Fineduca alerta sobre Projetos de Lei que alteram a regulamentação do Fundeb Permanente

Entidade detalha ajustes necessários a PLs n° 3.418/2021 e n° 3.339/2021, da Câmara dos Deputados, e PL n° 2.751/2021, do Senado Federal

 

A Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação) alerta sobre ajustes necessários sobre Projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional – PL n° 3.418/2021 e PL n° 3.339/2021, na Câmara dos Deputados, e PL n° 2.751/2021, no Senado Federal. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação apoia a manifestação. Leia-a em PDF ou abaixo: 

 

Alerta sobre Projetos de Lei que alteram a regulamentação do Fundeb Permanente

Manifestação da Fineduca [1]  

 

Uma conquista muito importante, ainda que contraditória, dos últimos tempos, pelo campo político-educacional democrático, participativo e em defesa da escola pública, foi a Emenda Constitucional (EC) n° 108/2020, aprovada em 26/08/2020, que instituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) de modo permanente no texto constitucional, ampliou a complementação da União para o mínimo de 23% do total de recursos dos fundos das unidades federativas, estabeleceu novas formas de redistribuição dessa complementação (VAAF, VAAT e VAAR), inseriu o Custo Aluno-Qualidade (CAQ) no texto constitucional, ampliou o mínimo de gastos do Fundeb com os profissionais da educação para 70%, proibiu o pagamento de inativos com recursos do Fundo, não permitiu a inclusão dos recursos do salário-educação como fonte da complementação da União, entre várias outras medidas. Em defesa de muitos avanços houve a participação decisiva da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), por meio de Notas Técnicas e participação em audiências públicas e reuniões, ou apoio a manifestações de movimentos sociais, sindicais, estudantis de incidência junto a parlamentares por sua aprovação. 

A Lei n° 14.113 foi sancionada em 25/12/2020 e previu a entrada em vigor da operacionalização dos mecanismos do Fundeb Permanente a partir de abril de 2021, mas ainda ficaram várias definições pendentes, algumas com prazo previsto na atualização da lei que deveria ocorrer até 31/10/2021.

Neste momento, dezembro de 2021, existem três projetos de lei (PL) em tramitação no Congresso Nacional – PL n° 3.418/2021 e PL n° 3.339/2021, na Câmara dos Deputados, e PL n° 2.751/2021, no Senado – de diferentes partidos e com diversas finalidades, que tentam “resolver” o problema da regulamentação pendente e outros explicitados após a edição da Lei nº  14.113/2020. Os três projetos indicam atualização da Lei até outubro de 2023, basicamente sobre regras de indicadores e ponderações de matrículas, o que é justificado pela necessidade de maior discussão e aprofundamento. Esses PL trazem, entretanto, outros assuntos, alguns importantes, relativos a uma melhor definição de termos, processos, prazos etc. e outros altamente preocupantes e, por isso, a Fineduca lança um ALERTA sobre alguns aspectos envolvidos neste caso.

Ainda que nosso exame dos PL tenha sido abreviado (por uma sugestão de tramitação com urgência dos PL no Congresso Nacional feita em um deles), consideramos positiva a ideia de expandir os prazos (até 2023) para a regulamentação de itens que consideramos complexos, de modo a permitir uma maior discussão, aprofundamento e participação social sobre os assuntos atinentes. Sobre isso, a Fineduca endossou Posicionamento do Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, de novembro de 2021. [2]

Há pontos que, entretanto, “saltam aos olhos” como discutíveis e improcedentes e que, caso aprovados, alteram procedimentos já estabelecidos na política de fundos desde o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), com consequências danosas às milhares de administrações públicas do país e às/aos profissionais da educação.

Neste alerta destacaremos três pontos.

O primeiro é a abertura da possibilidade de que o setor privado bancário seja também participante (beneficiário) do Fundeb, ainda que por via indireta. Os três projetos de lei contemplam a possibilidade de que recursos do Fundeb para pagamento de salários possam ser transferidos para outros bancos, ou seja, perda da exclusividade das contas únicas no Banco do Brasil (BB) ou Caixa Econômica Federal (CEF). Uma vez que as administrações públicas tradicionalmente fazem a operacionalização dos recursos do Fundeb com o BB e a CEF (que mantém redes de atendimento com maior alcance nas diversas regiões e localidades do país), por que propor esta alteração? Se lembrarmos que o valor estimado do total do Fundeb em 2021 é de R$ 207,02 bilhões (publicado na Portaria Interministerial 8/2021), podemos compreender o interesse do mercado financeiro sobre o Fundo.  Se a demanda se deve à impossibilidade de romper contratos de “venda da folha de salários” com prejuízo aos cofres públicos, então que seja estipulado um prazo para que se cumpra a exclusividade da recepção e movimentação de recursos no BB e na CEF.

