Entidades denunciam “calote à educação premiado” em proposta do Senado

Campanha Nacional pelo Direito à Educação assina manifestação com organizações contra a PEC 13/2021 que desresponsabiliza o Estado de repassar valores para manutenção e desenvolvimento da educação

 

Entidades ligadas ao direito à educação denunciam em manifestação que, se aprovada, a PEC 13/2021, que tramita no Senado Federal, vai liberar um “calote à educação premiado”. A PEC 13/2021 anistia entes federativos e agentes públicos pelo descumprimento da MDE (Manutenção e Desenvolvimento da Educação) no exercício financeiro de 2020 e 2021.

A manifestação chamada “Depois da destruição da Amazônia, agora querem acabar com a Educação - A PEC 13/2021 do Senado e o calote à educação premiado” é assinada pelas seguintes entidades e movimentos: 

Ação Educativa
Anfope – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
Anpae - Associação Nacional de Política e Administração da Educação
Anped - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Cedes - Centro de Estudos Educação e Sociedade
CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
Fineduca – Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação
Mieib – Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

LEIA A MANIFESTAÇÃO AQUI

A PEC também prevê anistia para o descumprimento da obrigação de investir no mínimo 70% dos recursos do Fundeb com pagamento dos profissionais da educação básica, em 2020 e 2021; prevê a obrigação de compensar na educação os valores faltantes até 2024 e unifica os pisos da saúde (15%) e educação (25%) durante os anos de 2020 e 2021, de modo que, nesses anos, os entes subnacionais somente se sujeitam à meta unificada de 40% na saúde em conjunto com a educação. Ou seja, se houver redirecionamento de recursos da educação para saúde nesses anos, não haveria necessidade de compensar o prejuízo sofrido pela educação posteriormente.

“A alegação é a queda de receita de muitos entes e a redução de muitos gastos em função do atendimento remoto. Ora, como já se disse, se a receita cai (o denominador da fórmula), a tendência é o índice de vinculação subir. Quanto à citada queda na despesa, soa quase como cinismo em um contexto em que a educação demanda mais esforços e recursos. Educação é basicamente pessoal (de 85% a 90% do gasto total), portanto, se houve economia nessa área foi porque professores (muitos deles temporários) não tiveram seus contratos renovados e servidores (muitos deles terceirizados) foram dispensados. Ou seja, se houve economia, foi à custa da qualidade da educação, com o acirramento dos efeitos econômicos nefastos da pandemia, pois foram trabalhadores da educação que deixaram de receber sua remuneração”, dizem as entidades no texto. 

Tabela presente na manifestação mostra que, em 2020, dos 5.120 municípios que entregaram suas declarações ao Sistema de Informações sobre Orçamento Públicos em Educação (Siope), 4.803 municípios, 94% do total, cumpriram a Constituição Federal no que se refere à vinculação mínima de impostos em educação.

LEIA A MANIFESTAÇÃO AQUI OU ABAIXO


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Depois da destruição da Amazônia,
agora querem acabar com a Educação

A PEC 13/2021 do Senado e o calote à educação premiado[1]

“Depois de uma luta insana, consegui restabelecer um percentual mínimo da receita de impostos federais, estaduais e municipais para a Educação.”
Senador João Calmon sobre a EC 24/1983

As entidades abaixo subscritas manifestam-se publicamente contrárias à aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 13, de 2021.

A PEC 13/2021, “Acrescenta o art. 115 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para determinar que os Estados o Distrito Federal e os Municípios, bem como seus agentes, não poderão ser responsabilizados pelo descumprimento, no exercício financeiro de 2020, do disposto no caput do art. 212 da Constituição Federal” (Ementa da Proposta). 

Na Constituição Federal de 1934, graças ao esforço de educadores como Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, o Brasil adotou o princípio da destinação obrigatória para a educação de um percentual mínimo da receita de impostos da União, dos Estados e dos Municípios. Essa destinação constitucional caiu nos golpes de Estado de 1937 (ditadura Vargas) e de 1964 (ditadura civil-militar), e foi retomada em 1983 com a Emenda Calmon e consolidada na Carta cidadã de 1988. A Constituição Federal determina, determina, em seu art. 212, que a “União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino”. Ou seja, há a constatação clara, e a nação sente isso mais forte do que nunca, da existência de uma relação intrínseca entre democracia e investimento na qualidade da educação.

