Relatório da ONU alerta sobre riscos de avanço da privatização da educação por meio da tecnologia

Campanha contribuiu para o documento assinado por Kombou Boly Barry, Relatora Especial da ONU para o Direito à Educação

 

Tomadores de decisão interessados em processos de privatização da educação usam a tecnologia para penetrar sobre sistemas e instituições de ensino. E essa tendência foi fortalecida no período de crise pandêmica, com o agravamento de desigualdades educacionais, que acometem principalmente os países do Sul Global. 

É o que diz Koumbou Boly Barry, Relatora Especial da ONU para o Direito à Educação, em novo relatório “Impactos da digitalização da educação ao direito à educação”, divulgado no início de junho e a ser apresentado em sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas no dia 22 deste mês.

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação contribuiu para a construção do Relatório.

“Estados e outros tomadores de decisão precisam enfrentar o risco de agravamento dos processos de privatização de sistemas e instituições educacionais por meio da digitalização do ensino”, afirma a Relatora no documento.

Boly Barry recomenda que os Princípios de Abidjan, marco internacional de regulação da atuação dos atores privados na educação, sejam “seguidos totalmente” de acordo com princípios orientadores dos direitos humanos. Da mesma forma, recomenda que investimentos para uma educação pública, livre e de qualidade sejam protegidos e aumentados.

“A implementação do direito à educação precisa responder às necessidades de todas as pessoas, para que todas elas possam acessar e se apropriar da tecnologia como uma ferramenta de empoderamento, para se tornarem membros ativos da sociedade”, diz a Relatora. 

A Relatora aponta que a educação a distância em contextos de emergência é “totalmente diferente” do uso cotidiano da tecnologia, e que qualquer implementação desse tipo de ensino não equivale à educação presencial e precisa se basear no direito à educação para todas e todos.

Educação Vigiada
O documento também aborda pontos de preocupação quanto à presença cada vez maior das Big Techs nos processos educacionais. Reflexo disso é como essa penetração contribui para que dados de toda natureza sejam usados por terceiros sem o conhecimento de educadores e gestores.

“A forma como os dados são coletados e usados está longe de ser transparente, com, em alguns casos, total opacidade e desrespeito ao direito à privacidade e ao princípio do consentimento informado. A Relatora Especial saúda a este respeito as iniciativas da sociedade civil destinadas a divulgar informações sobre essas questões, como o ‘Educação Vigiada’, na América do Sul.”

Realizado pela Iniciativa Educação Aberta, o projeto Educação Vigiada é brasileiro e reúne pesquisadores acadêmicos e de organizações sociais com o objetivo coletar e divulgar informações sobre a plataformização da educação pública no Brasil e na América do Sul e incentivar um debate na sociedade em relação aos seus impactos sociais e educacionais. A Campanha divulgou a iniciativa junto à relatoria, que incorporou no documento publicado.

Sobre algoritmos e o uso de serviços de busca na internet, a Relatora salienta que a inteligência artifical não é neutra e reforça “vieses, estereótipos e discriminação histórica”.

Como recomendação aos atores da educação, ela recomenda que é preciso “garantir que algoritmos não interfiram nas escolhas dos estudantes sobre o que e como estudar, assim como não determinem trajetórias de vida”.   

(Foto: ONU/Divulgação)