Outro ponto diz respeito à ideia de já caracterizar o chamado VAAR (nomenclatura da Lei nº 14.113/2020) como uma complementação baseada em critérios exclusivos de desempenho em testes de aprendizagem de larga escala e fluxo educacional (por exemplo, medidos pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - Ideb) ao invés de se discutir mais amplamente sua finalidade e concepção, pois o que está previsto na EC n° 108/2020 é “2,5 (dois inteiros e cinco décimos) pontos percentuais nas redes públicas que, cumpridas condicionalidades de melhoria de gestão previstas em lei, alcançarem evolução de indicadores a serem definidos, de atendimento e melhoria da aprendizagem com redução das desigualdades, nos termos do sistema nacional de avaliação da educação básica” (Art. 212-A, inciso V, alínea). Na Lei nº 14.113, em relação à complementação pelo VAAR, é fixada a finalidade de reduzir as desigualdades educacionais socioeconômicas e raciais e estabelecido que as especificidades da educação escolar indígenas e suas realidades sejam respeitadas (Art. 14, parágrafo 1º, inciso III). Por que não aprofundar melhor o conceito de “atendimento e melhoria da aprendizagem com redução de desigualdades” proposto constitucionalmente? E, por exemplo, em uma localidade sem atendimento escolar em alguma(s) etapa(s) da educação básica, como seria aferida esta diminuição? A necessidade e a complexidade que envolvem as discussões sobre as desigualdades educacionais socioeconômicas e raciais demandam aprofundamento de forma ampliada, participativa e democrática.

O terceiro diz respeito à destinação dos recursos para a remuneração dos profissionais da educação básica em efetivo exercício, em proporção não inferior a 70%, definida pela EC 108/2020 (Art. 212-A, XI) e pela Lei nº 14.113/2020 (Art. 26). Nos três PL – 3.418/21 e 3.339/21 da Câmara e 2.751/21 do Senado – é excluída a possibilidade de considerar como “profissionais da educação básica” pessoal que presta serviços de psicologia e assistência social em equipes multiprofissionais que atendam à educação básica (serviços previstos no Art. 1º da lei nº 13.935/2019). Nos posicionamos favoráveis a esta exclusão. É de observar que o art. 1º da Lei. nº 13.935/2019 se refere aos serviços de psicologia e assistência social e não a profissionais. Serviços de psicologia e assistência social são relevantes na educação básica, porém devem ser custeados com recursos das respectivas áreas e não com aqueles da manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE), nem do Fundeb e nem os da MDE extra Fundeb. 

Ainda neste terceiro ponto, cabe observar que os três projetos de lei dão maior abrangência a “profissionais da educação básica” frente ao disposto no Art. 61 da Lei n° 9.394/1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). É escancarada a possibilidade de que todo e qualquer profissional que venha a estar lotado em alguma escola pública (para além de psicólogos e assistentes sociais) seja pago com a rubrica mínima de 70% do Fundeb para remuneração. Tais profissionais devem contribuir para a educação, amparados pelos Arts. 206 e 208 da Constituição Federal de 1988, mas a fonte de recursos deve ser outra. Se mais profissionais, por mais importantes que sejam no contexto escolar, participarem da “partilha” desses recursos, em breve o Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN), instituído pela Lei n° 11.738/2008, não poderá ser cumprido no país por falta de recursos financeiros. Neste ponto, vale salientar que, segundo os dados do Censo Escolar realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em 2020, naquele ano, as 137,8 mil escolas estaduais e municipais ofertavam 38,1 milhões de matriculas (81% do total) e contavam com o trabalho de 3,35 milhões de profissionais lotados nas escolas. Destes profissionais, 1,96 milhão (58,6%) atuavam em sala de aula (R$ 1,77 milhão como docentes e 191 mil como auxiliares docente) e R$ 1,38 milhão (41,4%) nas diferentes funções fora de sala de aula. Estas funções foram ocupadas por profissionais de serviços gerais (34,8%), alimentação escolar (17,8%), serviços administrativos (12,9%), coordenação pedagógica (16,6%), secretaria escolar (5,7%), segurança (3,8%), biblioteca (3,2%) e monitores (2,3%). As demais funções não citadas somam 2,8%. 