Nas últimas três décadas após a aprovação da CF de 1988 o país apresentou indicadores vigorosos de ampliação do atendimento educacional na rede pública, das creches até a educação superior, tendo por norte dois planos nacionais de educação, um aprovado em 2001, e outro em 2014, este último com vigência até 2024. Com a política de fundos (Fundef e Fundeb) avançamos também na equalização das oportunidades educacionais entre as diferentes unidades da federação e no interior das mesmas, considerando as redes estaduais e municipais. Embora longe ainda de garantir um padrão mínimo aceitável de qualidade de ensino como estabelece o § 1º do art. 211 da Constituição Federal, temos conseguido ampliar o valor mínimo nacional do Fundeb e, com a nova versão deste Fundo, aprovada em 2020, mais expectativas de melhoria se abrem no horizonte. 

Mas é bom lembrar que os desafios permanecem. Por exemplo, já com o novo Fundeb, o valor mínimo total disponível por aluno este ano está estimado em R$ 402 por mês (anos iniciais do ensino fundamental), uma cifra que corresponde a um terço da mensalidade de uma escola privada de qualidade razoável. Na faixa etária de 0 a 3 anos, enquanto a taxa de atendimento entre os 20% mais ricos da população é de 55%, entre os 20% mais pobres é de apenas 25% (dados de 2019), ou seja, menos da metade, diante de uma meta de 50% no PNE para 2024.

Nesse ínterim, veio a pandemia de Covid-19, que, associada aos desgovernos do Executivo Federal, virou o país de pernas para o ar e tornou a tarefa de educar mais complexa e mais custosa. Prefeitos e governadores, com seus respectivos secretários de educação, tiveram como principal obrigação, oferecer meios tecnológicos às escolas, professores e famílias para minimizar os visíveis prejuízos das aulas remotas. Obras tiverem que ser feitas nas escolas para prepará-las com segurança e higiene para o retorno das atividades presenciais. Além disso, a tarefa educativa de conscientizar a população sobre a importância da vacinação foi e continua sendo estratégica.

Nesse contexto, a maioria absoluta dos estados e municípios brasileiros se lançou num esforço para enfrentar os desafios na área da saúde, graças a recursos adicionais aprovados. Na educação, os recursos financeiros advindos da vinculação constitucional, sofreram grande oscilação em 2020 e fecharam o ano com uma pequena queda real frente a 2019. É importante lembrar que os gastos com educação, concentrados nas despesas com pessoal, tendem a ser inelásticos e, por isso, sempre que a receita de impostos cai, há uma tendência de o percentual vinculado superar os 25%, uma vez que este índice é o resultado da razão entre a despesa com manutenção e desenvolvimento do ensino (o numerador) e a receita líquida de impostos (o denominador). 

Dessa forma, respondendo às demandas da crise, a mediana do índice de vinculação dos municípios, em 2020, foi de 26,6%, com um coeficiente de variação de 12%. Como mostra a Tabela 1, dos 5.120 municípios que entregaram suas declarações ao Sistema de Informações sobre Orçamento Públicos em Educação (Siope), 4.803 municípios, 94% do total, cumpriram a Constituição Federal no que se refere à vinculação mínima de impostos em educação. Apenas 317 municípios não o fizeram. 

Entre os governos estaduais, apenas um não cumpriu o índice constitucional; diga-se de passagem, repetindo situação de 2019.

