Coalizão da sociedade civil entra com pedido de impeachment de Paulo Guedes na Câmara dos Deputados

Articulação que reúne mais de 200 entidades e redes acusa ministro de crime de responsabilidade por não prever no orçamento de 2021 despesas para o enfrentamento da Covid-19, e por suspender auxílio emergencial no auge da pandemia

 

Brasília, 09 de dezembro de 2021 - A Coalizão Direitos Valem Mais,a Plataforma Dhesca Brasil e a Coalizão Negra por Direitos, ingressaram nesta quinta-feira (9), na Câmara dos Deputados com um pedido de impeachment do ministro da Economia, Paulo Guedes. Na denúncia popular protocolada na Câmara, as articulações acusam o ministro de crime de responsabilidade durante a gestão da pandemia da Covid-19. Representando juridicamente as articulacoes, assinam 13 entidades da sociedade civil, que solicitam intimação da Procuradoria-Geral da República para ciência e manifestação quanto à proposta de representação e abertura de inquérito de apuração por crime de responsabilidade contra o ministro. Em outubro, a Coalizão Direitos Valem Mais e a Plataforma Dhesca apresentaram o pedido de Impeachment do ministro no Supremo Tribunal Federal (STF), que foi protocolado como documento-subsídio na CPI da Covid-19.

Durante o protocolo do pedido, será realizado um ato político no Hall da Taquigrafia da Câmara dos Deputados, que contará com a participação de lideranças de movimentos sociais, organizações de direitos humanos e lideranças dos partidos de oposição. Estarão presentes parlamentares do PSOL, PT e PCdoB.

Por que o impeachment de Paulo Guedes?

O principal ponto da acusação é que o ministro Paulo Guedes deixou de prever em 2020, na proposta do orçamento de 2021 enviada ao Congresso Nacional, recursos para o enfrentamento da Covid-19 neste ano, que concentra até dezembro mais de 616 mil mortes. 

“Somente esse ato, por si só, já caracteriza crime de responsabilidade”, explica a advogada Eloísa Machado, professora de direito constitucional da Fundação Getúlio Vargas, que representa a Coalizão Direitos Valem Mais. “Dificultar o acesso de brasileiras e brasileiros a uma renda mínima foi uma estratégia deliberada para impedir e desestimular as medidas de isolamento social, violando patentemente os direitos fundamentais e sociais previstos na Constituição – o que é tipificado como crime de responsabilidade pelo artigo 85, III da Constituição Federal e artigo 7.9 da Lei 1079/50”, completa a advogada. O próprio Ministério da Economia admitiu à CPI da Covid, por meio de ofício, que não destinou recursos específicos para o combate à pandemia no PLOA de 2021 por conta da incerteza sobre a crise sanitária”.

Imunidade de rebanho

Na ação, a Coalizão observa que a ausência de previsibilidade de recursos para o combate à Covid-19 na proposta de orçamento de 2021 apresentada pelo Ministério da Economia reflete a aposta do governo federal na chamada ‘imunidade de rebanho’. “Essa estratégia foi usada nitidamente como justificativa para evitar medidas econômicas capazes de minimizar o impacto da pandemia. Para a equipe econômica, naquele momento (outubro de 2020), a imunidade logo chegaria e seriam desnecessárias ações econômicas específicas para enfrentamento à Covid-19”, afirma Eloísa. 

"A deliberada política de propagação da pandemia de Covid-19 adotada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro foi implementada por diversas instâncias do governo: pelo do Ministério da Saúde, pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República, pelo do Ministério da Cidadania e pelo Ministério da Economia, sob a gestão de Paulo Guedes. Neste sentido, há conexão entre os crimes de responsabilidade praticados pelo presidente Jair Bolsonaro e por seu ministro, Paulo Guedes, nos termos do artigo 13.2 da Lei 1.079/50. Os fatos mostram que o ministro da Economia agiu deliberada e ativamente para impedir que o Estado brasileiro tivesse condição de reagir, através de políticas públicas, aos desafios impostos pela pandemia”, afirma Denise Carreira, uma das porta-vozes da Coalizão Direitos Valem Mais, Plataforma Dhesca e Ação Educativa. 

