de meninas nas eleições de 2022 começaram em abril com a campanha #MeninasDecidem, que incentivou garotas de 16 e 17 anos a emitir o título de eleitora e votar. A campanha contou com materiais informativos para as redes sociais e a participação da artista pernambucana Nanny Nagô, que compôs a música “Meninas Decidem”, incentivando jovens a decidir o seu futuro nas urnas. 

Ativistas da Rede Malala também realizaram atividades presenciais em seus territórios para estimular meninas a tirar o título. Por meio do projeto Meninas em Movimento pela Educação, em parceria com a Rádio Mulher, o Centro das Mulheres do Cabo (CMC) mobilizou meninas de Cabo de Santo Agostinho (PE) a se registrarem para o voto. Em Mirandiba, com o projeto EDUCQUILOMBO, o Centro de Cultura Luiz Freire fez um mutirão de inscrição da população jovem para retirada do título de eleitor e organizou diálogos com lideranças quilombolas e famílias sobre a importância do voto. 

Ouça entrevista da Rede Malala sobre a Campanha #MeninasDecidem à Rádio CBN 

Carta Compromisso pelo Direito à Educação

Em junho, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, junto com seu Comitê Diretivo, e a Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil, lançaram a Carta Compromisso pelo Direito à Educação nas Eleições de 2022, em evento público na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). O documento propõe um pacto por uma educação pública equitativa e de qualidade nos próximos governos e legislaturas e reúne 40 pontos com ações para garantir financiamento adequado à educação e o combate às desigualdades.

A Carta foi assinada por 504 candidatas/os de todas as regiões do país. Das candidaturas que assinaram a Carta Compromisso, 315 (62,5%) foram eleitas no primeiro turno e quatro (0,8%), no segundo. 

Desde o fim das eleições, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, junto com seu Comitê Diretivo, e a Rede Malala realizam diálogos regionais com as candidaturas eleitas que assinaram a Carta Compromisso para discutir meios de incorporar a pauta da educação de meninas nos planos de governo. Todos os encontros serão concluídos ainda em dezembro. Em 2023, a Rede dará início ao processo de monitoramento dos primeiros 100 dias de governo para garantir que signatários da Carta cumpram com os 40 pontos descritos no documento. 

“Trazemos um conteúdo bastante transformador, com compromissos de revogação da EC 95, do Teto de Gastos, e da Reforma do Ensino Médio, por exemplo. Ter mais de 500 assinaturas de todo o espectro político demonstra a força nacional e legitimidade pública da nossa Rede, assim como dá sinais de virada do cenário para a retomada de compromissos constitucionais e para com os direitos humanos”, afirmou Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e integrante da Rede Malala. 

Manifesto #MeninasDecidem

Em  agosto, no mês da juventude, a Rede lançou o Manifesto #MeninasDecidem pelo Direito à Educação, endossado por Malala. O documento elaborado por um comitê de 20 meninas de diferentes regiões do Brasil traz as demandas para a educação de meninas negras, indígenas, quilombolas, do campo, das periferias, trans, travestis e com deficiência. 

 

O Comitê foi formado por meninas de diferentes regiões do Brasil: Lua Quinellato, Maria Clara Silva, Rhaynnara Borges, Carolaine do Nascimento, Mel Kaimbé, Maria Viviane Lima, Julia de França, Vitória Souza,  Bia Diniz, Maria Clara Tumbalalá, Angel Queen, Ana Luiza Roque, Hellen Sharen Pataxó e Atikum, Maria Eduarda Moreira, Shayres Pataxó, Thalita Nogueira, Amanda Andrade, Lorena Bezerra, Glenda Teixeira e Lorrane Macedo – Edição de Imagem: Nina Vieira

 

“Tudo que queremos é uma educação de qualidade. A gente não quer só ter que sair das favelas, a gente quer que a educação chegue em todos nós, principalmente nós, meninas", disse Thalita Nogueira, umas das jovens autoras do Manifesto, em entrevista ao Fantástico. 

O lançamento foi realizado na Defensoria Pública da União (DPU) de Recife com a presença de meninas do comitê, integrantes da Rede Malala e a diretora do Programa de Ativistas pela Educação do Fundo Malala, Miriam Kirubel. 

As meninas construíram o documento em encontros formativos, em que compartilharam suas experiências e de outras meninas de seus territórios. Os encontros foram mediados pelas ativistas da Rede Malala, que organizaram os encontros com temáticas sobre direitos humanos, protagonismo juvenil e desigualdades educacionais.

