18 de maio: Escola é espaço de proteção e combate à violência sexual

Mais da metade dos casos de violência contra crianças e adolescentes acontece dentro de casa e entre pessoas próximas à família; 18 de maio é o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes

 

A violência e abuso de crianças e adolescentes é ainda uma realidade que está longe de ser combatida. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021, mais da metade (67%) dos casos acontece dentro da casa da vítima e entre pessoas próximas à família

Nos últimos anos, período em que as pessoas passavam a maior parte do tempo em casa, por conta do isolamento social, foi registrado um aumento no número de chamadas do Disque 100, o canal de denúncias de violência sexual. Entre as denúncias de violações de direitos humanos contra crianças e adolescentes, 18,6% dos casos estão ligados a situações de violência sexual, de acordo com o balanço da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.   

Escola como espaço de proteção, denúncia e de visibilização

A escola é um espaço importante para que crianças e adolescentes relatem as violências que sofrem e busquem ajuda. É através da escola e de seus profissionais que essas violências deixam de ser invisíveis. Em nome da elaboração de uma agenda comum de proteção a infâncias e adolescentes, movimentos populares de defesa de direitos lançaram, em parceria, uma série de estudos intitulada Infâncias e Adolescências Invisibilizadas

O mapeamento, coordenado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e construído com mais organizações nacionais de defesa de direitos, é formado por oito cadernos contendo um aporte robusto de informações sobre as infâncias e adolescências em diferentes contextos de exclusão, distribuídos dentro das seguintes temáticas: situação de rua; migrantes; residentes em territórios urbanos em zonas de conflito e violênciasistema socioeducativo; em contexto de reforma agrária; agricultura familiar; quilombolas; e indígenas

O “Infâncias e Adolescências Invisibilizadas” é composto por Anced (Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente), Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Cedeca-CE (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará), FNPETI (Fórum Nacional de Prevenção e. Erradicação do Trabalho Infantil), MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), MNMMR (Movimento Nacional Meninos e Meninas de Rua) e Sefras (Serviço Franciscano de Solidariedade). Para o desenvolvimento dos estudos, houve participação ativa da CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos) e da ANAÍ (Associação Nacional de Ação Indigenista).

Através dos cadernos, é possível compreender como a violência e o abuso sexual estão sujeitos a marcadores sociais de classe, gênero, orientação sexual, raça, etnia, territórios e pertencimentos e como a educação e a escola são fundamentais para prevenir esse tipo de violência. 

O objetivo desses estudos é mostrar que, mesmo diante de questões como a violência sexual contra crianças e adolescentes, é imprescindível considerar que não existe uma infância, designada universalmente pelo tempo de vida, mas se trata de múltiplas infâncias, plurais e atravessadas por particularidades.  

18 de maio: faça bonito

Maio é lembrado como o mês de conscientização pela prevenção da violência e abuso sexual de crianças e adolescentes. A data é lembrada em memória da menina Araceli Crespo, estuprada e morta em 18 de maio de 1973, um crime que permaneceu impune e até hoje sem o devido esclarecimento. Em maio de 2000 foi instituída, através da Lei 9.970, o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, data que se tornou sinônimo de mobilização em nome de programas de conscientização e prevenção da violência sexual. 

Veiculada nos meios de comunicação e alvo de iniciativas em escolas e espaços públicos, o Maio Laranja vem se tornando uma marca de mobilização pela garantia de direitos de crianças e adolescentes, como a Campanha Faça Bonito

Nos cadernos do Projeto Infâncias e Adolescências Invisibilizadas, algumas informações dão conta da complexidade da questão, ao revelar faces ocultas, ou invisíveis, por assim dizer, das violências e abusos sexuais.