A atuação do ministro também foi denunciada pela advogada Bruna Morato em depoimento à CPI da Covid no dia 28 de setembro, quando destacou a existência de uma “aliança” entre a operadora de planos de saúde Prevent Senior e o Ministério da Economia para promover o uso da hidroxicloroquina e combater medidas de isolamento social. “São crimes de responsabilidade dos Ministros de Estado os atos previstos nesta lei que os Ministros assinarem com o Presidente da República ou por ordem deste praticarem”, complementa Denise Carreira.

Política de fomento à pobreza

O pedido de impeachment também chama a atenção para a condução do Ministério da Economia dada por Paulo Guedes desde que assumiu o cargo como “superministro” em janeiro de 2019 e seus impactos nas políticas sociais e ambientais. No entendimento da Coalizão, o Ministro atua na perspectiva de fomentar a pobreza, o que contraria os preceitos da Constituição. Segundo dados do Cadastro Único para programas sociais (CadÚnico), a pandemia aprofundou a desigualdade social, aumentando o número de pessoas em situação de extrema pobreza no país. Em março de 2020, início da pandemia no Brasil, havia cerca de 13,5 milhões de pessoas nessa condição. Esse número registrou um salto de 784 mil pessoas em março deste ano, o que representa um crescimento de 5,8%, alçando para mais de 14 milhões de brasileiros.

Em diversas falas públicas, Guedes manifestou uma perspectiva discriminatória com relação à população mais pobre e mostrou seu entendimento de que não é papel do Estado erradicar a pobreza, embora este seja um dos objetivos fundamentais da República brasileira previstos na Constituição (art. 3º, III). Em fevereiro de 2020, pouco antes do início da pandemia, Guedes disse que o dólar alto afastava a possibilidade de as empregadas domésticas viajarem para a Disney. Mais recentemente, em abril deste ano, ao reclamar do Fies – programa do governo federal que financia estudantes a cursarem o ensino superior –, o ministro afirmou que a iniciativa levou até filho de porteiro que zerou o vestibular para a universidade.

Em outubro de 2020, já no auge da Covid-19, Guedes suspendeu o pagamento do auxílio emergencial, o que jogou 2 milhões de pessoas de volta à extrema pobreza e 19 milhões no mapa da fome. Neste ano, 53,2% do orçamento exclusivo para o enfrentamento à pandemia foram destinados ao auxílio emergencial, programa que forneceu cinco parcelas de R$ 600,00 (seiscentos reais) a 66,2 milhões de brasileiros. A proposta inicial do governo para o auxílio emergencial era de R$200,00, valor considerado irrisório pelo Congresso Nacional. Mesmo diante do agravamento da crise econômica e sanitária, o benefício foi cortado pela metade e, posteriormente, suspenso – deixando um saldo disponível de 28,9 bilhões já aprovados.

“Dificultar o acesso de brasileiros a uma renda mínima apresenta uma periclitação da vida, da integridade e da segurança da população, violando patentemente os direitos fundamentais e sociais previstos na Constituição – o que é tipificado como crime de responsabilidade pelo artigo 85, III da Constituição Federal e artigo 7.9 da Lei 1079/50”, explica a Eloísa.