Para se ter uma ideia do potencial do impacto financeiro da inserção de novos profissionais no ambiente da escola de forma sistemática (se regulamentada por lei), realizamos uma estimativa considerando: 

(a) o número de escolas estaduais e municipais reveladas pelo Censo Escolar de 2020; 

(b) que cada novo profissional teria uma remuneração mensal bruta de R$ 4.227 (equivalente à média nacional da remuneração dos professores das escolas públicas de educação básica com formação em nível superior para uma jornada de trabalho semanal equivalente à 40 horas); [3]

(c) que seria garantido 13º salário e 1/3 de férias aos profissionais; e que sobre a remuneração incidiriam encargos sociais para o empregador seria da ordem de 20%;

(d) que cada nova função permitida na legislação inseriria um novo profissional em cada uma das 84,1 mil escolas públicas estaduais e municipais urbanas. [4]

Com base nestes parâmetros, a despesa com folha de pagamento seria de R$ 67,5 mil por ano para cada novo profissional; o impacto orçamentário anual dos novos 84,1 mil postos de trabalhos inseridos nas escolas seria de R$ 5,7 bilhões para o conjunto das redes estaduais e municipais do país que mantém escolas públicas urbanas. Ou seja, cada novo profissional inserido com base nestes parâmetros potencialmente aumentaria o quadro de funcionários de escolas (1,38 milhão) em 6,1%; e aumentaria as despesas com folha de pagamento equivalente a 2,7% do total do Fundeb estimado para 2021 (R$ 207 bilhões). 

Estas estimativas evidenciam que a proposta de inserir novos profissionais, além daqueles com a formação superior ou técnica exigida no Art. 61 da LDB, nas escolas, tendo o Fundeb como fonte de receitas para pagamento da remuneração, é inviável do ponto de vista orçamentário-financeiro. 

Entendemos que tal medida violaria o princípio da “valorização dos profissionais da educação”, estabelecido no próprio nome oficial do Fundeb. Ao mesmo tempo, pode ser um enorme desincentivo à oferta de programas de formação superior ou técnico-profissional aos trabalhadores da educação.

Neste sentido, assim como outras entidades o fizeram, a Fineduca faz um ALERTA e chama a atenção dos/as parlamentares para que sejam feitos os ajustes necessários aos projetos de lei n° 2.751/2021 (do Senado), n° 3.339/2021 e n° 3.418/2021 (da Câmara), a fim de adequar as proposições para a lei de regulamentação (n° 14.113/2020) do Fundeb Permanente, de modo a manter procedimentos já realizados pelas administrações públicas, de diminuir desigualdades educacionais existentes e de garantir direitos e “valorização dos profissionais da educação” pública, com maior tempo de discussão, aprofundamento e participação social.

São Paulo, 07 de novembro de 2021

Apoio: Campanha Nacional pelo Direito à Educação


[1] Documento elaborado pelas/os associadas/os da Fineduca: Rubens Barbosa de Camargo, Márcia Aparecida Jacomini, Nalú Farenzena, Nelson Cardoso Amaral, Rosana Gemaque Rolim, Thiago Alves.

[2] CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO À EDUCAÇÃO. Posicionamento Público. Minuta de Relatório para Regulamentação do Fundeb precisa de melhorias para a consagração dos avanços constitucionais aprovados para o novo Fundo. Brasil, novembro de 2021. Disponível em: https://media.campanha.org.br/acervo/documentos/Fundeb2020_MinutaRelatorio_PL4372-2020_PosicionamentoPublico_2020_11_17.pdf.

[3] Média nacional da remuneração dos docentes da educação básica calculada com base nos microdados da PNAD Contínua/IBGE do 1º trimestre/2021.

[4] As escolas públicas localizadas em áreas rurais têm pouco menos de 50 matrículas (em média e com grande dispersão de valores). Por isso, tem quadro reduzido de funcionários e funções fora de sala de aula. Assim, nesta simulação de cenário, optamos por uma estimativa “mais conservadora” no sentido de considerar que o maior potencial de lotação de novas funções se daria em escolas urbanas.