 

Em agosto, no mês da juventude, o Manifesto #MeninasDecicem foi lançado Defensoria Pública da União (DPU) de Recife – Créditos: Fundo Malala


 

U-Report Brasil e demandas para a educação

Na sequência do lançamento do Manifesto #MeninasDecidem, a Rede Malala convidou adolescentes e jovens a apresentarem suas demandas e prioridades para a educação pelas redes sociais.

Em parceria com a plataforma U-Report Brasil, do UNICEF, a Rede também lançou uma enquete, em outubro. A pesquisa mostra que 84% das meninas concordam que a agenda da educação foi decisiva na escolha de candidatas/os no segundo turno das eleições. Os dados obtidos por meio do chatbot do programa U-Report não possuem precisão estatística para configurar uma pesquisa nacional com critérios de amostra. Desenvolvido pelo escritório de inovação do UNICEF no Quênia e executado no Brasil pela ONG Viração Educomunicação, o programa engaja adolescentes e jovens brasileiros a opinarem sobre diversos assuntos e acessarem conteúdos educativos. 

Para 63% das jovens participantes (779, 99% delas meninas), a escola não possui uma estrutura de qualidade e para 39%, a estrutura é (ou era, para as que já concluíram os estudos) razoável. Para 16% delas, a estrutura escolar é  insuficiente e 7% a consideram péssima. Com relação à diversidade, quando perguntadas se a escola respeitava sua identidade ou cultura, 54% das meninas responderam positivamente. Já 29% consideram que a escola respeitava razoavelmente, 11% poucas vezes e 5% responderam que não. A maioria das respondentes foram meninas negras (73%).

 



Somadas as devolutivas obtidas via chatbot da U-Report e pelas redes sociais da @redemala, a campanha contou com mais de 830 respostas de jovens sobre a educação no Brasil que, em sua maioria, pediam pela melhoria na qualidade de ensino, por escolas com estruturas adequadas, mais inclusivas, que combatam as discriminações e que abordam em seus currículos política, culturas, arte e história.

Governo de transição e agendas para 2023

Com o resultado das urnas definido, Givânia Silva, co-fundadora da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e integrante da Rede Malala, foi convidada em novembro para integrar o grupo técnico da área de Igualdade Racial da equipe de transição do governo federal. “Compor a equipe de transição é um desafio, mas também é a certeza da responsabilidade do nosso trabalho para que os novos integrantes do governo possam dar sequência, junto com o presidente Lula, às políticas de combate ao racismo e às desigualdades no nosso país”, disse em entrevista à CONAQ

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, com a representação de sua coordenadora geral e integrante da Rede Malala Andressa Pellanda, fez sugestões ao gabinete de transição, defendendo a retomada da centralidade do PNE como espinha dorsal das políticas educacionais brasileiras, a aprovação do Sistema Nacional de Educação tendo como parâmetro o CAQ (Custo Aluno-Qualidade) e a implementação de medidas que fortaleçam a educação inclusiva e antidiscriminatória. 

A Campanha articulou contribuições ao GT, feitas por entidades de seu Comitê Diretivo e de articulações das quais a Campanha faz parte, resultando em um documento de 588 páginas. Uma planilha com alertas, sugestões, revogações e medidas prioritárias enviada ao GT por Daniel Cara, professor da FE-USP e dirigente da Campanha que compõe o GT, teve colaborações de Andressa Pellanda e outros pesquisadores da Rede da Campanha, como Catarina de Almeida Santos, Fernando Cássio e Salomão Ximenes, entre outros. Um destaque das contribuições foi o relatório exploratório sobre a extrema-direita e ataques a escolas, que lista estratégias de ação governamental para evitar atentados a escolas no Brasil. O documento foi organizado por Daniel Cara e produzido por outras 12 pesquisadoras, entre elas Andressa Pellanda.

A Rede Malala também entregou uma carta à equipe de transição do governo federal denunciando o fenômeno da censura na educação, estimulado pelo governo atual nos últimos anos através de perseguições de profissionais de educação, estudantes, gestões educacionais e cerceamento de escolas e universidades. O documento  apresenta medidas para o novo governo promover o fortalecimento dos direitos humanos nos ambientes educacionais. A carta pública  endossa a retomada da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), a reconfiguração do Conselho Nacional de Educação (CNE) e a necessidade de implementação das diretrizes para a Educação para as Relações Étnico-Raciais, Educação Escolar Indígena e Educação Escolar Quilombola, além do fortalecimento das políticas de ação afirmativas e de programas de formação docente comprometidos com a igualdade de gênero e aspectos de raça e sexualidade.