Pois bem, mesmo com esse exemplo de compromisso dos estados e municípios, os poucos inadimplentes (concentrados principalmente no Estado do Rio Grande do Sul), se articularam para não serem penalizados pelo descumprimento da Constituição e foi formulada a EC 13/2021, com origem no Senado Federal, a mesma casa que teve papel crucial na aprovação da EC 24/1983. Essa proposta prevê anistiar os entes federativos e agentes públicos pelo descumprimento dos mínimos de vinculação constitucional no ano de 2021. A alegação é a queda de receita de muitos entes e a redução de muitos gastos em função do atendimento remoto. Ora, como já se disse, se a receita cai (o denominador da fórmula), a tendência é o índice de vinculação subir. Quanto à citada queda na despesa, soa quase como cinismo em um contexto em que a educação demanda mais esforços e recursos. Educação é basicamente pessoal (de 85% a 90% do gasto total), portanto, se houve economia nessa área foi porque professores (muitos deles temporários) não tiveram seus contratos renovados e servidores (muitos deles terceirizados) foram dispensados. Ou seja, se houve economia, foi à custa da qualidade da educação, com o acirramento dos efeitos econômicos nefastos da pandemia, pois foram trabalhadores da educação que deixaram de receber sua remuneração. Mas mesmo admitindo que ‘sobrou dinheiro’, basta uma rápida olhada no documento “Relatório de Monitoramento das Metas do PNE” para se constatar o quanto há ainda a ser feito em termos de melhoria da infraestrutura das escolas (arejamento das salas de aula, mobilidade, bibliotecas, laboratórios de ciências e informática, etc.), aquisição de equipamentos, bem como de ampliação do atendimento na educação infantil e ensino médio, no que se refere às obrigações diretas de estados e municípios.

Mas o que começou mal está no risco iminente de se transformar em tragédia, comprometendo de vez o princípio da vinculação, conquistado após “luta insana”, como disse o ex-Senador João Calmon, já falecido. O Parecer da relatora SORAYA THRONICKE (PSL-MS), vice-líder do Governo Bolsonaro no Congresso conseguiu ampliar as perdas educacionais, como se vê a seguir:

  • Estabelece que a anistia dos entes federativos e agentes públicos pelo descumprimento da MDE dar-se-á relativamente aos anos de 2020 e 2021;
  • Prevê que a anistia impede qualquer tipo de sanção ou restrição aos entes subnacionais no tocante à celebração ou renovação de acordos, convênios, bem como impede o bloqueio de repasses ou transferências voluntárias de outros entes;
  • Estende a anistia também para o descumprimento da obrigação de investir no mínimo 70% dos recursos do Fundeb com pagamento dos profissionais da educação básica, em 2020 e 2021;
  • Prevê a obrigação de compensar na educação os valores faltantes até 2024!
  • Unifica os pisos da saúde (15%) e educação (25%) durante os anos de 2020 e 2021, de modo que, nesses anos, os entes subnacionais somente se sujeitam à meta unificada de 40% na saúde em conjunto com a educação. Ou seja, se houver redirecionamento de recursos da educação para saúde nesses anos, não haveria necessidade de compensar o prejuízo sofrido pela educação posteriormente. 

Como se constata, os inimigos de sempre da educação, aliados à base bolsonarista do Congresso, são aqueles que afirmam que nunca houve ditadura militar no Brasil. E se aproveitaram da demanda de uma minoria de prefeitos, equivocadamente abraçada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), para dar cabo ao princípio da vinculação constitucional para a educação. Pois uma vez introduzida a ‘flexibilização’, ainda que transitória na Constituição Federal, a ‘porteira está aberta’, basta lembrar dos efeitos nefastos do Fundo Social de Emergência (para a saúde, lembram-se?), que se transformou no Fundo de Estabilização Fiscal e que redundou na Desvinculação das Receitas da União (DRU), que continuam assombrando as políticas sociais.

Por fim, como lembrou a procuradora do Ministério Público de Contas junto ao Tribunal de Contas de São Paulo, Élida Graziane Pinto, em audiência pública sobre o tema no dia 24 de agosto de 2021 – evento, diga-se de passagem, no qual a relatora fez apenas uma passagem relâmpago –, o atual quadro normativo sobre o tema (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e decisões do Supremo Tribunal Federal) já contempla soluções para situações emergenciais como essas, sem qualquer necessidade de alterar nossa Lei Maior.

Brasil, 08 de setembro de 2021

[1] O documento foi redigido por José Marcelino de Rezende Pinto (USP, Fineduca).

Assinam

Ação Educativa

Anfope – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação

Anpae - Associação Nacional de Política e Administração da Educação

Anped - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Cedes - Centro de Estudos Educação e Sociedade

CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação

Fineduca – Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação

Mieib – Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra