É preciso ligar o microfone da sociedade civil, endossa Campanha na ONU

Entidade apoia recomendações para Estados ampliarem participação de organizações da sociedade civil nos debates da ONU; reunião aconteceu em evento paralelo ao Fórum Político de Alto Nível, em Nova York

 

Participar e fazer contribuições a sessões realizadas pelo Fórum Político de Alto Nível é um desafio burocrático para as organizações da sociedade civil (OSC) de todo o mundo que participam do evento da ONU (Organização das Nações Unidas).

Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que acompanha presencialmente o Fórum em Nova York, conta dos obstáculos para que as OSC sejam convidadas para debater sobre temas urgentes de seus países.

O evento paralelo Unmute civil society (Ligar o microfone da sociedade civil, em português) foi realizado pelas Missões Permanentes de Dinamarca e Costa Rica, por UN Foundation, CIVICUS, Action for  Sustainable Development e Global Focus, e apoiado por dezenas de Estados e OSCs, incluindo esta Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Pellanda representa a Campanha no Fórum, sendo parte do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 (GT Agenda 2030), da Campanha Global pela Educação (CGE), da Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação e como integrante da Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil, organizações também presentes na ocasião.

Acesse o documento (em inglês) assinado pela Campanha que detalhe esse pleito junto à ONU, e leia o relato de Andressa Pellanda abaixo.

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Por Andressa Pellanda*

"Unmute civil society" (Ligar o microfone da sociedade civil) é a discussão de hoje que a sociedade civil propôs no Fórum Político de Alto Nível da ONU #HLPF2022. Não poderia haver outro título para discutir a participação das OSC aqui. Explico o porquê.

É preciso primeiro entender que a participação da sociedade civil em eventos da ONU acontece a partir de uma aplicação da organização para ter status consultivo. É um processo bastante burocrático, que exige série de documentos comprobatórios e demora anos.

Por exemplo, a Campanha Brasileira pelo Direito à Educação aplicou em 2020 e demorou 2 anos para sermos aprovados. Mas não fica por aí. Aqui na sede da ONU em NY, para o Fórum Político, é preciso também integrar 'Major Groups' (Grupos Maiores) organizados por tema.

Já estive aqui neste evento na sessão de 2019 e agora volto em 2022, 'pós pandemia'. Na versão deste ano, para assistir as sessões oficiais das revisões dos ODS, era preciso ainda ter um 'passe especial' para poder acessar as plateias, cuja distribuição é uma incógnita.

Afinal, conseguimos passes pedindo para parceiros, que nos deram alguns e que orientaram onde pegar, numa sala onde eram distribuídos com limitação. A 'sorte' é que neste ano poucas pessoas vieram presencialmente, então a disputa era menor.

Para podermos falar nas sessões oficiais, o problema é ainda mais complexo. Geralmente, após os painelistas e os países falarem, não sobra tempo de debate para participação da sociedade civil. E, quando sobra, são poucos minutos para uma pessoa representando o Grupo Maior.

Os grupos enviam nomes indicados para falas nos painéis. Só recebemos as confirmações no dia da sessão e, muitas vezes, somos cortados sem justificativa. É o que aconteceu comigo neste ano, iria falar na sessão sobre financiamento e horas antes soube que não fui confirmada.

Podemos propor eventos paralelos (side events), mas dos quais também são selecionados somente alguns, já sendo uma lista imensa, que acontecem antes das sessões (7h30 da madrugada) ou todos ao mesmo tempo.

Tudo isso sem contar com os problemas estruturais: o quanto é caro vir para Nova York; o quanto financiadores muitas vezes não têm dimensão da importância das OSC estarem aqui e não apoiam essas viagens; o quanto restrita a lista de línguas oficiais é, se tornando uma barreira. 

E, por fim, todos os eventos paralelos deste ano foram online e, caso não possa vir presencialmente, há transmissao ao vivo das sessoes oficiais, o que não permite que pessoas com precária conectividade ou tecnologias participem. É o que chamam de digital divide.

Há ainda aqueles que acreditam que a sociedade civil não precisa participar, porque suas ações são movidas a partir dos Estados. Como se a sociedade civil não tivesse papel de controle social. É um comentário que foi trazido aqui nesse debate de hoje.

As recomendações trazidas aqui para os Estados agirem pela participação da sociedade civil são: 

1. Maximizar as oportunidades e vantagens das TIC e da digitalização em reuniões e processos da ONU;

2. Acabar com a exclusão digital;

3. Garantir uma participação significativa em todas as etapas das reuniões e processos da ONU;

4. Criar um Dia de Ação da Sociedade Civil anual, ou seja, à margem do HLPF ou da Assembleia Geral;

5. Nomear um enviado especial para a sociedade civil para trabalhar pelo espaço cívico na ONU

 

*Coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Foto: Sonul Badiani-Hamment/Reprodução/Twitter