Nos quatro primeiros meses de 2021, não houve pagamento do auxílio emergencial. Foram os meses mais agudos da pandemia desde então. O governo condicionou o retorno do benefício à aprovação de novas medidas fiscais. Em março, o governo mobilizou esforços junto ao Congresso para aprovar a Emenda Constitucional 109, que limitou o montante a ser destinado à nova etapa de transferência de renda emergencial, entre outras medidas. Retomado em abril, mês mais letal da Covid-19, o auxílio emergencial foi reduzido a ¼ do valor originalmente instituído pelo Congresso Nacional e a pouco mais da metade dos beneficiários. Neste mesmo mês, o Orçamento 2021 foi aprovado sem considerar a continuidade da pandemia e sem previsão de recursos adicionais para a saúde e outras políticas sociais.
 

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Descrição gerada automaticamente

Nos seis primeiros meses de 2021, quando a pandemia atingia seu maior pico no Brasil, o governo executou apenas o equivalente a 22% do orçamento destinado ao combate à Covid-19 no mesmo período em 2020. Entre janeiro e junho de 2020, a despesa do governo federal para este fim foi de R$ 217,73 bilhões, enquanto nos mesmos meses de 2021 este valor foi de apenas R$ 48,34 bilhões. “A baixa execução do orçamento afeta diretamente os mais vulneráveis e enfraquece as medidas de contenção da doença, na medida em que não deixam alternativa que não o retorno a atividades, formais e informais. A irresponsabilidade fiscal ao não executar o orçamento resultou em mortes, adoecimento, sofrimento e fome. Ao exteriorizar sua visão inconstitucional, não foram poucas as oportunidades nas quais o ministro Paulo Guedes procedeu de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo, crime de responsabilidade previsto no artigo 85, V da Constituição e artigo 9.7 da Lei 1.079/50”, aponta a advogada.
 

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Pacote antiambiental

Na denúncia popular, a Coalizão acusa o ministro também de fragilizar a capacidade do Estado de garantir o direito à proteção e à preservação do meio ambiente, entre outros ataques à garantia de políticas públicas. O Projeto de Redução do Custo Brasil, apresentado pelo Ministério da Economia com a justificativa de “transformar a produtividade e competitividade do país” traz medidas que atacam a legislação ambiental. Entre elas, a extinção da lista do Conselho Nacional do Meio Ambiente, que define casos em que se exige o estudo prévio de impacto ambiental (EIA); a previsão de concessão de licenças por decurso de prazo, em razão da demora na análise dos pedidos de licenciamento ambiental; a revogação de regras sobre autorização de supressão de vegetação nativa que se aplicam especificamente ao bioma Mata Atlântica, bem como reduzir a participação do Ibama nesses processos autorizativos; a dispensa de licenciamento ambiental a reutilização de rejeito e estéril de mineração; alteração do mapa de biomas do IBGE, excluindo da delimitação da Amazônia as áreas com características de Cerrado; cancelamento a consulta ao Iphan para empreendimentos agrossilvipastoris; redução das exigências para fabricação de agrotóxicos voltados à exportação, com o objetivo de tornar o país um polo produtor de agroquímicos.

13 entidades assinam o pedido em nome da Coalizão Direitos Valem Mais

  1. Ação Educativa: Assessoria, Pesquisa e Informação
  2. Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (Abed)
  3. Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca)
  4. Campanha Nacional pelo Direito à Educação
  5. Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas)
  6. Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE)
  7. Criola
  8. Fian Brasil - Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas
  9. Gestos - Soropositividade, Comunicação e Gênero
  10. Grito dos Excluídos
  11. Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa)
  12. Justiça Global
  13. União Nacional dos Estudantes (UNE)     


SOBRE A COALIZÃO DIREITOS VALEM MAIS

Criada em 2018, a Coalizão é um esforço intersetorial que atua por uma nova economia comprometida com os direitos humanos, com a sustentabilidade socioambiental e com a superação das profundas desigualdades do país. Atualmente, 200 reúne mais de associações e consórcios de gestores públicos; organizações, fóruns, redes, plataformas da sociedade civil; conselhos nacionais de direitos; entidades sindicais; associações de juristas e economistas e instituições de pesquisa acadêmica. www.direitosvalemmais.org.br

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