  • Recentemente, no Rio de Janeiro, a justiça determinou o afastamento de cinco agentes e do diretor da unidade do Degase por suspeita de abuso sexual contra adolescentes internas (DIAS et al, 2021). A denúncia foi apresentada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) e reiterada pela Defensoria Pública. O local abriga, atualmente, 19 internas. Elas denunciam assédios e abusos sexuais praticados por agentes e relatam que pelo menos duas das meninas ficaram grávidas. Em um dos relatos, uma menina de 13 foi abusada para ter acesso a um celular e falar com a mãe, de quem sentia muita saudade (Adolescentes em Medidas Socioeducativas, p.78).
  • A saída de casa está, em grande medida, relacionada com os conflitos familiares, muitos dos quais resultantes de negligência e abandono e violências psicológica, física e sexual (Crianças e adolescentes em situação de rua, p. 96).
  • A situação de rua de crianças e adolescentes pode estar associada a: I – trabalho infantil; II – mendicância; III – violência sexual; IV – consumo de álcool e outras drogas; V – violência intrafamiliar, institucional ou urbana; VI – ameaça de morte, sofrimento ou transtorno mental; VII – LGBTfobia, racismo, sexismo e misoginia; VIII – cumprimento de medidas socioeducativas ou medidas de proteção de acolhimento; IX – encarceramento dos pais.  (Crianças e adolescentes em situação de rua, p.40).
  • As “novinhas”: O uso do termo “novinha” é frequente em letras de funk e no modo de se referir às meninas de favela. Este é um dos demonstrativos presentes na língua e na prática social para expressar a ambiguidade envolvida na percepção dos adultos sobre meninas adolescentes, que ora são entendidas como meninas de fato, ora como mulheres. Segundo a pesquisadora Camila Fernandes (2017), a categoria “novinha” não repousa unicamente sobre uma questão etária, mas se concentra em uma combinação entre aparência e atitude das jovens que pode ser lida como “performance”. Essa performance é identificada através do comportamento, que envolve a sexualidade, ousadia e certo atrevimento, com as maneiras de vestir, short, top e roupa curta. Essa cultura é apresentada pela autora como explicada pelo olhar externo como um dos fatores que “justificam” ou que permitem o abuso e o estupro dos corpos dessas meninas, inclusive quando se trata de operadores de direito (Crianças e adolescentes de territórios urbanos em situação de violência , p. 40-41).
  • Crianças e adolescentes que iniciam uma jornada migratória por si próprias podem adotar estratégias diversas, incluindo entrar em associação ou relacionamento com adultos que facilitem ou possibilitem o cruzamento de fronteiras (...). Elas também podem buscar oportunidades de gerar recursos econômicos para migrar, com risco de se ver envolvidas em redes de exploração laboral ou sexual. Entre as crianças que migram sozinhas, os dados disponíveis apontam que os meninos adolescentes são a maioria; para eles, os estereótipos de gênero podem levar a que eles sejam entendidos como menos vulneráveis. No entanto, meninos adolescentes, principalmente aqueles que migram desacompanhados ou separados, podem estar expostos a graves violências, tais como o alistamento forçado em conflitos armados, inclusive por parte do crime organizado, a tortura ou a violência sexual (UNICEF, 2017) (Crianças e adolescentes migrantes, p. 33)
  • A situação migratória insegura e precária tem um reconhecido impacto negativo nas crianças, além de expô-las a maiores riscos de sofrer múltiplas violências, tais como a negligência, o abuso, sequestro, rapto e extorsão, tráfico, exploração sexual, exploração econômica, trabalho infantil, mendicância ou envolvimento em atividades criminosas e ilegais, em qualquer parte do ciclo migratório (Crianças e adolescentes migrantes, p. 46)
  • Crianças em situação migratória irregular estão mais expostas a uma série de riscos, incluindo o tráfico de crianças, sequestro, trabalho infantil e exploração sexual infantil  (Crianças e adolescentes migrantes, p. 97).
  • Ao destacar que crianças e adolescentes quilombolas  estão expostas aos impactos de marcadores sociais como gênero, raça e classe, a CONAQ e a Terra de Direitos apontam para o fato de que essas crianças têm sido vítimas de abusos, como a violência sexual e a retirada forçada dos núcleos familiares. (Crianças e adolescentes quilombolas, p. 60)
  • Mesmo dentro dos territórios, os constantes ataques às Terras Indígenas fazem com que os pais e mães fiquem com receio de mandar os filhos à escola, o que se agrava ainda mais no caso das meninas, que estão mais sujeitas a sofrerem violências, inclusive sexuais, ao circularem em áreas desprotegidas, posto que as escolas frequentemente estão em outras comunidades que não as de sua residência (Crianças e adolescentes indígenas, p.26).

Os cadernos apontam para as diversas faces da violência e abuso contra crianças, uma rica contribuição para entendermos como se constituem as formas de exploração. Essa iniciativa faz parte de um projeto que visa garantir a crianças e adolescentes o seu direito à educação e ao desenvolvimento, livres de violências e dentro da escola, de forma segura e protegida.